O Tanoeiro da Ribeira

domingo, fevereiro 22, 2015

Quanto aprendemos com eles!...


Mensagem do Santo Padre para o “Dia Mundial do Doente” - “Sabedoria do coração é servir o irmão. Quantos cristãos dão testemunho – não com as palavras mas com a sua vida radicada numa fé genuína – de ser “os olhos do cego” e “os pés para o coxo”! Pessoas que permanecem junto dos doentes que precisam de assistência contínua, de ajuda para se lavar, vestir e alimentar. Este serviço especialmente quando se prolonga no tempo, pode tornar-se cansativo e pesado; é relativamente fácil servir alguns dias, mas torna-se difícil cuidar de uma pessoa durante meses ou até anos, inclusive quando ela já não é capaz de agradecer. E, no entanto, que grande caminho de santificação é este! Em tais momentos, pode-se contar de modo particular com a proximidade do Senhor, sendo também de especial apoio à missão da Igreja. O tempo gasto junto do doente é um tempo santo. É louvor a Deus, que nos configura à imagem de Seu Filho, que não veio para ser servido, mas para servir (Mt 20,28). Foi o próprio Jesus que o disse: Eu estou no meio de vós como aquele que serve (Lc 22,27).
Estas palavras, tão divinas e tão humanas, do nosso Papa Francisco chegaram-me no momento em que acabara de abrir uma carta que se fazia eco do texto “Com a vida não se brinca” publicado em 7 de janeiro. Foi de olhos humedecidos que resolvi partilhar convosco este testemunho porque Jesus disse: Assim, brilhe, a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai que está nos céus (Mt, 5,16).
Rezava assim o anexo da carta que recebi: “ Meu irmão nasceu há setenta e seis anos com paralisia cerebral a quem, clinicamente, vaticinaram trinta de vida. Não falava, compreendia bastante, dependente a 100%, mas muito simpático. O “milagre” da sua longevidade deve-se ao facto de ter sido muito amado por todos, sempre presente em família, o que o tornou imensamente feliz! E porque quem ama e é amado vive, daí a sua vida longa para espanto de todos. Claro que foi uma exigência dura cuidar dele,. Mas fui apenas, e só apenas, o servo inútil que fez o que devia ter feito, numa família onde todos colaboraram. Quanto aprendi com ele a deixar-me amar, a aceitar a pobreza das minhas dependências, a ser grata perante a delicadeza dos outros e sobretudo a saborear quanto vale a pessoa! Porque imagem de Deus, infinitamente amada por Ele, é o fundamento de todos os valores, vale por si e em si, independentemente da sua notoriedade ou rentabilidade, e com destino eterno. Foi oportunidade soberana de viver o ensinamento de Jesus: O que fizerdes ao mais pequenino é a Mim que o fazeis (Mt 25,25)”.
Assistência contínua, não durante uns meses, mas ao longo de setenta e seis anos...
Soli Deo honor et gloria – Só a Deus honra e glória. (I Tim 1.17)
(18/2/2015)














quarta-feira, fevereiro 11, 2015

Promovendo solidariedade...


No início do ministério episcopal no Porto, D. Manuel Clemente presidiu ao jantar de beneficência da Obra Diocesana de Promoção Social. Começou por afirmar que o seu conhecimento da Obra ainda era pouco, mas, desde a primeira hora, se sentiu atraído pela palavra promoção incluída na sua denominação e acrescentou: “Não sei de quem foi a ideia, mas é um trunfo que deve ser aproveitado”. Posteriormente, ficou a saber das “duras e longas negociações” que conduziram à consagração jurídica, em 17 de abril de 1967, da “Obra Diocesana de Promoção Social na Cidade do Porto”. À época, caso único em Portugal.
Sem desprimor pelas muitas ações que assinalaram as “bodas de ouro” da Obra, uma houve que, pelo seu simbolismo, gostaria de destacar. Foi no bairro de S. Tomé e o “espaço solidário”, de setembro 2014, descreve-a nestes termos: “Sopa do Próximo – Começámos por efectuar um levantamento de famílias carenciadas residentes na freguesia de Paranhos. Feita a triagem, seguiu-se a tarefa (ingrata) de seleccionar os agregados considerados mais necessitados, que culminou em quinze agregados, num total de trinta e cinco pessoas. Deitámos então mãos-à-obra e pela entreajuda entre colaboradores e clientes, foram angariados os produtos necessários para a digna confecção da sopa. Estava assim dado o primeiro grande passo de exemplo de solidariedade. Feita a recolha dos vários produtos, clientes (sobretudo estes) e colaboradores, tiveram a difícil mas muito compensadora tarefa de preparar os alimentos para a confecção da refeição. E com uma imensa gratidão pelo sentimento que nos foi proporcionado, constatámos a satisfação pura, estampada em rostos que emanavam alegria, por lhes ter sido dada a oportunidade de participar numa actividade repleta de simbolismo, numa verdadeira manifestação de amor. Considerando a distribuição da sopa de todo insuficiente, novamente nos unimos e, após esta, distribuímos um lanche elaborado e servido com todo o amor e carinho por todos os envolvidos nesta tarefa. A recepção das famílias teve como objectivo principal fazer com que sentissem não se tratar de uma “esmola”, mas sim de um acto de amor pelo próximo, um exemplo de cidadania.”
Esta atividade merece-me realce porque, ao envolver colaboradores e utentes do centro social e ao acolher moradores da vizinhança, objetivou duas intenções básicas da Obra Diocesana: promover a solidariedade entre as pessoas e abrir os bairros às comunidades residenciais vizinhas. E foi de tal modo significativa e entusiasmante que, agora com o nome “Um gesto de amor”, vai ser realizada mensalmente, em todos os bairros da Obra, até final deste ano. A primeira teve lugar no bairro de S. João de Deus, no dia 28 de fevereiro. Um bem-haja para todos.(11/2/2015)

















quarta-feira, fevereiro 04, 2015

No quinto centenário de Sá de Miranda


O doutor Aurélio Oliveira, catedrático jubilado da Universidade do Porto, fez o desafio. O Grupo “Sinos da Sé” de Braga aceitou-o. E assim nasceu o CD Cantar Sá de Miranda, gravado na escola Sá de Miranda e recentemente editado.
Mas quem é este português de quinhentos que, ainda hoje, merece ser cantado? Um “guarda-cabras”, como se intitula na carta que escreveu ao Rei D. João III, que ousa atacar a frivolidade da Corte - “Homem dum só parecer/dum só rosto e d' ua fé,/d'antes quebrar que volver/outra cousa pode ser,/ mas de corte homem não é”. Um poeta que critica a macrocefalia de Lisboa - “Não me temo de Castela,/ mas temo-me de Lisboa,/ que o Reino nos despovoa.”; denuncia os Senhores - “fortes amos/querem que os adoremos”, a má distribuição da riqueza - “um possui de serra em serra/outro nada ou dous tojais”, os funcionários prepotentes - “Executores da lei, /havei vergonha algum dia!”, a ostentação de algum clero - “quanto padre que passea/em fim, ventre e bolsa cheia. António Ferreira, seu contemporâneo, diz: “Novo mundo, bom Sá, nos foste abrindo/com a tua vida e com teu doce canto”. Almeida Garrett afirmou:”Sá de Miranda, verdadeiro pai da nossa poesia, um dos maiores homens do século, foi o poeta da razão e da virtude”. José Machado no libreto do citado CD esclarece: “Sá de Miranda foi o tipo de homem da cultura que transitou da vida palaciana para a residência rural. Este tipo de português erudito e sujeito interveniente político que se retira dos negócios e da “coisa pública” para se dedicar à produção literária, mas sempre atento à orientação geral do reino e das gentes, é protótipo do intelectual integrador, reformista e renovador da vida cultural do seu povo.”
Nasceu em Coimbra em 1481. De ascendência fidalga, estudou em Santa Cruz e frequentou a Universidade onde alcançou o título de doutor em Direito. A fidalguia e a cultura abriram-lhe as portas da Corte. Por curiosidade intelectual, foi viver para Itália, durante 5 anos, onde conviveu com os maiores vultos do renascimento da época. Regressado a Portugal, foi de novo bem recebido na Corte. Mas, passados quatro anos, inesperadamente, deixou tudo e recolheu-se às terras de “Entre -Homem-e-Cávado”, onde casou e veio a morrer, em 1558, na sua quinta da Tapada em Amares. Como diz o subtítulo do CD, Ainda não é tarde para evocar quem fez da escrita uma contínua intervenção social e literária e, como um profeta, assumiu a missão de denunciar a soberba dos poderosos, a corrupção dos políticos, os vícios da sociedade, a ostentação e a degradação dos costumes. Um exemplo para os dias de hoje...
Vale a pena conhecê-lo nas suas trovas à maneira antiga, poesias bucólicas, sonetos, canções, elegias, cartas, comédias.
(4/1/2015)