O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, abril 29, 2015

NAS PERIFERIAS EXISTENCIAIS


Anunciavam-se relâmpagos para a noite de 18 de abril, mas foram as velas que iluminaram o adro da capela da Senhora da Paz. Fez bem a Vigararia do Porto Nascente ao iniciar a “Via da Alegria” nesta capelinha que está a celebrar as bodas de ouro. Belo presente!
Na festa do seu aniversário, foi lido um texto que começava: “Corria o ano de 1965. No dia 7 de março, na ausência de D. Florentino de Andrade e Silva, Administrador Apostólico da Diocese do Porto, a participar no Concílio Vaticano II, o sacerdote da “Obra dos Bairros” benzeu a imagem, celebrou a primeira missa e deu à capela o nome de N.ª Srª da Paz. No primeiro aniversário, dia 7 de março de 1966, D. Florentino, num gesto de carinho, veio presidir à Eucaristia.”
Em 7 de março de 1965, entrou em vigor a reforma litúrgica do Vaticano II: a Missa passou a ser em português e o sacerdote começou a celebrar de frente para os fiéis. A escolha desse dia para a primeira missa quis ser um sinal da “Igreja pobre e peregrina”que o Concílio Vaticano II anunciou: uma Igreja missionária e próxima, plantada no meio das pessoas e partilhando das suas “alegrias e tristezas...”.
A Câmara Municipal havia cedido as arrecadações dos serviços de jardins, no coração do bairro de S. Roque, nos limites do nordeste portuense. Era um edifício com chão de cimento e telhado de telha vã. E foi aí que Deus armou a sua tenda de encontro com os homens que dela fizeram “casa de oração”. Entre outros, nela celebraram a Eucaristia dominical o Cónego Marcelino, então diretor espiritual do Seminário Maior e D. João Miranda, quando era vice-reitor do Seminário do Bom Pastor. E também rezou D. António Ferreira Gomes, em 1972.
Na Igreja, sopravam ventos de esperança. O País, porém, continuava vestido de luto: era a Guerra Colonial que ameaçava não ter fim. Muitos jovens partiam cheios de vida e regressavam estropiados ou num caixão. Nossa Senhora da Paz seria a mãe que reconfortava este povo sem esperança. A sua imagem é a de uma jovem, de rosto sereno e braços abertos em gesto de acolhimento a lembrar a Senhora da Misericórdia.
Celebrar as “bodas de ouro” é evocar a memória, mas é também perspetivar o futuro. E foi, num momento de inspiração, que o pároco anunciou que a capelinha iria ser lugar de encontro para todos os que estão ao serviço da caridade. E foi certamente essa a intenção que presidiu à realização, neste local, da “Via da Luz”.
Que lugar paradigmático para, no “Ano da Misericórdia”, a Igreja (paróquia/vigararia) abrir o coração às periferias existenciais, como aconselha o Papa Francisco na bula “O Rosto da Misericórdia”! Seria regressar à sua matriz original. E bem o mereciam quantos nela trabalharam e rezaram e aí se encontraram com Deus na Assembleia dos Crentes.

( 29/4/2015)

quarta-feira, abril 22, 2015

DE QUEM É ESTA IMAGEM?








Há dias, uma jovem, ao passar perto do monumento cuja fotografia encima este texto, disse para o companheiro: - “ De quem é aquela estátua? Parece o Manuel Luís Goucha.” O amigo apressa-se a ler a inscrição e esclarece: - “Não, não é. É um bispo qualquer.” (Sic) Sem comentários...
Como certamente já se aperceberam, trata-se da escultura de D. António Ferreira Gomes que a Fundação Eng. António de Almeida ofereceu ao Porto, como paradigma da cidade onde, dizia Almeida Garrett, se há muito quem troque o B por V, há muito pouco quem troque a liberdade pela servidão. Ergue-se entre a Igreja dos Clérigos e a Universidade do Porto, local prenhe de significado para um bispo que privilegiava a pastoral da inteligência e que a história consagra como “O Bispo do Porto”.
D. António nasceu a 10 de Maio de 1906, em Milhundos, Penafiel. Entre 1926 e 28 frequentou a Universidade Gregoriana de Roma. Ordenado presbítero em 22 de setembro de1928, foi professor do seminário de Vilar de que se tornaria reitor e onde procurou inculcar nos alunos as palavras: “Fostes resgatados por grande preço, não queirais tornar-vos escravos de homens (1 Cor 7,23). Nomeado bispo de Portalegre em1949, veio para o Porto em 1952. Marcou a história pela lucidez e coragem na denúncia dos males político-sociais e também eclesiais. Num encontro de clero no Seminário Maior, disse “ando a ler o Livro de S. Cipriano e aconselho a todos a sua leitura porque a prática de muitos cristãos está mais próxima deste livro que do Evangelho.” e aconselhou especial cuidado na preparação dos noivos para o matrimónio porque “muitos casamentos na igreja não são sacramento, mas depois, como se trata dum ato do direito positivo, é preciso provar juridicamente a sua nulidade”.
A 13 de Agosto de 1958, escreveu uma carta a Salazar, na qual, fiel à doutrina da Igreja, exprimia preocupações acerca do estado da Nação e do “Estado Novo”. Em consequência, Salazar, logo no ano seguinte, condenou-o a um exílio de que só regressou 10 anos depois, retomando as suas funções episcopais, das quais resignou em 1982, ao atingir o limite de idade, vindo a falecer em 1989. Polémico porque profético.
Em sua homenagem, faço minhas as palavras de D. Armindo que, junto deste monumento em 2005 , exaltou o seu combate pela liberdade, pela dignificação da pessoa, pela valorização dos trabalhadores; a sua inteligência lúcida nas leituras sobre o sentido da história, o desenvolvimento e a afirmação da Igreja.
Para conhecer o pensamento de D. António, aconselho os seus livros editados pela Fundação SPES, particularmente as Cartas ao Papa.
(22/4/2015)







quarta-feira, abril 15, 2015

MEMÓRIA AGRADECIDA


Foi há cem anos. No dia 9 de abril de 1915, nasceu em Mosteirô, Santa Maria da Feira. Ordenado presbítero em 1937, Florentino de Andrade e Silva foi nomeado professor do seminário diocesano. Sentindo-se atraído pela vida contemplativa, ainda contactou um mosteiro em Espanha para entrar na Ordem de Cister, mas acabou nomeado diretor espiritual do Seminário de Vilar onde o fui encontrar em finais de 1954. Logo em março de 1955, foi sagrado bispo. Pouco o tempo de convivência, mas, na minha memória adolescente, ficou-me a voz pausada, a palidez do rosto, o semblante de asceta, a palavra mística. Os tempos passaram... e voltei a encontrá-lo, em 1961, já como Administrador Apostólico da Diocese do Porto durante o exílio a que Salazar condenara o seu bispo, D. António Ferreira Gomes. E senti-o bem mais próximo. Era o pastor que sabia ouvir e procurava pôr em prática o que tinha escrito em 1944: “o ideal mais alto que se poderá viver na terra é a aliança da contemplação com a acção”. A sua preocupação pelos pobres levou-o a criar o Secretariado de Acção Social donde nasceu a Obra Diocesana de Promoção Social. Atento às alterações demográficas e suas exigências pastorais, lançou as bases de novas paróquias: Senhora da Boavista, Senhora do Porto, Senhora do Calvário, Senhora da Ajuda, Cristo-Rei, Padrão da Légua, Baguim, Santo Ovídio, Coimbrões, Candal, Corim, Araújo, S. Pedro de Ovar, S. Pedro de Azevedo, Fontiscos. Para formação e assistência do Clero, fez nascer o Seminário do Bom Pastor e fundou a Fraternidade Sacerdotal. Ordenou cerca de duas centenas de presbíteros. Criou o Conselho Presbiteral. Introduziu na diocese os Cursos de Cristandade e incentivou muitos outros movimentos de apostolado. Acompanhou as novas experiências pastorais e, para lhes dar base segura, enviou para Madrid um teólogo a especializar-se em pastoral e liturgia. Em 1964, transferiu a sua residência da Torre da Marca para o antigo Paço junto da Sé e criou o Centro de Cultura Católica que ocupou o edifício deixado livre. Interessou-se pelas novas problemáticas como o planeamento familiar. Numa “semana de estudo” no Seminário Maior, em 1964 (?), após a intervenção do Dr. Albino Aroso, afirmou: “ a pílula é uma questão médica e, como tal deve ser tratada. Os sacerdotes, quando abordados, devem encaminhar os fiéis para um médico de boa formação cristã”. Foram anos de intenso e esperançoso labor pastoral. O livro “Para a História da Diocese do Porto – Dom Florentino de Andrade e Silva”, de António Teixeira Fernandes, pode ajudar-nos a compreender melhor quem foi e o que fez.
Viviam-se tempos de angústia na sociedade portuguesa e de contradição na Igreja do Porto. D. Florentino, homem do silêncio, sofreu e morreu em silêncio e, em silêncio, tem permanecido a sua memória...
( 15/4/2015)



segunda-feira, abril 06, 2015

A igreja de Santa Clara no Porto



Há dias, ao passar no Bonfim, reparei num casal de turistas que hesitava em subir a longa escadaria da igreja. Contrariamente ao que lhes disseram, aquela não parecia a “igreja de Santa Clara” referenciada no seu guia turístico. E não era mesmo.
Muita gente chama igreja de Santa Clara à igreja do Bonfim por nesta se venerarem as relíquias de Santa Clara em honra da qual se realiza uma romaria, no início de setembro. Esta santa foi mártir, como disse D. António Francisco na sua festa: “Santa Clara, que hoje aqui evocamos, era uma jovem romana dos primeiros tempos da Igreja, que afirmou a sua fé até ao testemunho do martírio. Vincula-nos a esta devoção uma tradição muito antiga que vem dos nossos antepassados. A tradição diz-nos que as relíquias de Santa Clara foram trazidas de Roma para a nossa igreja do Bonfim, no séc. XIX.”
Mas a “igreja de Santa Clara”, monumento nacional desde 1910, fica no Largo 1.º de Dezembro (perto do monumento a D. António Barroso) e deve o seu nome a Santa Clara, discípula de São Francisco, a respeito da qual respiguei algumas notas no livro chamo-me Clara de Assis:
Nasci em 1193 em Assis. Pelo património familiar éramos uma das famílias mais ricas da cidade. Francisco (nascido em 1182)) e seus companheiros viviam do seu trabalho e das esmolas, anunciavam com simplicidade a Palavra, serviam os enfermos, os leprosos, rezavam … e viviam em fraternidade e com alegria. Cada dia crescia em mim o desejo de viver como eles. A 16 de março de 1212, saí sozinha de casa e corri até à Porciúncula onde me esperavam Francisco e os seus companheiros. Vesti um vestido simples e cortaram-me os cabelos, como sinal de consagração a Deus. Quando pude mudar-me para São Damião ia contente, embora pressentisse que não seria fácil sobreviver sozinha. E não tardou a chegar um presente do pai do Céu: as primeiras irmãs! E, para maior surpresa, a primeira foi a minha própria irmã Inês. E uns anos mais tarde, a nossa mãe Hortulana... Nalgumas ocasiões passámos fome e penúria, mas então surgiram os milagres do amor. O pão , partilhado, era suficiente para todas.” A sua iconografia faz memória do dia em que afugentou os soldados que tentavam assaltar o mosteiro, mostrando-lhes a Sagrada Custódia com o Santíssimo Sacramento.
Foi em honra desta santa, fundadora da Ordem de Santa Clara (Clarissas), que D. João I - um rei muito grato ao Porto e em cuja Sé contraiu matrimónio -, cumprindo um voto da esposa, D. Filipa de Lencastre, apoiou a construção do Convento de Santa Clara de que subsiste a igreja, embora muito transformada no século XVII e XVIII. O seu interior está coberto de magnificente talha dourada comparável à da igreja de S. Francisco. Uma joia que vale a pena conhecer...