O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, fevereiro 24, 2016

XAXU OLÁ


Numa conversa de avós, uma senhora dizia que os netos são a sobremesa da vida. Ao que uma amiga retorquiu: - Mas ainda falta o café. E outra, em tom de brincadeira, acrescentou: - E o digestivo… É que a sobremesa indicia o fim da refeição… 

Para atenuar esta conotação que, não deixando de ser verdadeira também não precisa de ser enfatizada, prefiro dizer que os netos são rebuçados de Deus que nos adoçam a vida num tempo em que temos mais disponibilidade para os saborear tranquilamente. É esta serenidade interior que nos delicia com pormenores que nos escaparam quando éramos pais. As preocupações profissionais de então assoberbavam-nos de tal modo que não deixavam tempo nem tranquilidade para deles nos apercebermos. Quando se diz que os avós fazem aos netos o que não fizeram aos filhos, não é porque querem mais àqueles do que a estes, as circunstâncias é que são diferentes. Atualmente, com o aumento da “idade da reforma”, há avós que não podem acompanhar tão de perto o crescimento dos netos. E, com a desorganização das famílias, muitos são os que têm de assumir o papel de pais e a sua tarefa torna-se bem mais complexa. Felizes as crianças que crescem com o amor exigente dos pais e o amor benevolente dos avós!

Tempos atrás, minha neta, ao olhar para a imagem de Cristo, disse “Xaxú”. Foi a sua terceira palavra, depois de “má” e “pá”. E agora sempre que lhe perguntamos onde está o Jesus logo aponta para essa imagem. Esta experiência fez-me pensar num texto sobre a pedagogia da fé que aconselhava os pais (e os avós, acrescento) a terem em casa símbolos religiosos, a levarem os bebés a igrejas vazias e a participarem em cerimónias litúrgicas. O choro dum bebé, agora que há tão poucos, até torna a celebração mais festiva, como, há dias, me dizia o meu pároco. Assim, a criança, pouco a pouco, vai interiorizando o sentido do sagrado. A Fé bebe-se com o leite materno. A catequese ensina a doutrina e procura exercitar a sua vivência mas tem muita dificuldade em incutir a fé. Salvo raras exceções, quando as crianças não trazem a semente de casa, é como água em terra dura, passa mas pouco penetra.

Uns dias depois, começou a dizer “olá” e, com a mãozita, acenava a toda a gente: no café, no metro, na rua. Se há pessoas, apressadas ou mal-humoradas, que nem reparam, outras há que, surpreendidas, falam com ela e a acarinham. Humaniza os espaços. “Era bom que todos fôssemos como ela”, comentava uma senhora no café. 

 Na última semana, surpreendia-a a olhar para a imagem de Cristo e a dizer:” xaxú olá”. E repetiu para o irmãozito de cinco anos que acrescentou: “Eu falo com Jesus que está no nosso coração”. - Quem te ensinou? – Foi o pai.

E assim se interioriza o sentido da oração…e vai germinando a semente da fé.
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Que doces rebuçados!

( 24-2-2016)

 

quarta-feira, fevereiro 17, 2016

Um bispo sábio e santo



Foi assim que o Dr. Domingos Pinho Brandão sintetizou, aos microfones da Rádio Renascença (24/3/1952), o seu pensamento sobre D. Agostinho de Jesus e Sousa, o bispo que me admitiu no seminário. Grata e esbatida memória que sabe bem avivar no 64º aniversário da sua morte.

Faleceu na Torre da Marca a 21 de fevereiro de 1952. O suplemento de A Voz do Pastor de 23 de fevereiro escrevia: “Desaparece um dos maiores prelados portugueses de todos os tempos, verdadeiro ornamento do nosso episcopado, espírito brilhante duma erudição vasta e profunda, verdadeira alma de apóstolo que dedicou toda a sua vida ao serviço de Deus e das almas.”

Nasceu a 7 de Março de 1877, em Vila Pouca de Aguiar. Frequentou o Liceu de Vila Real e completou os preparatórios no Seminário de Guimarães. Estudou na Universidade Gregoriana, de Roma, como interno do Colégio Caprânica e depois do Colégio Português, onde se formou em Filosofia e Teologia. Em 1903, foi nomeado professor do Seminário de Braga e, em 1918, cónego da Sé. Colaborou em várias revistas de cultura religiosa. Com o Arcebispo de Braga elaborou as “Constituições da Arquidiocese ”. Foi nomeado bispo coadjutor de Lamego, em 2/8/ 1921, e titular, em 12/7/1935, tendo visitado todas as paróquias da diocese. A Santa Sé nomeou-o Visitador Apostólico dos seminários portugueses. Prestou notável contributo à redação dos textos do Concílio Plenário Português. Em 16 de maio de 1942, foi nomeado bispo do Porto, por, diz-se, interferência pessoal de Pio XII que tinha sido seu colega no Colégio Caprânica.

“Durante o seu episcopado viveram-se na diocese horas altas de intenso fervor religioso”, tais como: Congresso Nacional do Apostolado da Oração; Congresso Catequístico diocesano e a Semana Social; três congressos concelhios. Publicou dezenas de Pastorais e Exortações Pastorais. Restaurou o Seminário Maior do Porto, projetou e iniciou os trabalhos preparatórios para a construção dum grande seminário menor na Quinta da Formiga em Ermesinde. Em 8 de dezembro de 1947, Pio XII elevou-o à dignidade de Assistente ao Sólio Pontifício. Nos últimos anos de vida, respondia, na revista Lumen, às questões que lhe eram endereçadas.

Deixo-vos com as palavras do Dr. Brandão que, bem novo, me habituei a respeitar: “Era sábio mas sem ostentação, sem vaidade e sem orgulho. Tinha realmente a intransigência da Igreja que nada receia na defesa da verdade, mas, como a Igreja, o Sr. D. Agostinho sabia perdoar. Obedeceu a esta grande paixão: Amar e servir a Igreja. Trabalhou sempre por seu amor. E a Igreja em Portugal ficou a dever-lhe muito”.

A cidade do Porto lembra-o numa placa que diz: “Rua D. Agostinho de Jesus e Sousa 1877-1952 Bispo do Porto”. Quem a conhece?  Dão-se alvíssaras...

(17-2-2016)

 

quarta-feira, fevereiro 10, 2016

ECOS (III) - DR. ALBINO


 No seminário “Duas figuras da Igreja do Porto”, José Maria Pacheco Gonçalves falou do Dr. Albino Moreira , privilegiando as cinquenta e três  cartas que escreveu entre 1973 e  1976 e o artigo “Uma Igreja pobre/ pátria da liberdade e comunhão” publicado em 1976 pela revista “A Mensagem”. Selecionei alguns dos  excertos apresentados.

- Sobre o Seminário de que foi professor e reitor (1964-72) - “Escola da Fé: quando fiz a aproximação com o Seminário Maior, não pensava fundar outra coisa, mas transformar o Seminário: uma teologia mais vivencial e fonte de vida e apostolado; um compromisso mais amplo, existencial e comunitário dos professores com os alunos”.

- A propósito dum conflito na diocese - “O Sr. Bispo (D. António) tem razão: o Evangelho não é uma ideologia (e quem pensa que é, é um idólatra). Mas é preciso, acho eu, que não se feche ao diálogo. E que não se canse de repetir a necessidade imperiosa de a Igreja de todos o ser especialmente dos pobres. Rezemos confiadamente.”

- Sobre o papel da Igreja na sociedade -  “Mais vale correr o risco de ‘sujar as mãos’ na construção da verdade, da justiça, do bem comum, aí, na vida obrigatória, do que ‘pairar acima’, na medida em que isso equivaleria a comportar-se como quem não tem mãos.”

- Esclarece o conceito de contemplação - “Contemplação, é adesão à Realidade com coração de Deus. -Adesão , olhar-compromisso, coração, amor, decisão, luz, afeição, felicidade, paz. Realidade: Deus, e quanto Deus põe no nosso caminho, a começar por nós próprios, com defeitos, limitações, dons. Indo até cada momento concreto, grande ou pequeno, da vida profissional e apostólica. Com o coração de Deus: e aqui está o mais sublime, o mais decisivo, a alma da contemplação. E o mais difícil. Pôr de lado os meus próprios gostos e critérios e prazeres, por mais legítimos que sejam,  para jogar exclusivamente na auscultação, acolhimento, execução e fruição da presença e moções do Espírito em mim. Com seus silêncios e noites. Em auto-esquecimento e em liberdade totais”.

- Sobre o que se pedia à Igreja portuguesa após 25 de Abril - “A Igreja não coincide adequadamente com o Mundo, mas é sacramento do Mundo a salvar. Tenha ela (tenhamos nós, seus membros) suficiente inventiva e generosidade de despojamento, de serviço e de amor, para significar a salvação do Portugal de hoje, abalado até aos fundamentos na necessária procura de uma ainda longínqua ordem nova, mais justa, mais livre e mais pacífica.”

Concluo. O Dr. Albino possuía aquela “inteligência espiritual”, fonte de liberdade e consciência crítica, de que falava Santa Edith Stein, que  nos abre à vida interior e à transcendência. Foi um bem maior para a Igreja. A diocese do Porto deve-lhe  memória e gratidão.

(10-2-2016)

quarta-feira, fevereiro 03, 2016

ECOS...(II) - Dr. Narciso




A segunda voz do seminário "Duas figuras da Igreja do Porto" foi de Manuel António Ribeiro que apresentou o P. Narciso Rodrigues como " Um rosto de Igreja incarnada e inculturada".

O Dr. Narciso via em Cardijn "um exemplo que deveria iluminar o modo se ser padre nos meios operários" e no livro La France, pays de mission?, " um diagnóstico profético que se aplicava ao nosso país".

Filho de um "militante cristão ativo no movimento operário dos inícios do século XX", nasceu no Porto em 1915. Na família, numerosa e trabalhadora, bebeu a sensibilidade social e a capacidade de acolhimento que o levou a prometer ao pai, no dia da sua ordenação em Roma (1937) "que dedicaria toda a sua vida de padre ao serviço da classe operária". Em 1942, foi nomeado assistente diocesano da JOC, e, entre 1948 e 1966, assistente nacional da JOC masculina. Não foram fáceis esses tempos. Durante 24 anos, "viveu a dureza do ambiente de repressão política". Em 1966, voltou ao Porto e foi residir para o Seminário Maior onde estabeleceu uma relação de muita proximidade com os alunos "numa altura em que se vivia um grande clima de entusiasmo pelos ventos de renovação trazidos pelo Concílio Vaticano II". Inspirado na espiritualidade de Charles de Foucauld, o "seu trabalho de Diretor Espiritual era muito marcado pela ideia de uma Igreja que devia testemunhar o rosto misericordioso de Deus. Procurava incutir nos alunos uma hermenêutica dos evangelhos que ajudasse a perceber que Jesus não se dirige aos homens de altas virtudes que vivem num mundo ideal, mas às pessoas que se confrontam com os seus limites e fraquezas. Ajudava a perceber que o mundo do Evangelho não é uma espécie de cerca protegida reservada a uma elite, mas o mundo dos pequenos e dos pobres, do homem quotidiano." Assim marcou indelevelmente os seminaristas na década de 70 e início de 80. E os padres responsáveis pela pastoral operária ou que viviam junto das populações mais esquecidas do centro e da periferia do Porto. Também eles se sentiam ao serviço duma Igreja pobre em terra de missão.

Em Outubro de 1974, com o mesmo espírito de serviço e pobreza, foi paroquiar Coimbrões. Em 1983 foi nomeado assistente diocesano da LOC. Nunca escondeu a sua paixão pelo mundo operário como, de forma bem humorada, gostava de dizer: «A paróquia é minha mulher e a LOC é a minha amante».

Em conclusão, "no seu tempo e à sua maneira, foi um precursor do atual Papa, ao contribuir para dar vida a um rosto de Igreja que recorre ao remédio da misericórdia, em vez de brandir as armas da severidade." Como era bondoso o seu rosto!

Foi um dom de Deus para a Igreja e uma bênção para os que tiveram a graça de com ele conviver .(Continua)
3-2-2016