O Tanoeiro da Ribeira

terça-feira, dezembro 17, 2013

"Igreja do Silêncio" - Cardeal Stepinac


 

Ao entrar em Zagreb, recordei a “Igreja do Silêncio” que logo me trouxe à memória os cardeais: Wishinsky, da Polónia; Mindszenty, da Hungria; Stepinac, da Jugoslávia.

Foi, pois, com redobrada emoção que rezei junto do túmulo do cardeal Stepinac que repousa na catedral de que foi arcebispo.


Nasceu em 1898 em Krasic, na Croácia. Após a I Grande Guerra, ingressou na Universidade Gregoriana de Roma onde se doutorou em Filosofia e Teologia e se ordenou em 1930. Bispo em 1934, foi nomeado titular de Zagreb, em 1937, cargo que conservou até morte. A sua nomeação como cardeal em 1953 fez com que o General Tito rompesse as relações com a Santa Sé e impedisse a sua participação no conclave de 1958.


Durante a II Guerra Mundial, multiplicou iniciativas em favor dos perseguidos, protestou contra as leis racistas e contra a perseguição dos sérvios ortodoxos e exigiu o fim das perseguições raciais e religiosas.

Em 1946 foi condenado a 16 anos de trabalhos forçados por, além do mais, ter condenado o assassinato de 243 padres e se recusar a dar vida à igreja nacional croata.

Em 1959, enviou uma carta ao governo, denunciando os maus tratos a que estava submetido: “Eu, graças a Deus, seguirei adiante até final, sem odiar a ninguém, mas sem temor a ninguém”. Faleceu em 1960, com apenas 61 anos, e as suas vísceras foram destruídas para que não houvesse provas de envenenamento. Em 1996, seus restos mortais foram exumados e encontraram-se vestígios de veneno em seus ossos. Por isso, foi declarado mártir cristão em 1997.

 Quando faleceu, João XXIII falou da “sua grande tribulação de quinze anos de desterro na sua pátria e a dignidade serena e confiada de seu contínuo sofrimento lhe há granjeado a admiração e veneração universal”.

Em 1992, o Parlamento Croata declarou: “foi condenado, apesar de inocente, porque havia- se recusado a realizar o cisma eclesial que lhe haviam ordenado os governantes comunistas e porque atuou contra a violência e os crimes dos governantes comunistas, como havia feito durante a II Guerra Mundial para proteger os perseguidos”.

Na cerimónia da beatificação (1998), João Paulo II, disse: “A sua morte foi causada pelos longos sofrimentos a que o submeteram; os últimos 15 anos da sua vida foram um contínuo suceder-se de vexações, no meio das quais expôs com coragem a própria vida, para testemunhar o Evangelho e a unidade da Igreja”.



Em 2011, Bento XVI rezou junto do seu túmulo:” Por sua firme consciência cristã, soube resistir a todo o totalitarismo, fazendo-se defensor dos judeus, ortodoxos e todos os perseguidos no tempo da ditadura nazista e fascista, e depois, no período do comunismo”

 

 

Natal na antiga Jugoslávia




O meu primeiro contacto deu-se em Zagreb, capital da Croácia. E foi de surpresa e espanto. Nunca pensei que se pudesse viver tão intensamente o tempo natalício numa cidade que, durante 45 anos (de 1945 a 1990), esteve sob o regime antirreligioso do Marechal Tito. Na sua praça principal, “Bana Jelacica”, as crianças faziam fila para tirarem uma fotografia com S. Nicolau no dia da sua festa litúrgica.
 
 
 
Ao lado, erguia-se um enorme pavilhão com a inscrição “Advent  u  Zagrebu” encimada por pinturas alusivas à Igreja e ao Natal (nada de pai natal nem renas, nem trenós…). Um dístico mais pequeno dizia : Zagrebacka adventsu.
 
 
 
Não soube fazer a tradução mas vi que esse pavilhão era o centro para onde convergia toda a gente. Nos gestos e nas palavras de quem o enchia, adivinhava-se a partilha de amizade num ambiente festivo. Bem próximo, levantava-se um palco por onde, durante toda a tarde, passaram grupos musicais e folclóricos, ora de crianças, ora de adultos, que com o brilho dos trajes e a magia dos cantares natalícios, animavam a multidão que, de pé, os ouvia com entusiasmo. As ruas que convergiam nesta praça central estavam ocupadas por “mercadinhos de natal” com artesanato local, esplanadas e barraquinhas onde se petiscavam salsichas ou “sonhos” e se bebia um copo de vinho aquecido. Como eram variados os arranjos florais e bonitas as “coroas de natal”!...
 
E tudo, mesmo tudo, era pretexto para uma animada conversa com amigos. Sabendo eu que o ordenado mínimo na Croácia é de 300 euros, que o médio ronda os 800 euros, que os vencimentos, na sua grande maioria, se aproximam do mínimo e, ainda, que o custo de vida está ao nível do nosso até porque o Iva é de 25%, salvo muito raras exceções, interroguei-me como poderia respirar-se aquele ar tão descontraído e feliz. Fiquei com a ideia de que toda a gente vinha para a rua para conviver. Mesmo nas esplanadas, fazia-se pouca despesa. Na grande maioria, apenas, um copo de vinho quente que os acompanhava durante a noite. Não vi ninguém carregado de compras nem gente a fervilhar em centros comerciais que não os há. Apenas, rua e convívio. Não apenas jovens. Mas de todas as idades: crianças, jovens, idosos, famílias inteiras.
 

Esta mesma vivência comunitária experimentei em Liubliana, capital da Eslovénia: idêntico ambiente festivo na praça France Preseren,
 
nas margens do rio Lublianica e ruas adjacentes; os mesmos “mercadinhos de natal”, a mesma partilha de convivência e a mesma tradição das barraquinhas de petiscos e do vinho quente… E flores, muitas flores. Que belas “coroas” com sementes, flores ou apenas com ramos verdes!...

No domingo, em Zagreb, eram muitas as pessoas que, antes ou depois de passar pelo mercado ao ar livre de produtos frescos onde os frutos e as flores encantavam, se dirigiam para as igrejas.
 
E vi quer a catedral, cujas torres góticas são o ex-libris de Zagreb, quer a igreja dos Franciscanos, do século XVII, repletas por uma assembleia de todas as idades.
 
 E celebrações com cânticos litúrgicos muito participados. Na catedral, o acompanhamento era feito pelo órgão monumental. Nos franciscanos, foi violino e cravo. Um encantamento…

Ao entrar na igreja de Santa Maria no bairro Dolac, ouvi vozes infantis. Ao aproximar-me do altar-mor, vi muitas criancitas, acompanhadas pelos pais, a rodear um sacerdote que lhes entregava uma prenda acompanhada por um sorriso e uma carícia. No seu rosto espelhava-se enorme contentamento. Era o “Jesus da igreja” que lhes trazia as prendas de Natal e não um qualquer “pai natal” que a publicidade comercial inventou...

Ao ver o modo comunitário como a população destas cidades celebra a alegria natalícia e ao sentir o júbilo das crianças, lembrei-me dos meus tempos de menino e não pude deixar de comparar com o que, atualmente, acontece na nossa terra. Veio-me à mente o que li no livro a “A Era do Vazio”, publicado em 1983: “ O processo de personalização corresponde à instalação de (…) um novo modo de gerir comportamentos com o mínimo possível de coação e o máximo possível de opções, com o mínimo de austeridade e o máximo de desejo, com o mínimo de constrangimento e o máximo de compreensão”. E esta nova forma de socialização conduz ao egoísmo e ao vazio interior. Quando redigia este texto, veio-me à mão a “Magazine” de 15 de dezembro que me deixou a pensar. A propósito duma entrevista com a psicóloga Diana Cruz, escrevia: “O que pode acontecer a uma criança que recebe sempre tudo o que pede? É meio caminho andado para ser um adulto complicado e infeliz, que não sabe tolerar a frustração, que tem dificuldade em gerir sentimentos e emoções negativas e que nunca conhecerá a satisfação da conquista das coisas pelas quais nos esforçamos e que é muito gratificante. Significa que tudo é permitido, que não existem limites. Se uma criança aprende que pode ter tudo, que a sua vontade não pode ser contrariada e que vale todos os sacrifícios dos pais ou de quem dela cuida, então temos uma criança que recebe mas não vive e não valoriza. E isto vai contribuir para um grande vazio de que resulta uma enorme incapacidade para ser feliz”.

E várias perguntas me assaltam. Será este o paraíso de que tanto nos fala a nossa sociedade de consumo em que estamos mergulhados? A abertura ao Ocidente destas culturas de Leste não irá provocar a perda dos seus valores como, infelizmente, nos aconteceu? Ainda estaremos a tempo de inventar novos caminhos de felicidade? Como cristãos, que exemplo poderemos fornecer à sociedade em que vivemos? E a resposta é simples: basta sermos fiéis ao Evangelho, basta ouvir o que nos diz o Papa Francisco…

 

Sobrado em festa




O JN, do passado dia 20 de agosto, escrevia: “Milhares de pessoas juntaram-se no centro de Sobrado para receber os seus novos heróis”. Aclamavam os vencedores da 75.ª Volta a Portugal, da equipa “OFM – Quinta da Lixa, uma emanação da União Ciclista de Sobrado”. Não conheço outra freguesia que se possa orgulhar de ter três vencedores da Volta a Portugal: Fernando Jorge Moreira em 1948, Joaquim Leão em 1964 e Nuno Ribeiro em 2003. De todos, relevo Fernando Jorge Moreira, do F. C. Porto, o primeiro a trazer para o Norte a vitória numa volta a Portugal. Quando começou a correr, era apenas o “Mana”, duma família assim conhecida e muito estimada. Ainda lembro uma quadra humorística que falava do seu tio que tinha uma loja: “Manuel Joaquim Moreira Mana/Tem bacalhau inglês/ Come o meio e a barbatana/ E vende o rabo ao freguês”. A sua participação na volta a Portugal fez dele um mito. Até apareceram canções em seu louvor. Na primeira, em 1946, ficou conhecido por “papa etapas”. No ano seguinte, ganhou o prémio da montanha e, em 1948, a volta a Portugal. E, se mais não ganhou foi porque, no Benfica, pontificavam José Martins, João Rebelo e Império dos Santos. A volta era uma verdadeira festa nacional! Lembro os mineiros que abandonavam o fundo das minas de ardósia para, na “venda da tia Florinda”, ouvir o rádio da volta. E os lavradores… Uma loucura.

Para quando uma estátua a este filho de Sobrado que levou longe o nome da sua terra? Porque não seguir o exemplo de Lordelo que ergueu um monumento ao seu grande Ribeiro da Silva, vencedor da volta em 1955?

Mas é preciso acautelá-la para não suceder o mesmo que à estátua do P. Agostinho Freitas - o “Senhor Abade de Sobrado”. Quando, há uns anos, a contemplei, fiquei emocionado. Há uns meses, foi a revolta, ao ver que o pesado busto de bronze fora roubado. Nada detém os ladrões. E quando se perde a vergonha, o respeito e o medo é toda a sociedade que se incrimina. O que resta?

 O P. Freitas foi um sacerdote de grande espiritualidade e de profunda cultura apoiada por uma rica biblioteca. A sua pastoral assentava no tripé - púlpito, confessionário e fomento de vocações sacerdotais e religiosas. Entre os muitos presbíteros cuja vocação foi animada pelo seu ministério, conheço os padres Albino Fernandes, pároco de Oliveira de Azeméis; Correia Gonçalves, pároco de Milheirós de Poiares e Macieira de Sarnes; Correia Fernandes, pároco da Senhora do Porto e diretor da Voz Portucalense; e os já falecidos Alves de Pinho, pároco de Sanfins e Fornos da Feira (todos naturais de Chave- Arouca onde foi pároco) e Gaspar, de Sobrado, que foi padre operário.

 Sobrado está de parabéns e Fernando Moreira merece a sua homenagem. O P. Freitas é digno da gratidão da Igreja e de quantos tivemos a dita de o conhecer.

 

Arouca está na berra


E não é apenas por causa do futebol. Embora a subida à Primeira Liga seja um feito nunca alcançado. A transmissão televisiva dos jogos da divisão maior do futebol português irá pôr Arouca no mapa. Mas não é apenas o futebol. No dia 11 de agosto, a vila apareceu nas televisões cheia de cor quando os “heróis da estrada” iniciarem a etapa mítica que culmina no alto da Senhora da Graça. É, também, a primeira vez que a volta a Portugal em bicicleta passa por estas terras. E já vamos na 75ª...

 Muitas outras razões fazem desta vila aninhada no sopé da Senhora da Mó um destino de eleição para quem quiser tonificar os pulmões com ar puro da montanha ou aconchegar-se na frescura dos vales. Também os amantes da arte e da história encontrarão nela um património de grande valia. A começar pelo mosteiro – o ex-libris da vila. As suas origens, sob a invocação de S. Bento, remontam à primeira metade do século X, bem antes da formação de Portugal. No século XIII, recebeu grande incremento com a proteção da Beata D. Mafalda que aí se encontra sepultada. Em 1226, transformou-se num mosteiro cisterciense com a adoção da regra de São Bernardo. Apesar de todas as convulsões por que passou, conseguiu preservar o seu valioso espólio artístico que pode ser visitado no renovado museu do mosteiro, um dos melhores de arte sacra do país. E que dizer do seu magnífico órgão ibérico?

Mas não param por aqui as prendas que Arouca oferece a quem a procura. Também os tetos decorados com cenas bíblicas da Paixão e os azulejos do século XVII da Capela da Misericórdia são dignos de uma visita. O Calvário do século XVII, assente numa imensa massa granítica, classificado como imóvel de interesse público, merece uma paragem que nos faça companheiros de quantos, ao longo dos tempos, por ali passaram e rezaram.

O Memorial de Santo António, românico, do século XII, faz-nos viver a crença popular que lhe chama o “Arco da Rainha Santa” por aí ter parado, diz-se, o jumento que transportava o caixão de Santa Mafalda vindo do mosteiro de Rio Tinto onde terá morrido.

E que dizer do Centro Interpretativo das “Pedras Parideiras” na Serra da Freita? Um filme explica-nos a origem de um fenómeno geológico único no mundo, que podemos visitar, em que pedras “nascem” de pedras. Também a trilobites de Canelas nos fazem recuar a mais de 230 milhões de anos com fósseis de crustáceos marinhos de invulgares dimensões. Percorremos terras do fundo do mar.

E não podemos esquecer os “celestiais” doces conventuais e a magnífica vitela arouquesa. A gastronomia perpetua os “saberes e os sabores” dum povo.

Amigo leitor, se puder, visite Arouca neste verão.

Uma declaração de interesses: não sou nem nunca vivi em Arouca, embora tenha lá bons amigos e companheiros de alongados caminhos.