O Tanoeiro da Ribeira

terça-feira, dezembro 17, 2013

Natal na antiga Jugoslávia




O meu primeiro contacto deu-se em Zagreb, capital da Croácia. E foi de surpresa e espanto. Nunca pensei que se pudesse viver tão intensamente o tempo natalício numa cidade que, durante 45 anos (de 1945 a 1990), esteve sob o regime antirreligioso do Marechal Tito. Na sua praça principal, “Bana Jelacica”, as crianças faziam fila para tirarem uma fotografia com S. Nicolau no dia da sua festa litúrgica.
 
 
 
Ao lado, erguia-se um enorme pavilhão com a inscrição “Advent  u  Zagrebu” encimada por pinturas alusivas à Igreja e ao Natal (nada de pai natal nem renas, nem trenós…). Um dístico mais pequeno dizia : Zagrebacka adventsu.
 
 
 
Não soube fazer a tradução mas vi que esse pavilhão era o centro para onde convergia toda a gente. Nos gestos e nas palavras de quem o enchia, adivinhava-se a partilha de amizade num ambiente festivo. Bem próximo, levantava-se um palco por onde, durante toda a tarde, passaram grupos musicais e folclóricos, ora de crianças, ora de adultos, que com o brilho dos trajes e a magia dos cantares natalícios, animavam a multidão que, de pé, os ouvia com entusiasmo. As ruas que convergiam nesta praça central estavam ocupadas por “mercadinhos de natal” com artesanato local, esplanadas e barraquinhas onde se petiscavam salsichas ou “sonhos” e se bebia um copo de vinho aquecido. Como eram variados os arranjos florais e bonitas as “coroas de natal”!...
 
E tudo, mesmo tudo, era pretexto para uma animada conversa com amigos. Sabendo eu que o ordenado mínimo na Croácia é de 300 euros, que o médio ronda os 800 euros, que os vencimentos, na sua grande maioria, se aproximam do mínimo e, ainda, que o custo de vida está ao nível do nosso até porque o Iva é de 25%, salvo muito raras exceções, interroguei-me como poderia respirar-se aquele ar tão descontraído e feliz. Fiquei com a ideia de que toda a gente vinha para a rua para conviver. Mesmo nas esplanadas, fazia-se pouca despesa. Na grande maioria, apenas, um copo de vinho quente que os acompanhava durante a noite. Não vi ninguém carregado de compras nem gente a fervilhar em centros comerciais que não os há. Apenas, rua e convívio. Não apenas jovens. Mas de todas as idades: crianças, jovens, idosos, famílias inteiras.
 

Esta mesma vivência comunitária experimentei em Liubliana, capital da Eslovénia: idêntico ambiente festivo na praça France Preseren,
 
nas margens do rio Lublianica e ruas adjacentes; os mesmos “mercadinhos de natal”, a mesma partilha de convivência e a mesma tradição das barraquinhas de petiscos e do vinho quente… E flores, muitas flores. Que belas “coroas” com sementes, flores ou apenas com ramos verdes!...

No domingo, em Zagreb, eram muitas as pessoas que, antes ou depois de passar pelo mercado ao ar livre de produtos frescos onde os frutos e as flores encantavam, se dirigiam para as igrejas.
 
E vi quer a catedral, cujas torres góticas são o ex-libris de Zagreb, quer a igreja dos Franciscanos, do século XVII, repletas por uma assembleia de todas as idades.
 
 E celebrações com cânticos litúrgicos muito participados. Na catedral, o acompanhamento era feito pelo órgão monumental. Nos franciscanos, foi violino e cravo. Um encantamento…

Ao entrar na igreja de Santa Maria no bairro Dolac, ouvi vozes infantis. Ao aproximar-me do altar-mor, vi muitas criancitas, acompanhadas pelos pais, a rodear um sacerdote que lhes entregava uma prenda acompanhada por um sorriso e uma carícia. No seu rosto espelhava-se enorme contentamento. Era o “Jesus da igreja” que lhes trazia as prendas de Natal e não um qualquer “pai natal” que a publicidade comercial inventou...

Ao ver o modo comunitário como a população destas cidades celebra a alegria natalícia e ao sentir o júbilo das crianças, lembrei-me dos meus tempos de menino e não pude deixar de comparar com o que, atualmente, acontece na nossa terra. Veio-me à mente o que li no livro a “A Era do Vazio”, publicado em 1983: “ O processo de personalização corresponde à instalação de (…) um novo modo de gerir comportamentos com o mínimo possível de coação e o máximo possível de opções, com o mínimo de austeridade e o máximo de desejo, com o mínimo de constrangimento e o máximo de compreensão”. E esta nova forma de socialização conduz ao egoísmo e ao vazio interior. Quando redigia este texto, veio-me à mão a “Magazine” de 15 de dezembro que me deixou a pensar. A propósito duma entrevista com a psicóloga Diana Cruz, escrevia: “O que pode acontecer a uma criança que recebe sempre tudo o que pede? É meio caminho andado para ser um adulto complicado e infeliz, que não sabe tolerar a frustração, que tem dificuldade em gerir sentimentos e emoções negativas e que nunca conhecerá a satisfação da conquista das coisas pelas quais nos esforçamos e que é muito gratificante. Significa que tudo é permitido, que não existem limites. Se uma criança aprende que pode ter tudo, que a sua vontade não pode ser contrariada e que vale todos os sacrifícios dos pais ou de quem dela cuida, então temos uma criança que recebe mas não vive e não valoriza. E isto vai contribuir para um grande vazio de que resulta uma enorme incapacidade para ser feliz”.

E várias perguntas me assaltam. Será este o paraíso de que tanto nos fala a nossa sociedade de consumo em que estamos mergulhados? A abertura ao Ocidente destas culturas de Leste não irá provocar a perda dos seus valores como, infelizmente, nos aconteceu? Ainda estaremos a tempo de inventar novos caminhos de felicidade? Como cristãos, que exemplo poderemos fornecer à sociedade em que vivemos? E a resposta é simples: basta sermos fiéis ao Evangelho, basta ouvir o que nos diz o Papa Francisco…