A afirmação da vida
Quando
recebi o convite para refletir sobre este tema, acabava de viver, na Polónia,
dois momentos de emoção forte e contrastante.
O primeiro ocorreu no “campo de
concentração de Auschwitz ” em que foram exterminadas um milhão e trezentas mil
pessoas. Num silêncio de horror, interroguei-me: como é possível ao coração
humano comportar ódio tão hediondo?
O segundo aconteceu em Wadowice onde nasceu
e brincou um menino chamado Karol Jósef que, hoje, conhecemos por Papa João Paulo
II. Aí, o silêncio foi de louvor. E ao ver, entre as muitas placas que
atapetavam a praça, uma que dizia “Portugália 1982,1983, 1991, 2000”, exclamei:
que maravilha! Nesta terra, perdida no sopé dos Sudetos, nasceu um coração
capaz de amar e ser amado em todo o mundo!
Se,
segundo a “teoria dos opostos” de Heráclito, é a doença que faz sentir o gosto
da saúde, este contraste fez-me pensar sobre o enigma que inquieta o pensamento
de todos os tempos e lugares, pelo menos, desde o “Homem de Neandertal”: que
animal é este que pode ser um monstro ou um anjo?
No
dia 9 de maio, o P. Tolentino de Mendonça ao falar sobre “A sede de Deus”,
afirmou que só o amor poderá dar sentido e congregar as diferentes sedes que se
escondem no coração dos homens do nosso tempo.
Os dois primeiros capítulos da Bíblia dizem
que Deus (que é Amor), criou o homem à sua imagem. Mas como conhecia bem a sua
obra, “disse: Não é bom que o homem esteja só” e, por isso, deu-lhe a mulher
por companheira. E aos “dois numa só carne”, ordenou: “frutificai e
multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a”. Vemos, assim, que Deus não criou
o homem como ser solitário, mas deu-lhe, desde o início, a necessidade do
outro, e é, em solidariedade, que o homem deve fazer frutificar a terra.
É
interessante verificar que esta dicotomia solidário-solitário aparece em vários
mitos cosmogónicos que enriquecem a cultura de muitos povos. Realço, apenas, o
das Ilhas Andamão no Oceano Índico:“ O primeiro homem chamava-se Jutpu (“Solitário”). Jutpu sentia-se
triste, cansado de viver só. Roubou um pedaço de barro de um formigueiro e
moldou-o com forma de uma mulher. O barro tomou vida e a mulher tornou-se sua
esposa. Chamava-se Kot (“Barro”)”.
Sem
esquecer “o imperativo moral” de Kant “age sempre de maneira a tratar a
humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e
simultaneamente como fim e nunca como meio”, gostaria de citar o filósofo
francês Roberto Maggiori: “O homem não é homem sem os outros. Tal como a
criança, o adulto está ligado ao outro, ligado numa teia de relações que o
situam e definem, imerso num complexo social que lhe fornece uma linguagem,
impõe ou propõe códigos, direitos, deveres, valores”.
Afirmar a vida será, então, respeitar, em si e
nos outros, a pessoa como valor absoluto, na sua singularidade e originalidade,
dotada de autonomia, que se abre ao outro e dele se aproxima como o “bom
samaritano” da parábola evangélica. Foi com este espírito e para que as
populações mais marginalizadas da cidade tivessem “vida em abundância” (Jo
10,10) que D. Florentino criou, em 1964, a “obra dos Bairros”. Este é o lema que
anima quem serve a Obra Diocesana.
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