O Tanoeiro da Ribeira

sexta-feira, novembro 29, 2013

A afirmação da vida


 

Quando recebi o convite para refletir sobre este tema, acabava de viver, na Polónia, dois momentos de emoção forte e contrastante.
 
 
 
 
O primeiro ocorreu no “campo de concentração de Auschwitz ” em que foram exterminadas um milhão e trezentas mil pessoas. Num silêncio de horror, interroguei-me: como é possível ao coração humano comportar ódio tão hediondo?
 
 
O segundo aconteceu em Wadowice onde nasceu e brincou um menino chamado Karol Jósef que, hoje, conhecemos por Papa João Paulo II. Aí, o silêncio foi de louvor. E ao ver, entre as muitas placas que atapetavam a praça, uma que dizia “Portugália 1982,1983, 1991, 2000”, exclamei: que maravilha! Nesta terra, perdida no sopé dos Sudetos, nasceu um coração capaz de amar e ser amado em todo o mundo!

Se, segundo a “teoria dos opostos” de Heráclito, é a doença que faz sentir o gosto da saúde, este contraste fez-me pensar sobre o enigma que inquieta o pensamento de todos os tempos e lugares, pelo menos, desde o “Homem de Neandertal”: que animal é este que pode ser um monstro ou um anjo?

No dia 9 de maio, o P. Tolentino de Mendonça ao falar sobre “A sede de Deus”, afirmou que só o amor poderá dar sentido e congregar as diferentes sedes que se escondem no coração dos homens do nosso tempo.

 Os dois primeiros capítulos da Bíblia dizem que Deus (que é Amor), criou o homem à sua imagem. Mas como conhecia bem a sua obra, “disse: Não é bom que o homem esteja só” e, por isso, deu-lhe a mulher por companheira. E aos “dois numa só carne”, ordenou: “frutificai e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a”. Vemos, assim, que Deus não criou o homem como ser solitário, mas deu-lhe, desde o início, a necessidade do outro, e é, em solidariedade, que o homem deve fazer frutificar a terra.

É interessante verificar que esta dicotomia solidário-solitário aparece em vários mitos cosmogónicos que enriquecem a cultura de muitos povos. Realço, apenas, o das Ilhas Andamão no Oceano Índico:“ O primeiro homem chamava-se Jutpu (“Solitário”). Jutpu sentia-se triste, cansado de viver só. Roubou um pedaço de barro de um formigueiro e moldou-o com forma de uma mulher. O barro tomou vida e a mulher tornou-se sua esposa. Chamava-se Kot (“Barro”)”.

Também a filosofia dá relevo a esta fome que o “eu” sente pelo “tu”.

Sem esquecer “o imperativo moral” de Kant “age sempre de maneira a tratar a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca como meio”, gostaria de citar o filósofo francês Roberto Maggiori: “O homem não é homem sem os outros. Tal como a criança, o adulto está ligado ao outro, ligado numa teia de relações que o situam e definem, imerso num complexo social que lhe fornece uma linguagem, impõe ou propõe códigos, direitos, deveres, valores”.


 Afirmar a vida será, então, respeitar, em si e nos outros, a pessoa como valor absoluto, na sua singularidade e originalidade, dotada de autonomia, que se abre ao outro e dele se aproxima como o “bom samaritano” da parábola evangélica. Foi com este espírito e para que as populações mais marginalizadas da cidade tivessem “vida em abundância” (Jo 10,10) que D. Florentino criou, em 1964, a “obra dos Bairros”. Este é o lema que anima quem serve a Obra Diocesana.