A vida é como uma árvore
Na
celebração das “bodas sacerdotais” de presbítero amigo, sua irmã mais nova fez uma
citação de Ortega Y Gasset que, com vénia, transcrevo: “Sou um homem que ama
verdadeiramente o passado. Os tradicionalistas, ao contrário, não o amam;
querem que não seja passado, mas presente. Amar o passado é congratular-se com
que efetivamente tenha passado”.
O
tradicionalista vive a repetir “no meu tempo é que era bom”. O seu presente é
um “ontem” que se quer perpetuar. A nossa vida decorre entre duas coordenadas:
tempo e espaço. O espaço é reversível.
Podemos voltar atrás e refazer um caminho. O tempo não. Tem apenas uma direção
que vem do passado e vai para o futuro. O que se fez feito está.
Ortega
e Gasset “ama verdadeiramente o passado” porque as coisas, libertas das
pressões do presente, ascendem “à vida mais pura e essencial que têm na
reminiscência” Lembra o passado como passado e não anseia que ele se faça
presente.
Como
diz o mesmo filósofo, “eu sou eu e a minha circunstância”. Então, eu não posso
querer ser o mesmo se a minha circunstância se alterou. O modelo que persigo
obriga-me a buscar novas aproximações. Se o passado se concretizasse no
presente já não seria o passado que vivi. Seria outra coisa. É ver a desilusão
que foi, para quem viu a primeira, a nova versão da telenovela “Gabriela”. Como
dizia Heráclito, “ a mesma água não passa duas vezes debaixo da mesma ponte”.
A
vida humana é como uma árvore. Quando é que a árvore é mais árvore? Despida no inverno,
em flor na primavera, com frutos no verão? Não. Ela é o “todo” que se realiza
em cada uma das determinações que vai assumindo ao longo do ano. Assim a nossa
vida. Em cada “hoje” eu realizo a síntese do “ontem” que fui e do “amanhã” que
serei. Cada dia que nasce é um dom de Deus – um Seu presente - onde o passado
frutifica e germina o futuro. François Jacob, prémio Nobel da Medicina em 1965,
diz que, ao longo da vida, vamos moldando uma estátua interior que dá unidade e
sentido às nossas ações. Se é verdade que não há vida humana sem passado,
também não há vida plenamente humana sem futuro. Armando Matteo no seu livro “A
primeira geração incrédula” ao falar dos jovens atuais diz que eles “parece
ter-se detido no limiar de um presente
suspenso. E acrescenta que “É a ausência de futuro que (…) entrega os
jovens aos braços niilistas do presente”. Com um passado que não cultivam e um
futuro que não os motiva, muitos jovens, com honrosas exceções, vivem na
fugacidade do presente sem bússola e sem norte.
Quando,
nesta coluna, evoco nomes do passado não o faço por revivalismo. Diz
Saint-Exupéry: “Aqueles que passam por nós não vão sós, não nos deixam sós.
Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós”. É, sim por gratidão a esse “um
pouco de si” que nos legaram.
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