O Tanoeiro da Ribeira

terça-feira, novembro 26, 2013

Um mergulho na história


 


Foi o que me aconteceu quando, tempos atrás, visitei o mosteiro de Grijó.

O Dr. Babosa da Costa, que teve a amabilidade de nos guiar nessas visitas, afirmou que “não pode estudar verdadeiramente a história de Portugal quem desconhecer a história de Grijó”. Deixo aqui alguns retalhos dessa memória.

Em 922, nasceu em terras de Nuno Gonçalves, - guerreiro que auxiliou Afonso III de Leão, na reconquista de Lamego e Viseu, - um pequeno cenóbio que se “integrava na tradição dos pequenos mosteiros familiares do monaquismo ibérico anterior à reforma cluniacense”. Esta modesta existência só foi quebrada nos finais do século XI, quando Soeiro Fromarigues - descendente de Nuno o Velho, morto em Santarém na luta contra os mouros - chamou a si a sua restauração. Em 1132, aderiu à regra dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho. D. Teresa deu-lhe carta de Couto e D. Afonso Henriques aumentou-lhe as terras que se estendiam pelo ”Entre Douro e Vouga”. Com o apoio destes e de D. João Peculiar (quem o conhece?), ascendeu à categoria de priorado. A Santa Sé concedeu-lhe proteção apostólica e o prior passou a usar as insígnias episcopais: anel e cruz peitoral, o báculo e a mitra. Esta excessiva e não muito evangélica prosperidade levou a abusos por parte dos descendentes dos seus antigos padroeiros que “espoliavam o mosteiro com exigências de comedorias para eles e famílias, criados, escravos e cães”. Face a estas queixas, D. Pedro reduziu e D. João II extinguiu esses direitos de padroado.

Em 1536, D. João III deixou o padroado do mosteiro para ele se unir à congregação de Sta. Cruz de Coimbra.

No século XVI, os cónegos, alegando que o local era doentio (ou para viver mais próximos do Porto?), transferiram-se para a quinta de Quebrantões, onde fundaram o conhecido Mosteiro da Serra do Pilar. Pouco depois, alguns voltaram para Grijó, tendo o Papa Pio V, em 1560, separado os dois mosteiros. Os cónegos regressados a Grijó encontraram os edifícios muito arruinados e, no desejo de melhorar as suas acomodações, decidiram, em 1564, reconstruir totalmente o mosteiro. É esse, com pequenas alterações, que agora nos acolhe.

Em 1770, por influência do Marquês de Pombal, o Papa Clemente IV determinou a sua extinção e grande parte dos bens passaram para o convento de Mafra. No reinado de D. Maria I, os cónegos regressaram a Grijó. Mas, “em 1834, com a extinção das ordens religiosas, a quinta do mosteiro foi vendida em hasta pública”. A sua cerca ainda hoje testemunha a velha grandeza na imponência dos muros e no porte de suas árvores.

O que resta do Mosteiro que mereça a nossa visita? O que terá levado os gaienses a classificá-lo como uma das “sete maravilhas de Gaia”?




Vamos, agora visitar o mosteiro cuja história já conhecemos. Antes, porém, paremos no “Cruzeiro velho”, o local onde, em 1245, na “lide de Gaia”, morreu D. Rodrigo Sanches cujo túmulo, só por si, justifica uma visita a este mosteiro. No exterior, comecemos por admirar a beleza campesina de Nossa Senhora, da escultora Irene Vilar. Depois, deixemos os olhos subir pela fachada da igreja que se eleva para as alturas em três corpos horizontais. Sobre a galilé, rasga-se um grande janelão central ladeado por dois nichos com S. Pedro e S. Paulo, sobrepostos por janelas. De dentro da igreja, contemple os modernos vitrais, de Júlio Resende, que, tão harmoniosamente, embelezam essas aberturas.

Transposta a galilé, ficamos surpreendidos com amplidão do interior da igreja, de matriz maneirista com aflorações barrocas. O olhar alonga-se pela capela-mor “com revestimento de azulejos em tapete de bela policromia” e deixa-se fascinar pelo fulgor da talha dourada que enriquece o altar-mor e os dois altares do transepto. No retábulo do primeiro, do século XVIII, destacam-se colunas torsas e figuras de anjos entre folhagem, típicas do barroco joanino. Os dois restantes, dos finais do século XVII, com capitéis coríntios, denotam influência renascentista. A riqueza iconográfica torna impossível a sua descrição. Terei, porém, de mencionar, na capela-mor, as imagens de S. Teotónio, cofundador e primeiro prior do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, e de Santo Agostinho; no transepto, as imagens que dão nome aos altares: Nossa Senhora das Dores e Senhor da Agonia.

O património artístico prolonga-se pelas capelas que ladeiam a nave central. Do lado direito da entrada: capela de S. Sebastião cujo retábulo de madeira imita pedra jaspe; Senhor dos Passos, do século XVIII, de talha dourada e azulejo polícromo; Sª. do Rosário, em talha dourada e revestido de azulejos em azul e branco. A partir do transepto: capela de Santo António com o hábito de “cónego regrante” a lembrar que, com apenas 20 anos, antes de ser franciscano, entrara para o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra; de Santa Luzia que possui, também, as imagens dos cinco Mártires de Marrocos e de S. Francisco de Assis; de S. Caetano com uma imagem do século XVII.

E ainda, a sacristia com paredes “revestidas a azulejo em tapete polícromo”; o claustro de duas galerias sobrepostas com colunas jónicas e coríntias, painéis de azulejo representando os evangelistas e doutores da Igreja, e uma fonte do século XVII. Finalmente, o túmulo de D. Rodrigo Sanches, recentemente transferido, uma joia e talvez, “o mais antigo exemplar dos monumentos funerários portugueses a possuir estátua jazente”.

Conheçamos e valorizemos o que é nosso.