Um mergulho na história
Foi
o que me aconteceu quando, tempos atrás, visitei o mosteiro de Grijó.
O
Dr. Babosa da Costa, que teve a amabilidade de nos guiar nessas visitas, afirmou
que “não pode estudar verdadeiramente a história de Portugal quem desconhecer a
história de Grijó”. Deixo aqui alguns retalhos dessa memória.
Em
922, nasceu em terras de Nuno Gonçalves, - guerreiro que auxiliou Afonso III de
Leão, na reconquista de Lamego e Viseu, - um pequeno cenóbio que se “integrava na
tradição dos pequenos mosteiros familiares do monaquismo ibérico anterior à
reforma cluniacense”. Esta modesta existência só foi quebrada nos finais do
século XI, quando Soeiro Fromarigues - descendente de Nuno o Velho, morto em
Santarém na luta contra os mouros - chamou a si a sua restauração. Em 1132,
aderiu à regra dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho. D. Teresa deu-lhe
carta de Couto e D. Afonso Henriques aumentou-lhe as terras que se estendiam
pelo ”Entre Douro e Vouga”. Com o apoio destes e de D. João Peculiar (quem o
conhece?), ascendeu à categoria de priorado. A Santa Sé concedeu-lhe proteção
apostólica e o prior passou a usar as insígnias episcopais: anel e cruz
peitoral, o báculo e a mitra. Esta excessiva e não muito evangélica prosperidade
levou a abusos por parte dos descendentes dos seus antigos padroeiros que
“espoliavam o mosteiro com exigências de comedorias para eles e famílias,
criados, escravos e cães”. Face a estas queixas, D. Pedro reduziu e D. João II extinguiu
esses direitos de padroado.
Em
1536, D. João III deixou o padroado do mosteiro para ele se unir à congregação
de Sta. Cruz de Coimbra.
No
século XVI, os cónegos, alegando que o local era doentio (ou para viver mais
próximos do Porto?), transferiram-se para a quinta de Quebrantões, onde
fundaram o conhecido Mosteiro da Serra do Pilar. Pouco depois, alguns voltaram
para Grijó, tendo o Papa Pio V, em 1560, separado os dois mosteiros. Os cónegos
regressados a Grijó encontraram os edifícios muito arruinados e, no desejo de
melhorar as suas acomodações, decidiram, em 1564, reconstruir totalmente o
mosteiro. É esse, com pequenas alterações, que agora nos acolhe.
Em
1770, por influência do Marquês de Pombal, o Papa Clemente IV determinou a sua
extinção e grande parte dos bens passaram para o convento de Mafra. No reinado
de D. Maria I, os cónegos regressaram a Grijó. Mas, “em 1834, com a extinção
das ordens religiosas, a quinta do mosteiro foi vendida em hasta pública”. A sua
cerca ainda hoje testemunha a velha grandeza na imponência dos muros e no porte
de suas árvores.
O
que resta do Mosteiro que mereça a nossa visita? O que terá levado os gaienses
a classificá-lo como uma das “sete maravilhas de Gaia”?
Vamos, agora visitar o mosteiro cuja história já
conhecemos. Antes, porém, paremos no “Cruzeiro velho”, o local onde, em 1245, na
“lide de Gaia”, morreu D. Rodrigo Sanches cujo túmulo, só por si, justifica uma
visita a este mosteiro. No exterior, comecemos por admirar a beleza campesina de
Nossa Senhora, da escultora Irene Vilar. Depois, deixemos os olhos subir pela
fachada da igreja que se eleva para as alturas em três corpos horizontais. Sobre
a galilé, rasga-se um grande janelão central ladeado por dois nichos com S. Pedro
e S. Paulo, sobrepostos por janelas. De dentro da igreja, contemple os modernos
vitrais, de Júlio Resende, que, tão harmoniosamente, embelezam essas aberturas.
Transposta a galilé, ficamos surpreendidos com
amplidão do interior da igreja, de matriz maneirista com aflorações barrocas. O
olhar alonga-se pela capela-mor “com revestimento de azulejos em tapete de bela
policromia” e deixa-se fascinar pelo fulgor da talha dourada que enriquece o
altar-mor e os dois altares do transepto. No retábulo do primeiro, do século
XVIII, destacam-se colunas torsas e figuras de anjos entre folhagem, típicas do
barroco joanino. Os dois restantes, dos finais do século XVII, com capitéis
coríntios, denotam influência renascentista. A riqueza iconográfica torna impossível
a sua descrição. Terei, porém, de mencionar, na capela-mor, as imagens de S.
Teotónio, cofundador e primeiro prior do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, e
de Santo Agostinho; no transepto, as imagens que dão nome aos altares: Nossa
Senhora das Dores e Senhor da Agonia.
O património artístico prolonga-se pelas capelas que
ladeiam a nave central. Do lado direito da entrada: capela de S. Sebastião cujo
retábulo de madeira imita pedra jaspe; Senhor dos Passos, do século XVIII, de
talha dourada e azulejo polícromo; Sª. do Rosário, em talha dourada e revestido
de azulejos em azul e branco. A partir do transepto: capela de Santo António com
o hábito de “cónego regrante” a lembrar que, com apenas 20 anos, antes de ser
franciscano, entrara para o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra; de Santa Luzia
que possui, também, as imagens dos cinco Mártires de Marrocos e de S. Francisco
de Assis; de S. Caetano com uma imagem do século XVII.
E ainda, a sacristia com paredes “revestidas a
azulejo em tapete polícromo”; o claustro de duas galerias sobrepostas com
colunas jónicas e coríntias, painéis de azulejo representando os evangelistas e
doutores da Igreja, e uma fonte do século XVII. Finalmente, o túmulo de D.
Rodrigo Sanches, recentemente transferido, uma joia e talvez, “o mais antigo
exemplar dos monumentos funerários portugueses a possuir estátua jazente”.
Conheçamos e valorizemos o que é nosso.
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