Faz o bem e não olhes a quem
Para fazer memória enquanto o “Primeiro de Dezembro” ainda teve honras de feriado.
Já lá vão uns anos, fui conhecer o Paço de Lanheses no vale do Lima. Recebeu-me o seu proprietário que se apresentou simplesmente como Luís. Agradeci e informei-o que buscava resposta para três perguntas: por que razão aquele solar tinha o título de paço? Como se explicava a presença dos Almadas em terras do Minho? Se a história do Zé do Telhado era verdadeira?
Simpaticamente, começou por contar que, numa 6ª feira, o Zé do Telhado veio pedir à senhora condessa o seu diadema de brilhantes para sua filha levar no casamento e que o devolveria na 2ª feira seguinte. Os dias foram passando e quando a condessa já dava como perdida essa joia de família, o temido salteador veio entregá-la com um enigmático pedido de desculpa pela demora. Só depois é que a condessa reparou que ele tinha mandado colocar um brilhante que, há muito, faltava no diadema. Zé do Telhado também sabia agradecer…
Esclareceu, ainda, que o título de paço foi atribuído ao solar por ter acolhido D. António, Prior do Crato, a caminho do exílio, depois de derrotado por Filipe de Espanha. Pode conhecer-se o percurso de D. António, seguindo os solares onde dormiu: Paço de Anha - Paço de Lanheses - Paço Vitorino - Paço Vedro. Disse também que os Almadas advêm de um lorde inglês que recebeu a Vila de Almada por ter ajudado Afonso Henriques a conquistar Lisboa aos Mouros e sua casa-mãe era em Lisboa. Foi por casamento que vieram para o Minho e o paço de Lanheses passou a ser dos Almadas.
No ano seguinte, tive como aluna, no Porto, a sua filha R.. Quando soube desta inesperada coincidência, o pai veio falar comigo e, ao cumprimentar-me, disse com um sorriso: “Bem me ensinou minha mãe: faz o bem e não olhes a quem. Quando o recebi, quem poderia imaginar que iria ser professor da minha filha?”
Achei interessante fazer esta evocação porque fala duplamente da causa da independência que o “ Primeiro de Dezembro” celebra. O solar acolheu D. António, Prior do Crato que foi aclamado rei pelo povo de Santarém em 1580 e, até 1583, reconhecido como tal nos Açores que se orgulham de ter vencido a armada espanhola, na célebre “Batalha da Salga”. Há historiadores que o consideram o último rei da dinastia de Avis e lamentam que a História oficial o silencie. Mais, foi na casa de D. Antão de Almada em Lisboa, hoje Palácio da Independência, que se planeou a revolução que restaurou a independência perdida, com o derrube da dinastia filipina e a aclamação de D. João IV como rei de Portugal, no dia 1 de dezembro de 1640.
Na memória se radica e dela se alimenta a identidade das pessoas e dos povos. Mal vai um Estado, se não engrandece a sua História.
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