“Maria fazia meia”
Foi bom assistir, na véspera de Reis, ao XI Encontro de Cantares “Do Natal aos Reis”, organizado pelo Rancho Folclórico de Paranhos. O tom foi dado, logo no início, com a oferta da imagem do Menino Jesus às entidades presentes. Estava apresentado o “rei da festa”. O pai-natal é um desvio publicitário. Deixemo-nos de farsas…
O rancho organizador fez-nos reviver a ruralidade do Porto de antigamente. O cântico “Lachinga, laminga”(?) associa o mistério da Encarnação ao Eucarístico: “Eu sei que estais na Hóstia como no Céu verdadeiro”.
O Grupo de Cantares de Azurara da Beira, com genuínos trajes beirões, fez-me evocar os autos pastoris de Gil Vicente que terá nascido perto de Mangualde, em Guimarães de Tavares. A frescura das vozes, moldadas pela suavidade dos instrumentos, trouxe-nos a beleza da beira-serra e as tradições das suas gentes que o grupo recolhera em cuidado trabalho de pesquisa. Pela delicadeza da música e pelas reminiscências da minha infância, encantou-me o “Maria fazia meia/ Com linha feita de luz./O novelo é lua cheia,/Quem teceu a teia/Foi o bom Jesus”. Os “Reis de Gandufe” são uma verdadeira catequese natalícia: ”Quem são os três q’além vêm/Além ao longo do mar./São os Reis do Oriente/Q’a Jesus vem adorar./Os três Reis do Oriente/Sonharam sonho profundo./Sonharam q’era nascido/O Supremo Rei do Mundo./Foram a casa d’Herodes/Perguntaram de repente./Se Jesus era nascido/Nós somos do Oriente./Herodes lhes respondeu/Q’a verdade não sabia./Esperai mais um momento/Q’eu vou ler a profecia./A profecia dizia/Tinha nascido em Belém./Visitai o Deus Menino/Q’a Virgem Senhora tem”.
O Grupo Folclórico da Escola Infante D. Henrique, com antigos e atuais professores, funcionários, alunos e pais, mostrou como, à volta da cultura, se pode criar uma verdadeira comunidade educativa.
O Grupo Etnográfico de Lorvão apresentou os cantares que, ao longo dos séculos, se cantaram e cantam no seu mosteiro, fundado antes da invasão árabe e que os muçulmanos sempre respeitaram como diz o texto.”Um rei mouro, Alibracem, por uma decisão de 734, concedeu aos monges de Lorvão a isenção dos tributos que pesavam sobre os outros, permitia-lhes a ida à vontade a Coimbra, e dava licença para comprar e vender sem pagar impostos”. Os cânticos, de cariz piedoso e litúrgico, alguns “à capela”, a lembrar “cantaréus” e “cramóis” da beira-douro, revelam influência do canto gregoriana: “Ó Infante suavíssimo,/Ó meu amado Jesus/Vinde alumiar a minha alma/Vinde dar ao mundo luz.” e “Do varão nasceu a vara/Da vara nasceu a flor/Da flor nasceu Maria/ De Maria o Redentor”.
No final, o grupo paroquial, com o pároco a tocar cavaquinho, veio mostrar-nos como, ainda hoje, se cantam as janeiras pelas ruas de Paranhos. E foi em festa que tudo terminou. Parabéns.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home