Marcas na paisagem
Há dias, ao ver lojas encerradas num centro comercial, dei comigo a pensar que é possível estudar a história de um povo lendo as grandes pegadas que cada geração vai deixando na paisagem.
Recuei até aos “castros” nos cimos dos montes que os romanos substituíram pela “vilas” nos vales férteis. Seguiram-se os castelos que perderam a utilidade e os habitantes. Alguns mantêm-se como evocações históricas enquanto outros não passam de amontoados de ruínas. A Idade Média povoou-se de catedrais e mosteiros que, com o tempo, se foram esvaziando. Muitos são os que não passam de testemunhos decrépitos de um passado glorioso. E as catedrais que se mantêm raramente se enchem.
No século XVIII, com o ouro do Brasil, multiplicaram-se majestosos santuários barrocos que, hoje, atraem mais turistas que peregrinos. E solares sumptuosos, alguns dos quais se democratizaram como “turismo de habitação”.
A revolução industrial do século XIX criou os “coutos mineiros” e grandes complexos industriais. Com a desindustrialização do século XX, as aldeias mineiras transformaram-se em povoações fantasmas e as fábricas em enormes manchas negras a desfear a paisagem.
Com a terciarização da economia, na 2ª metade do século XX, surgiram as torres para escritórios e habitações. Construíram-se bairros habitacionais na periferia das grandes cidades para onde também se deslocaram muitos serviços públicos. Os centros históricos ficaram sem pessoas e sem vida, originando as chamadas “cidades donuts”.
Já no nosso tempo, a civilização do lazer levantou estádios de futebol, alguns dos quais não passam de monstros vazios e sorvedouros do erário público. Pavilhões e piscinas municipais, várias encerradas por falta de utentes e verbas que as sustente. Multiplicaram-se “centros comerciais” que arruinaram o “comércio de rua” e criaram necessidades despesistas, geradoras de frustrações. Também eles estão em crise. O que lhes irá acontecer?
Com o “dinheiro fácil” dos empréstimos, exacerbou-se o novo-riquismo e a megalomania de famílias e políticos. Época de contradições: a casa cresce quando a família se torna mais pequena; aldeias enchem-se de “parques de merenda” quando falta gente para merendar, de praias fluviais mas rareiam veraneantes; nas vilas, abundam chafarizes mas sem jatos que os embeleze, parques infantis mas escasseiam crianças que os animem, luxuosos “centros educativos” e ficaram silenciosas as “escolas primárias” que alegravam aldeias; o país povoou-se de autoestradas do “lá-vem-um”… Amontoaram-se as dívidas que nos asfixiam.
E nós que marcas deixamos na paisagem? Ruas esventradas, autoestradas interrompidas, viadutos e túneis por acabar, edifícios e bairros com esqueletos de cimento a bradar contra o desvario dos decisores políticos? Desejo bem que não.
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