Na “costa negra”
Noite de tempestade. Um transatlântico com 211 passageiros a bordo. Emigrantes que rumavam à América do Sul. Navegava junto à “costa negra” ou ”costa muda” de Leça, assim chamada por, então, não ter iluminação nem sinalização. Às quatro da madrugada do dia16 de janeiro de 1913, um rochedo rasgou-lhe o ventre. Encalhou perto da capela da Boa Nova, onde veio a afundar-se. Foi há 100 anos.
O JN descreveu então o naufrágio do “Veronese”: “As vagas uivam e rugem furiosamente. O nevoeiro é cerrado, espesso, mal se divisando da praia. Aos gritos dos náufragos juntam-se a ira do mar e as vozes comovidas de milhares de pessoas que de terra assistem àquela agonia lenta”.
Os Bombeiros de Matosinhos-Leça mobilizaram todos os meios possíveis de socorro. Foram três dias de angústia. Umas 15 mil pessoas terão assistido às operações de salvamento. Os bombeiros começaram por usar “boias-calções” que, num cabo de vaivém, trouxeram para terra 89 náufragos. A fixação do cabo só foi possível ao fim da tarde. Mas, como o tripé da praia estava muito baixo, pessoas houve que não conseguiram vencer a fúria do mar. Os relatos são dramáticos. Um fala de “uma mãe que, carregando dois filhos, perde um deles arrebatado pela violência das ondas” . No dia 17, o tripé foi levantado com a ajuda de três pinheiros. No dia 18, o mar acalmou e permitiu que os botes salvassem as 102 pessoas que ainda permaneciam no navio. Ao todo, morreram 38 pessoas, grande parte delas nas primeiras horas do naufrágio quando, aflitas, fugiram para o convés e foram varridas pelas vagas.
A Invicta Film produziu um documentário que percorreu o mundo e, ainda hoje, nos permite visionar esta tragédia.
O capitão foi o último a abandonar o navio e fê-lo numa boia-calção, num gesto de gratidão aos bombeiros que, ainda hoje, se revive nas muitas peças do Veronese que, com fotografias e pinturas, enriquecem o Museu dos Bombeiros Voluntários de Matosinhos-Leça. Este museu, criado em 1943, está recheado com um valioso espólio de mais de 800 peças que ganham alma nas palavras do comandante Carlos Oliveira. Para além do núcleo central com o material dos primórdios da Corporação no século XIX, merece especial atenção o núcleo dos salvados de incêndios e naufrágios com realce para as boias de salvação e rodas de leme dos muitos barcos naufragados. É digno de uma visita. À sua entrada, uma placa diz-nos: Bombeiro, Este Museu representa parte da tua Vida. Testemunho de tantas tragédias, tanto desespero, tanta emoção e quantas lágrimas derramadas na tristeza e na alegria. Tantas vidas salvas e quantas histórias para contar aos teus filhos. E sempre a bem da Humanidade”. Neles, a minha homenagem a todos os bombeiros. E peço uma oração pelos que perderam a sua vida a salvar a vida dos outros.
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