
Pascoela. Em Cabeceiras de Basto, na freguesia da Faia, respeitou-se a tradição. Foi dia de visita pascal. Manhã cedo, já os foguetes e a banda musical da Cumieira semeavam aleluias numa primavera que se vestira com a brancura das cerejeiras em flor.
A festa é um corte na monotonia do presente pela recuperação ritualizada do passado. Daí o seu caráter conservador. Os ritos moldam-se à passagem do tempo, substituem-se os atores mas permanece a sua simbologia mais profunda. Assim é no compasso. A cesta dos ovos deu lugar à saca/pasta dos envelopes, a saudação do pároco “Haec dies, quam fecit Dominus: exsultemus, et laetemur in ea” foi substituída pela oração do(a) leigo(a) que o representa, mas o repicar festivo da campainha, a aspersão com água-benta e o beijar da cruz reatualizam, em cada ano, o anúncio pascal.
A festa é a celebração do “eterno ontem” que suaviza o presente muitas vezes, como hoje, carregado de sofrimento. É sempre sinal de contradição como momento de alegria partilhada que traz consigo a saudade de familiares e amigos e a nostalgia de vivências passadas. Como é triste o poema de Miguel Negreiros, “Natal das sombras”! Há sempre uma penumbra de dor a escurecer as nossas festas. Foi o que me aconteceu este ano, em casa do amigo Guilherme Magalhães, quando recordei a primeira vez que aí beijei a cruz, nos finais da década de setenta. Haviam-me dito que, nesse ano, calhava vir um frade, amigo do pároco P. Zé Maria. E qual não foi o meu espanto quando reconheci nesse monge alguém que há muito admirava. Enquanto os acompanhantes recompunham forças com as iguarias oferecidas, o sacerdote, a quem os anos já iam pesando, pedia um copo de água, sentava-se numa cadeira e ali ficava em tranquila conversa. Foram vários os anos em que senti o conforto da sua presença. Quem poderia imaginar que, naquela figura simples, de fino trato e sorriso acolhedor, se escondia a alta craveira intelectual dum membro da Academia Internacional da Cultura Portuguesa e sócio emérito da Academia Portuguesa de História? Um prestigiado investigador e escritor, insigne conferencista e orador sagrado de grande nomeada? O fundador (1954) da revista litúrgica beneditina “Ora & Labora” que, durante 18 anos (1948-1966), presidira ao mosteiro de Singeverga e, de tal modo o dignificou que, sem desprimor para os seus sucessores, continua a ser, por antonomásia, o ” Dom Abade de Singeverga”? Sim, estou a falar de D. Gabriel de Sousa. Que delícia era ouvi-lo. O humor e a sabedoria das suas palavras, modeladas por uma voz quente e acolhedora, enchiam-nos a alma. Para este monge, sábio e bom, natural de Besteiros, Paredes onde nasceu em1912; para este homem de cultura, falecido em1998, a pequenez da minha homenagem. Honra à sua memória.
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