O Museu do Fresco
Em agosto, a revista “Visão” fez uma grande reportagem sobre o “acervo histórico e monumental português”. E concluía “de norte a sul, há muitas jóias, ocultas ou ainda sem atenção devida, à espera de serem descobertas”.
Destas, quero destacar uma colina que se levanta no meio da planura alentejana, coroada por muralhas medievais que abrigam um magnífico conjunto histórico e artístico. Quando subimos ao castelo de Monsaraz, ficamos deslumbrados pela paisagem, onde o azul do Alqueva contrasta com o verde e o doirado das margens. O horizonte é circular. De noite, a abóbada celeste faz-se próxima e quase nos apetece saltar para tocar as estrelas.
Percorrer, em silêncio quase religioso, as ruas deste “Museu Aberto”, onde abundam casas góticas, é um peregrinar pela memória de um povo que foi “couto de homiziados”. Por entre o casario, sobressaem as igrejas da Senhora da Lagoa, da Misericórdia, de Santiago, os Paços da Audiência, a Casa da Inquisição.
Para celebrar os quinhentos anos do foral, dado por D. Manuel em 1512, foi inaugurado, este ano, o “Museu do Fresco” cujo nome deriva da surpreendente pintura que cobre uma das suas paredes. Exemplar único em Portugal, só por si merece uma subida a Monsaraz.
No século XV, a Sala do Tribunal foi decorada com este fresco que, durante séculos, esteve tapado por um tabique de tijolo. Representa uma clara alegoria à justiça e à corrupção. O quadro está dividido em duas partes. Na parte cimeira, surge a justiça divina com Cristo assente no globo terrestre com a inscrição UROPA e ladeado por dois profetas que exibem o ALFA e o ÓMEGA.
No painel inferior, à direita de Cristo, numa alusão ao “vinde benditos de meu Pai” (Mt 25,34), senta-se o bom juiz que, com “dignidade e expressão solene” segura a vara da justiça. Do lado esquerdo -“retirai-vos de mim, malditos!” - está o mau juiz, com a vara partida. O que mais surpreende nesta figura é a sua dupla face, a fazer lembrar uma vinheta de banda desenhada: enquanto a face da esquerda atende um queixoso, a da direita vira-se para alguém que, a seu lado, lhe oferece uma bolsa de dinheiro. A perversão é simbolizada pela cabeça do demónio que espreita por detrás do ombro direito do juiz. É de admirar esta corajosa forma de representar a corrupção da justiça humana. E pensar eu que este fresco decorava, em tempos ditos obscurantistas, a sala de audiências do tribunal, mesmo em frente da cadeira do juiz… Mas, porque incomodava, foi entaipado, e assim ficou durante séculos… E, hoje, não seria visto como um atentado a um órgão de soberania? Quem teria coragem para o fazer? Como este fresco faria jeito em tantos gabinetes e repartições públicas…
Já diziam os velhos latinos “Nihil novi sub sole” – “nada de novo debaixo do céu” …
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