Um sítio onde pousar a cabeça
No dia 11de fevereiro, surpreendi-me com um programa televisivo com o título que adotei para este texto. Homenageava o escritor António Manuel Pina - “Prémio Camões de 2011”.
Apreciador das suas crónicas, apesar de nem sempre com elas concordar, vi todo o programa, com entrevistas e comentários sobre a sua multifacetada criação literária, da poesia à ficção, passando pela literatura infanto-juvenil, pelo teatro e pela crónica. Quão belo o conto infantil que fala de um menino que trocava o T por C !... Ao vê-lo no meio dos seus gatos e ao ouvir o poema que lhes consagrou, recordei o que me disse uma amiga ”Quem gosta de animais, não pode ser má pessoa”. Um dos jurados do Prémio afirmou que a decisão do júri tinha sido surpreendentemente rápida e “consensual num autor não consensual”.
O título do programa levou-me a reler a sua crónica “O que fica do que se perdeu” publicada no “Notícias Magazine” do dia 5 desse mês, que principia “Quando comecei a perder a fé” e termina” Hoje sem fé alguma, religiosa ou ideológica, porque é que vendo filmes como A Palavra, ou lendo, por exemplo, textos como o Livro de Job, experimento sempre uma confusa sensação de perda, como aqueles amputados que continuam a sentir a perna ou o braço que já não têm? Talvez não seja bem melancolia mas antes, a longínqua persistência de algo, uma, que sei eu?, espécie de resíduo ou de subproduto, em qualquer sítio onde nem a razão nem a vontade (e muito menos o dúbio bisturi de Condillac) podem alcançar”.
Esta inquietude, tão bem expressa num simples “que sei eu?”, dá razão a Eduardo Lourenço que o caraterizou como metafísico da simplicidade. Quem se questiona busca a verdade como andarilho do absoluto. E essa interrogação surge em quem se espanta com a música do mar, a ternura dos animais, o perfume das flores, o sorriso de um bebé, a palavra de um amigo, as maravilhas da ciência e da técnica… as coisas do dia-a-dia.
Nessa mesma revista, Isabel Moreira, a propósito da afirmação “Os ateus também rezam”, respondeu “ Estou sempre em diálogo com Deus, na escrita, por exemplo. Estou sempre a constatar a ausência de Deus, e isso é em si mesmo um diálogo com Deus, quanto mais não seja pela ausência”.
É a consciência desta espécie de fratura ontológica de quem se sabe efémero mas age como se fora eterno, se quer deus mas sofre como criatura, se intui necessário mas reconhece-se prescindível, que nos leva a dizer com Santo Agostinho ”Fizeste-nos, Senhor, para ti, e o nosso coração anda inquieto enquanto não descansar em ti”. A contingência traz em si o apelo ao Absoluto.
“As raposas têm suas tocas e as aves do céu, ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça”.(Lc 9,58)
Todos nós precisamos duma almofada para reclinar a cabeça…
Apreciador das suas crónicas, apesar de nem sempre com elas concordar, vi todo o programa, com entrevistas e comentários sobre a sua multifacetada criação literária, da poesia à ficção, passando pela literatura infanto-juvenil, pelo teatro e pela crónica. Quão belo o conto infantil que fala de um menino que trocava o T por C !... Ao vê-lo no meio dos seus gatos e ao ouvir o poema que lhes consagrou, recordei o que me disse uma amiga ”Quem gosta de animais, não pode ser má pessoa”. Um dos jurados do Prémio afirmou que a decisão do júri tinha sido surpreendentemente rápida e “consensual num autor não consensual”.
O título do programa levou-me a reler a sua crónica “O que fica do que se perdeu” publicada no “Notícias Magazine” do dia 5 desse mês, que principia “Quando comecei a perder a fé” e termina” Hoje sem fé alguma, religiosa ou ideológica, porque é que vendo filmes como A Palavra, ou lendo, por exemplo, textos como o Livro de Job, experimento sempre uma confusa sensação de perda, como aqueles amputados que continuam a sentir a perna ou o braço que já não têm? Talvez não seja bem melancolia mas antes, a longínqua persistência de algo, uma, que sei eu?, espécie de resíduo ou de subproduto, em qualquer sítio onde nem a razão nem a vontade (e muito menos o dúbio bisturi de Condillac) podem alcançar”.
Esta inquietude, tão bem expressa num simples “que sei eu?”, dá razão a Eduardo Lourenço que o caraterizou como metafísico da simplicidade. Quem se questiona busca a verdade como andarilho do absoluto. E essa interrogação surge em quem se espanta com a música do mar, a ternura dos animais, o perfume das flores, o sorriso de um bebé, a palavra de um amigo, as maravilhas da ciência e da técnica… as coisas do dia-a-dia.
Nessa mesma revista, Isabel Moreira, a propósito da afirmação “Os ateus também rezam”, respondeu “ Estou sempre em diálogo com Deus, na escrita, por exemplo. Estou sempre a constatar a ausência de Deus, e isso é em si mesmo um diálogo com Deus, quanto mais não seja pela ausência”.
É a consciência desta espécie de fratura ontológica de quem se sabe efémero mas age como se fora eterno, se quer deus mas sofre como criatura, se intui necessário mas reconhece-se prescindível, que nos leva a dizer com Santo Agostinho ”Fizeste-nos, Senhor, para ti, e o nosso coração anda inquieto enquanto não descansar em ti”. A contingência traz em si o apelo ao Absoluto.
“As raposas têm suas tocas e as aves do céu, ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça”.(Lc 9,58)
Todos nós precisamos duma almofada para reclinar a cabeça…
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