Quatro milhões, quinhentos e quarenta e dois mil euros
Não é mais um empréstimo ou desfalque…
Começo por fazer uma declaração de princípios. Gosto de futebol. Saltei com os golos de Portugal. Isso é uma coisa, mas concordar com o exagero da comunicação social é bem diferente.
No dia 29 de Maio, um jornal trazia duas notícias de sinal contrário: “Crianças portuguesas são pobres entre as ricas. Pior situação apenas existe na Hungria, Letónia, Bulgária e Roménia”. “Seleção estaciona mais de três milhões em Óbidos.” E ocupava duas páginas com fotografias dos carros dos jogadores cujo custo somava a quantia que encima este texto.
Não estou a condenar jogadores que levam longe o nome de Portugal. Em que outros domínios temos dos melhores do mundo? Quem dá mais alegrias aos portugueses?
Eles são um produto desta sociedade que sempre teve um gosto exagerado pela ostentação. Recordo como, já no século XVI, um estrangeiro, Clenardo, satirizava a vida social de Lisboa: “Há cortesãos que trazem uma comitiva de oito criados, os quais sustentam sabe Deus como. (…) Dois caminham adiante; o terceiro leva o chapéu, o quarto o capote… o quinto pega na rédea da cavalgadura; o sexto é para segurar os sapatos de seda; o sétimo traz uma escova para limpar os pêlos do fato, o oitavo um pano para enxugar o suor da besta, enquanto o amo ouve missa ou conversa com algum amigo”. Era o nosso “jet set” daquele tempo….
Lembro o brasileiro “torna-viagem” de “A Morgadinha dos Canaviais: “Eusébio Seabra, o brasileiro, era um homem de cinquenta anos. Saíra criança da aldeia e fora tentar fortuna ao Brasil. (…) Voltou homem grave e rico. Veio edificar uma casa no sítio em que nascera, uma casa grande, de cantaria e azulejo, com três andares e varandas, jardins com estátuas de louça e alegretes pintados de verde e amarelo. (…) As ambições de Eusébio Seabra limitavam-se a vir a ser a primeira personagem de influência na aldeia. Fez à sua custa a festa do orago”.
É pena, mas esta vontade de mostrar opulência continua na nossa mentalidade. Também os jogadores saíram cedo das suas casas onde muitos viviam pobremente. Enriqueceram pelo seu trabalho e talento. E agora dão vazão aos valores, nem sempre cristãos, que lhes transmitimos. Nesta hora de crise, poderiam ser um pouco mais discretos, é certo, mas “quem não tiver pecado, atire a primeira pedra”(Jo.8,7). O que lamento é que os “media”, em vez de realçar o esforço, o espírito de sacrifico, as amarguras, o trabalho de equipa, a obediência ao “mister”, os gestos solidários destes jovens, exponham, até à exaustão, os seus luxos que, sem querer, ofendem quem vive na angústia e na pobreza. E muitos são, infelizmente… Que sociedade é esta? Cristã é que não é, certamente. Que mundo queremos oferecer às nossas crianças?
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home