O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, abril 24, 2013

Exemplos de fidelidade

Quando penso na história da Igreja do Porto, recordo como D. António Ferreira Gomes enaltecia a coragem do seu clero na 1ª República. Falo disto a propósito do livro, recentemente editado, “As Igrejas e Capelas das freguesias de Oliveira de Azeméis esbulhadas dos seus bens pelo Governo da República, em 1911”, de Samuel de Bastos Oliveira, com o subtítulo “Os Párocos que, solidários com o Bispo do Porto destituído, recusaram a pensão do Estado”. Nele se afirma que “só 17 párocos aceitaram receber a pensão do regime republicano”, enquanto 468 a recusaram. Estes padres, ao afrontar o “aliciamento” provocatório do Governo, corriam graves riscos, de prisão inclusive, por suspeita de serem contra a República. Mas, acima de tudo, que jeito lhes daria essa pensão quando se viram privados das fontes tradicionais de subsistência!... Espoliados dos rendimentos e bens da igreja, proibidas as doações e legados, extintas as oblatas e outras prestações com que os paroquianos socorriam o seu pároco, proibidas as procissões, ficaram, ainda, privados dos registos paroquiais e outros direitos, especialmente os relacionados com funerais. Humilhados, passaram por muitas privações e o que lhes valeu foi o carinho dos paroquianos que os acolheram. Foi o que aconteceu ao pároco de Campo, Valongo. Cresci a ouvir falar dele como um santo que muito sofreu com as injúrias e enxovalhos dos carbonários. Carbonário foi palavra que entrou cedo na minha linguagem infantil como sinónimo de “homem mau”. Penso que o fanatismo antirreligioso de alguns mações e o anticlericalismo grosseiro da carbonária denegriram a imagem da República e fizeram com que muita gente festejasse o “28 de Maio” e visse em Salazar um “enviado de Deus”. Compreenderam-no os políticos de Abril ao evitar a “questão religiosa”. Expulso da residência paroquial em 1911, foi acolhido na “Casa da Ponte”, onde minha mãe, com seis anos, acompanhou o seu calvário. Sempre os olhos se humedeciam quando ela falava do seu sofrimento e a sua narrativa assumia tonalidades misteriosas ao contar que, certo dia, os carbonários entraram pela casa dentro e foram ao quarto do Senhor Abade, onde ele estava doente, à procura de armas. E retiraram-se sem o prender porque, depois de vasculhar todo quarto, nada encontraram de comprometedor. E não foram capazes de ver uma espingarda que estava pendurada aos pés da sua cama… Chamava-se P. Manuel Joaquim Tavares e era natural da Junqueira de Vale de Cambra onde tem uma rua com o seu nome. Apenas o conheci por uma fotografia guardada, como se de um “santinho” se tratasse, junto do santuário da família. Passados cem anos, quão exemplar se mantém a memória destes padres que, no meio da tribulação, permaneceram “firmes na fé, solidários e fiéis à Igreja”!