Vivências quaresmais
No Eucaristia do “domingo gordo”, o celebrante, ao lembrar o jejum e abstinência na “quarta-feira de cinzas”, acrescentou: “Esta linguagem pode não dizer muito ao nosso tempo, mas se não somos capazes de observar estes mínimos, como poderemos viver o espírito quaresmal?”
Isto levou-me a consultar o YOUCAT – catecismo jovem da Igreja Católica - para ver o que dizia sobre este tema. Depois de elencar os “cinco preceitos da Igreja”, o 4º dos quais é “Guardar abstinência e jejuar (na Quarta-Feira de Cinzas e na Sexta-Feira Santa”), explica que eles “pretendem recordar, com as suas exigências mínimas, que não se pode ser cristão sem esforço moral, sem concreta participação na vida sacramental da Igreja e sem solidariedade”.
Mais do que esmiuçar casuisticamente formas rituais de observância, este “catecismo em linguagem juvenil”, realça o seu simbolismo centrado na necessidade do “esforço moral” e da “solidariedade”.
Esta explicação fez-me contrapor duas vivências passadas. A primeira aconteceu quando, de passagem por Caminha, aproveitei para visitar uma amiga. Como a noite se aproximava, disse-me que gostaria que jantasse com a família, mas, porque era sexta-feira da quaresma e tinha pouco peixe em casa, o que poderia preparar era uma lagosta que lhe haviam oferecido. Anui e agradeci a generosidade. E assim se cumpriu o rito que diz: “a abstinência consiste em não comer carne nem comida temperada por ela”.
Obedecer à letra poderá ser um mínimo com valor de símbolo de pertença e fator de lembrança das exigências quaresmais, mas não basta… Como diz S. Paulo “a letra mata e o espírito vivifica”(II Cor 3,6)
A segunda deu-se em Lisboa na paróquia de Santa Isabel onde passei uns dias em casa de amigos. Era quaresma. Na sexta-feira, o jantar foi apenas sopa. Explicaram-me que o pároco pedira que, durante a quaresma, comessem apenas sopa no jantar de sexta-feira e o dinheiro que poupassem nessas refeições bem como noutras privações, como cigarros, cafés, bebidas, chocolates, cinemas, seria entregue no ofertório de Domingo de Ramos para a colónia de férias da paróquia. O sacrifício não era valorizado como um fim em si mesmo mas como instrumento ao serviço da Caridade. Que bom seria se este espírito informasse a nossa vivência quaresmal…
Esta é a vontade expressa pelo Bispo de Angra de Heroísmo na mensagem para a Quaresma deste ano. Depois de salientar “que o melhor jejum e penitência que os católicos podem fazer é socorrer quem precisa”, lembra “que cada cristão tem de sentir a obrigação de concretizar o amor ao próximo no ambiente em que vive e trabalha, promovendo a solidariedade de proximidade”.
“O jejum que me agrada não será antes este: quebrar as cadeias injustas … repartir o teu pão com o pobre? (Is, 58,1-9)
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