O Tanoeiro da Ribeira

terça-feira, novembro 26, 2013

Era uma vez uma tartaruga




No passado mês de agosto, passei por Beja para visitar a cidade a que os Romanos chamaram “Pax Julia” (Ainda hoje, para além de “bejense”, o nome gentílico das pessoas de Beja é, a lembrar essas raízes, “pacense” e “julianense”.) E o que resta da magnificência dessa velha cidade que foi colónia e sede de um convento jurídico romano? Que os visigodos constituíram sede episcopal no século VI? Onde cristãos e mouros, durante quatro séculos, se bateram numa guerra sem tréguas e sem fronteiras? Que passou a ser definitivamente portuguesa em 1162? Onde, em 1179, perdeu a vida Gonçalo Mendes da Maia, “O Lidador”, ao defendê-la da última arremetida árabe? A quem D. Afonso III deu foral em 1254? Que foi elevada a cidade em 1517 e teve o privilégio de cunhar moeda (ainda hoje existe a rua da Moeda a que aconselho uma visita até por motivos gastronómicos…)? Que foi berço de figuras insignes como a rainha D. Leonor, esposa de D. João II e fundadora das Misericórdias, dos três humanistas André, Diogo e António Gouveia e ainda de D. Frei Amador Arrais, um clássico da língua portuguesa, e de Soror Mariana Alcoforado que, no dizer de Raul Proença, se transformou na “glória eterna do sentimento português”?


Infelizmente muito se perdeu na voragem do tempo e no camartelo dos seus responsáveis. Mas ainda muito ficou a merecer uma visita (a começar pelo “posto de turismo” dentro do castelo). Ao passear descontraidamente pelas velhas ruas da cidade, a cada instante somos surpreendidos por um monumento: aqui, uma janela ou um portal manuelino, ali uma janela mudéjar, acolá uma porta gótica ou um arco romano, mais além uma igreja românica ou um convento renascença. Vale a pena subir à torre de menagem do castelo que, com 40 metros de altura, é uma das mais altas e, certamente, das mais belas de Portugal. O olhar alonga-se pelas lonjuras do entre Sado e Guadiana. Ali bem perto, Baleizão lembra-nos Catarina Eufémia, um grito de sangue no silêncio alentejano. Merece, ainda, uma demorada visita o Convento da Conceição que, se não de Portugal, foi certamente o mais rico convento feminino de todo o Alentejo. Para além de seu valor artístico (os azulejos mouriscos que revestem a sala do capítulo deixam-nos boquiabertos) e sentimental (todos querem tirar uma fotografia junto à celebre “janela de Soror Mariana” por onde terão passado as suas famosas cartas de amor), alberga o Museu Regional de Beja com um riquíssimo acerbo artístico que nos conta a vida de muitos séculos.

E onde encaixa o título deste texto? Perguntar-se-á, com razão, o leitor. A história e o património de Beja...
Quando saia do castelo de Beja, vi que a Catedral estava aberta. Entrei e procurei uma lamparina que me indicasse a presença do “Patrão”. Vi-a no transepto e para lá me dirigi. Julgo ser este o gesto que nos identifica quando visitamos uma igreja: ajoelhar frente ao Santíssimo Sacramento. Na Eucaristia que se seguiu, logo me surpreendi ao ouvir o sacerdote dizer: “Hoje não há intenções particulares para esta Missa. Vou celebrar pelos cinco jovens que acabam de morrer num acidente na nossa diocese, perto de Ourique”. Não havia intenções (de quem?), mas ele congregou a assembleia na mesma oração. A diocese não é uma mera circunscrição eclesiástica…
Na homilia, contou que certa vez as tartarugas resolveram fazer uma corrida para ver qual delas chegaria primeiro ao cimo do monte. Os outros animais juntaram-se na berma do caminho, riam-se e zombavam delas: vós, com essas carapaças, nunca lá chegareis. E as tartarugas, ao ouvi-los, começaram a desanimar e foram, pouco a pouco, desistindo. Uma houve, porém, que conseguiu chegar ao cimo. Quando, admirados, lhe perguntaram: como conseguiste? Ela respondeu:- sou surda”. E o sacerdote concluía: “no meio do barulho em que vivemos, às vezes, precisamos de ser surdos”. Fiquei a pensar. Quem não se lembra de ter ouvido os meteorologistas dizer que este ano não iríamos ter verão? E o que aconteceu? Não nos faltam profetas da desgraça que se congratulam a anunciar males futuros. Como se os presentes já não nos bastassem. Quando escrevia este texto, li nos jornais “Programa de Portugal será mais duro do que o da Irlanda”. Já não nos chega o atual? Porquê massacrar-nos com hipóteses ainda mais macabras? Com que displicência os comentadores políticos falam de cortes nas pensões e despedimentos! E até parecem ter as soluções debaixo da manga. Às vezes, apetece-me desabafar: “é preciso não ter vergonha. A maioria deles já participou em Governos anteriores e que fizeram eles? Não serão também culpados? Falam como se fossem “extraterrestres”, ou “anjinhos” caídos do céu… E que dizer do maniqueísmo dos políticos para quem só é bom o que é feito por eles e nos outros só veem mal, como se tivessem o exclusivo da competência e da honestidade?
Fazem-me lembrar uma certa reunião. Estava um delegado do Ministério da Educação a arengar sobre os males do ensino, quando um professor pediu licença para o interromper e disse, com ar muito humilde: “sabe, senhor Doutor, qual é o mal do nosso ensino? É que quem sabe ensinar, como os senhores, não dá aulas…” Os outros professores bateram palmas. E a palestra pouco mais durou.
A propósito das eleições, D. Manuel Martins disse, no JN do passado dia 18 de setembro: “Com esta balbúrdia toda, até tenho dificuldade em decidir”.