O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, novembro 27, 2013

Deixem-nos sonhar...




Há dias, quando meu neto - sacramento da presença viva de Deus e da esperança- se entusiasmava ao ver, na bonita montra da “Voz Portucalense”, livros da Torre dos Clérigos que, nas suas palavras, “é muito alta, vê-se a cidade toda” e do Papa Francisco que ”tem o meu nome e um sorriso muito simpático”, um idoso que passava afagou-lhe a cabeça e, com mágoa na voz e no olhar, disse: “ó meu menino, como falas bem, mas é pena que tenhas nascido num tempo tão mau”. E eu respondi: “sim, vivemos numa época de privações, mas, olhe, que, quando nascemos, os dias não eram melhores. Vim ao mundo com a Segunda Guerra Mundial, em tempo da meia-sardinha e do naco de broa”. Concordou que também seus pais passaram por muitas dificuldades. Mourejavam de sol a sol por uma côdea. Lutavam pela vida. Não passavam o tempo a queixar-se dos outros ou a reclamar direitos. Cultivavam a simplicidade do essencial. Sentiam-se um elo imprescindível na cadeia de transmissão da vida Se nossos pais não tivessem sonhado com um futuro melhor, nunca teríamos nascido.

E, porque “o sonho comanda a vida”, gostaria de partilhar convosco, neste reinício de atividade, excertos do poema “O direito a sonhar” de Eduardo Galeano. “O mundo, que hoje está de pernas-para- o- ar, vai ter de novo os pés no chão. O ar será puro e vai existir apenas a contaminação que emana dos medos humanos e das humanas paixões. O povo não será programado pelo computador, nem comprado pelo supermercado, nem visto pela TV. A TV vai deixar de ser o mais importante membro da família, para ser tratada como um ferro de passar ou uma máquina de lavar roupa. Os economistas não chamarão de nível de vida o nível de consumo, nem de qualidade de vida a quantidade de coisas. Os políticos não vão mais acreditar que os pobres gostam de encher a barriga de promessas. O mundo não vai estar mais em guerra contra os pobres, mas contra a pobreza. Ninguém vai morrer de fome, porque não haverá ninguém morrendo de indigestão. Justiça e liberdade, gémeas siamesas condenadas a viver separadas, vão estar de novo juntas, bem juntinhas, ombro a ombro. A Igreja vai ditar um décimo-primeiro mandamento: Amarás a natureza, da qual fazes parte”.

 
Utopias? E para que servem? São como a linha do horizonte que, quanto mais avançamos, mais se afasta de nós. Nunca se alcançam mas ajudam-nos a caminhar. Radicam na vontade e abrem-se à esperança. Sejamos utópicos. Saibamos agradecer e apreciar as coisas boas que Deus nos dá. Vivamos “cada noite como se fosse a última” e “cada dia como se fosse o primeiro”. Exijamos que os nossos políticos sejam sérios e dignos deste povo que, do “Cabo das Tormentas”, fez “Cabo da Boa Esperança”. E gritemos, como na Catalunha, “Se não nos deixais sonhar, não vos deixaremos dormir”.