O Tanoeiro da Ribeira

sexta-feira, novembro 29, 2013

A serenidade no ajudar



Quando me foi proposto o tema, comecei por reler o Evangelho (Lc 10,30) que fala de um homem que caiu nas mãos de salteadores que o deixaram “meio morto” e de um sacerdote e um levita que não lhe prestaram qualquer ajuda. Interroguei-me: O que estará na origem deste facto? Ter-se-ão apercebido? O evangelho diz apenas “viu e passou adiante”. Desciam de Jerusalém onde trabalhariam. Dirigir-se-iam para suas casas. Que preocupações lhes encheriam a mente? Que medos os atormentariam? Não iriam tão absortos que nem se aperceberam da gravidade da situação? Pensemos em nós. Não é verdade que, por vezes, andamos tão angustiados com a vida que nem reparamos no rosto triste de um amigo, no silêncio de um filho, nos olhos húmidos de nossa esposa? Simplesmente porque estamos enclausurados na nossa intimidade a remoer angústias? Falta-nos serenidade interior para prestar atenção ao que nos rodeia.

O texto sagrado fala-nos ainda do samaritano que “viu e moveu-se de compaixão” e ajudou-o na medida das suas necessidades. Sem exageros… Desceu do cavalo, tratou-lhe as feridas, deixou-o numa estalagem, comprometendo-se a pagar o que fosse preciso pelo seu tratamento. E continuou viagem. O seu gesto faz-nos pensar na serenidade que se exige a quem deseja ajudar alguém. É que há pessoas que, embora bem-intencionadas, se tornam incómodas e intrometidas. Fazem-me lembrar aquele jovem escuta que, para cumprir a sua “boa ação diária”, ajudou uma velhinha a atravessar a passadeira. Só que ela não ia atravessar a rua porque seguia em sentido contrário… E também aquele moleiro que, ao montar a mula, disse “Deus me ajude…”. E, ao cair do outro lado devido ao exagero do impulso, acrescentou:” …Mas não tanto”…. Há pessoas a quem apetece dizer: ajude… mas não tanto. Na ânsia de ser úteis, não veem que estão a ultrapassar os limites. Até nas ofertas e nos gestos de delicadeza pode haver violência… A ajuda deve ser proporcional à necessidade e nunca pode invadir a intimidade do outro nem afetar a sua autonomia. Ajudar, sim, mas com equilíbrio para que a virtude não se transforme em vício. Razão tinha o grande Aristóteles que escreveu: “Sendo assim, um mestre em qualquer arte evita o excesso e a falta, buscando e preferindo o justo meio. Estou falando da virtude, pois é esta que se relaciona com as emoções e ações, e nestas há excesso, falta e justa medida”. E Séneca, filósofo latino, contemporâneo de Jesus, que dizia: Toda a virtude assenta na justa medida, e a justa medida baseia-se em proporções determinadas. É neste sentido que deve ler-se o que diz a Bíblia (Ecl 7, 16) “Não sejas justo excessivamente, nem sábio além da medida. Por que te tornarias estúpido”. Assim julgo poder interpretar o que dizia um notável bispo do Porto: “Fico sempre receoso quando alguém me diz eu sou muito religioso. É que a religião deve ser como o sal na comida: nem de mais nem de menos mas na justa proporção”.

Há situações em que este equilíbrio se torna mais difícil.

  • É bom que os pais ajudem os filhos mas sem nunca os substituir, nem infantilizar ou tornar paterno-dependentes. O perigo cresce quando casam e se redobram as atenções. Cuidado. Ajudar sim, mas apenas quando eles solicitarem. Há matrimónios que se desfazem devido à demasiada intromissão da família. O perigo redobra nos nossos tempos em que muitos filhos casados, por razões económicas, voltam a viver com os pais. Ajudá-los, sim, mas sem interferir na sua autonomia: não voltam a ser solteiros…
  • É bom que nos preocupemos com um amigo em hora de desgraça. Mas atenção. Há momentos em que as palavras estão a mais. Sei de uma mãe que, cansada de ouvir a amiga dizer; “tem paciência, foi a vontade de Deus”, rebentou em lágrimas e explodiu: que Deus é esse que quer o meu filho ali morto no caixão enquanto o teu ainda hoje te convidou para almoçar! Não. Esse não é o meu Deus”. Como é reconfortante, nessas horas, a presença dum amigo, disposto a partilhar dos nossos silêncios…
  • Quão digno de louvor é quem cuida de idosos. Exerce a sublime missão de apoiar aqueles em quem e por quem Deus fez maravilhas. São tesouros em vasos de vidro: o invólucro é frágil mas a joia é preciosa. Também aqui é preciso adequar a ajuda ao seu ritmo e não esquecer a sua experiência de vida. Lembro aquela senhora que entrou para um lar de idosos e, logo no dia seguinte, uma funcionária veio dizer-lhe que estava na hora da ginástica. Perante a insistência, suplicou: “ó menina, toda a vida fui criada de servir, cansei-me a correr de um lado para o outro. Agora, ao menos, deixe-me ficar aqui a descansar”.

Devido às muitas preocupações, nem sempre se respeita a identidade, a intimidade, a autonomia, os silêncios, os laços afetivos dos idosos. Eu sei que fazê-lo não é tarefa fácil porque exige disponibilidade de tempo e muita paz interior. Coisas que, nestes tempos conturbados, não abundam.

 

Em síntese… A repetição de atos, consciente e deliberadamente assumidos, criam hábitos. E estes, à medida que se interiorizam, vão dando origem às atitudes que nos predispõem para um agir mais fácil e consistente. Assim, à medida que, no dia-a-dia, repetimos gestos de ajuda bem ajustada e tranquila vamos fortalecendo a nossa serenidade interior. Ajudar é bom. Saber ajudar é sublime.