O Tanoeiro da Ribeira

quinta-feira, junho 22, 2017


 DEUS ME LEVE...


“Nosso Senhor esqueceu-se de mim.” “ Só estorvo!” “Coitados dos meus filhos…”

Quem não ouviu estes ou desabafos semelhantes a pessoas idosas que não querem ser empecilho para os outros?

Para além de razões de ordem médica, ética e religiosa, parece-me que estas vivências nos devem levar a refletir quando se pensa na eutanásia.

Já não me refiro à violência física cada vez mais vulgarizada: filhos ou netos que maltratam pais e avós. Falo, sim, da violência silenciosa que as telhas encobrem. Ai se elas falassem… “Portugal é o que trata pior os idosos entre sete países europeus.”(JN,11-5-2017)

 “Ando exausto.” Já não me chegavam os filhos, agora ainda tenho o meu pai…” “Minha mãe está impossível!”
Estes ou outros lamentos similares quem os não ouviu? Anda toda a gente muito cansada… quando é preciso cuidar dos velhos… Deixemo-nos de eufemismos…

Pergunto-me se a legalização da eutanásia não poderia vir a constituir mais um motivo de sofrimento para quem se sente sobrecarga para os outros? E poderia camuflar mais uma forma refinada de violência psicológica sobre os velhos mais fragilizados. E nem é preciso que os familiares pressionem ou lhes lembrem a eutanásia… Basta um rosto mais carrancudo, uma palavra de enfado, um gesto de irritação… Vítimas do “complexo de culpa”, logo se vêm como culpados do sofrimento dos filhos. Atualmente, haverá quem peça ao “Senhor que o leve”. Outros limitar-se-ão a aceitar as leis da natureza (o suicídio é exceção). Se a eutanásia for legalizada, haverá sempre uma possibilidade em aberto… Terão de enfrentar uma decisão carregada de angústia. Que fazer? Prolongar os dias derradeiros, obrigando a família a suportá-los? Fazer sofrer quem ama só para ser fiel ao mandamento “não matarás…”? Continuar a infernizar a vida dos filhos ou libertá-los desse peso? Opção dolorosa, porque antinatural, sempre violenta e geradora de má-consciência. Quanta angústia! Será esse o caminho para uma morte digna? Merecerá tal pena quem passou a vida a “consumir-se” pelos outros? Poderá vir a ser legal mas nunca será justa para aqueles a quem tanto devemos. Não vemos pais a passar privações só para ajudar os filhos? Não há tanta gente a querer ser cremada só para não dar trabalho “aos-que-cá-ficam”?

A legalização da eutanásia iria tornar mais agonizantes os tempos derradeiros em que, mais do que a “bem morrer”, precisamos de quem nos ajude a “bem viver”.

A todos os que sofrem, deixo um pensamento de Paul Claudel: “é pelo sofrimento que podemos sair de nós próprios e pelo sofrimento podemos deixar entrar o outro”. E o testemunho do P. Luís, de Oliveira do Douro: Eu bendigo a dor não somente porque o Divino Mestre a santificou, mas ainda porque, no padecimento próprio, avalio melhor o alheio.”

(22/6/2017)