O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, maio 10, 2017


COMPASSO LUSO-GALAICO



A geografia e a história moldaram a alma das gentes do noroeste peninsular. Quem não se lembra do lirismo saudoso das cantigas de amigo? Quem não recorda o paralelismo de “Ai flores, ai flores de verde pino” e “Ondas do mar de Vigo”?

Os Estados medievais criaram fronteiras que dividem mas não separam. Que o digam as pessoas de Rio de Onor, em Bragança, ou de Tourém, em Montalegre. Estas afinidades culturais levaram, no início do século XX, Teixeira de Pascoaes, de Portugal, e Castelao, da Galiza, a unirem-se no “Movimento Nós” para avivar a identidade luso-galaica. Herdeira deste espírito, surgiu, no derradeiro quartel do século, a Associação dos Crentes Galegos. Não foi por acaso que, em 1978, a sua primeira “Romaxe” se realizou em Irimia, Meira (Lugo), onde nasce o rio Minho. Irimia continua a ser o nome da sua revista. E logo em 1983, a “Romaxe” anual teve lugar em Tui, sob o lema “O Minho non se-para”.




E, a de 1993, foi no Monte do Viso, em honra dos caminhos portugueses de Santiago. Que coisa bela!...Quando uma cristã portuguesa leu em voz alta: “Sou filha das terras de Portugal e ergo a minha voz para, em nome de todos os meus conterrâneos que vieram, hoje, até ao Viso, cantar e participar convosco da alegria da vossa festa irimega”. Também lá estávamos… Isto eu conhecia.



Mas não o que presenciei, nesta Páscoa, na Senhora da Cabeça em Valença, com o chamado “Lanço da Cruz”. Na 2ª feira de páscoa, depois de terminar a visita pascal em Cristelo-Covo, o pároco, num barco de pesca engalanado, atravessou o rio Minho e foi dar a cruz a beijar a Sobrado-Torron (Galiza). Por sua vez, o compasso dessa aldeia galega, acompanhado por gaiteiros, fez o percurso inverso, vindo dar a cruz a beijar à multidão que, ao fim da tarde, enchia o parque da Senhora da Cabeça.


 Depois de percorrer todo o arraial, subiu até à capela.



Aguardou a chegada do compasso português.


E só após darem as duas cruzes beijar e uns momentos de convivência, é que abandonaram o recinto.

 Na manhã seguinte, bem cedo, surpreendi-me com os inúmeros carros e camionetas de matrícula espanhola que ocupavam as ruas adjacentes ao santuário e com as muitas pessoas a subir a sua longa escadaria. Soube, então, que às 10 horas se iria celebrava missa em galego.


Entretanto, na igreja paroquial, organizava-se a procissão da Senhora da Cabeça que, após demorado percurso, chegou ao recinto do santuário onde, com ramos na mão, os galegos a aguardavam.


 Seguiu-se a missa em português e surpreendeu-me ouvir o pároco de Cristelo-Covo, de Portugal, pedir aos presentes para rezarem pelo P. Ricardo cujo corpo estava em câmara ardente na catedral de Tui, da Galiza.. Queríamos melhor testemunho da fraternidade luso-galaica?

A Cultura une e distingue. O Poder divide e hostiliza.
 

 (10/5/2017)