O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, março 15, 2017


PAIXÃO E UTOPIA

Várias paróquias estão a celebrar as suas “bodas de ouro”. Nasceram em tempos do Vaticano II e a sua criação só pode ser compreendida dentro desse contexto de profunda transformação da Igreja. O novo paradigma pastoral assentava na visão conciliar que dava relevo à Igreja missionária e pobre, dialogante e servidora da humanidade, mistério de comunhão de todos em Cristo pela força do Espírito e sacramento de salvação da humanidade, presente no meio dos homens e atenta aos sinais dos tempos, povo de Deus que peregrina rumo à Igreja Celeste. Acrescia a tudo isto a espiritualidade de Charles de Foucauld que tinha por lema: “gritar o Evangelho de Cristo com a vida”.

Destas raízes nasceram intuições, bem simples, que ajudaram a balizar os caminhos que as novas paróquias queriam percorrer, tais como: estamos em terra de missão; a Igreja só será missionária se for pobre; importa privilegiar a função deontológica da Igreja, ao serviço da sua missão teleológica, sabendo que o processo está em nossas mãos e a ele nos dedicamos, os resultados ultrapassam-nos e por eles rezamos; nunca esquecer o estudo, o silêncio e a oração; o missionário não é um angariador de clientela, mas testemunha viva de Cristo que se dá sem exclusivismos nem proselitismos; Cristo oferece a salvação a todos sem aceção de pessoas; sou um simples instrumento – pobre entre pobres; a Igreja é uma instituição teândrica (divina e humana) a quem o poder e o dinheiro muito mal têm feito; o “pastor” deve viver para, com e no meio do seu povo e em comunhão com ele nas alegrias e tristezas; o pároco está sempre em serviço - quando estiver livre, sai para a rua…; não são as pessoas que vão à igreja, é a Igreja que vai às pessoas; a paróquia não é um “pronto-a-servir”, nem uma “estação de serviço” de sacramentos e atos de piedade; mais que um espaço, a paróquia é um processo e uma atmosfera geradora de fraternidade; cada pessoa vale pelo que é e não pelo que tem; em Igreja, mais vale pouco feito por muitos que muito feito por poucos; o tapete da entrada da igreja tem o mesmo mérito que a lamparina do Santíssimo - a dignidade está no modo como cada um cumpre a sua função; mais que pelo património material – que, muitas vezes, é contra-testemunho - a Igreja vale pela sua riqueza espiritual; a paróquia é uma comunidade integradora de comunidades que deve gerar a unidade no respeito pela diversidade; perante o fracasso, a verdadeira atitude evangélica é a compreensão e o acolhimento; a transcendência de Deus revela-se na imanência do Homem e a omnipotência divina na fragilidade humana.

Sonhos coloridos pela paixão. Os tempos passam… mas os ideais permanecem.

Como dizia o bom João XXIII: “Sem uma pitada de loucura, a Igreja não cresce”.

(15/3/2017)