O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, março 08, 2017


POBREZA IMERECIDA


D. António Ferreira Gomes, em Fátima, (26/3/1957), denunciava, com a coragem profética que deixou saudades, “a miséria imerecida do nosso Mundo Rural”.

Lembrei-me dele ao ler a “Voz do Trabalho” da LOC/MTC. O número 627 enche a capa com o título: ”Pobreza também ameaça quem trabalha”. Porque, como diz Jesus, “não se acende uma luz para colocá-la debaixo do alqueire… (Mt 5,15)”, decidi fazer eco do seu Editorial que afirma: “Vamos entrar num novo ano, o de 2017, e, embora se tenham vislumbrado e anunciado algumas melhorias em relação ao desemprego e à reposição de rendimentos sociais e do trabalho, mantém-se, e até se agrava, a ameaça de pobreza para muitos que trabalham. Continuando a persistir na promoção de ordenados baixos, serão cada vez mais as famílias que, mesmo trabalhando, vivem abaixo dos índices oficiais de pobreza. Grande parte dos trabalhadores têm sentido desde há alguns anos, a deterioração dos seus salários que pela paralisação da contratação coletiva de trabalho não têm sido aumentados e com o agravamento do custo de vida têm ficado cada vez mais reduzidos”.

É desta pobreza que estou a falar, a pobreza de quem trabalha e não ganha o suficiente para levar uma vida tranquila. Vejo-os todas as manhãs nos transportes públicos, com o olhar preocupado de quem vai começar mais uma jornada, já cansado e sem gosto. Vejo-os, ao fim do dia, alquebrados e de rosto sem brilho E penso: tanta canseira para tão pouca recompensa! Pagar um salário justo não é um ato de caridade mas uma exigência da justiça. Não o fazer é "escândalo" num Estado de Direito e “pecado que brada ao Céu”, numa sociedade de raiz cristã. A crise, não deixando de ser real, tem servido para muito aproveitamento e de pretexto para alguns empresários, sem escrúpulos, esmagarem os trabalhadores. A crise para alguns, até faz jeito… E não são só os “outros”…

Quando escrevia estas palavras, li o JN de 24 de fevereiro que transcrevia algumas expressões que o Santo Padre tinha proferido na missa do dia anterior, tais como: «O que é um escândalo? É dizer uma coisa e fazer outra, é a vida dupla»: «Eu sou muito católico, vou sempre à missa, pertenço a esta ou à outra associação, mas a minha vida não é cristã, não pago com justiça aos meus empregados, aproveito-me das pessoas, faço negócios sujos.« «Quantas vezes ouvimos, no nosso bairro e noutras partes, dizer: ‘para ser um católico como esse, era melhor ser ateu’? É esse o escândalo. Destrói-nos, deita-nos por terra».

Estes lamentos trouxeram-me à mente o profeta Amós que, já no século VIII a.C., denunciava os que “roubavam e exploravam e depois iam ao santuário rezar, pagar dízimo, dar esmolas para aplacar a própria consciência (4,4-12; 5,21-27)”.

A Igreja e a sociedade precisam de mais “Amós”…

( 8-3-2017)