POBREZA IMERECIDA
D. António Ferreira Gomes, em Fátima,
(26/3/1957), denunciava, com a coragem profética que deixou saudades, “a
miséria imerecida do nosso Mundo Rural”.
Lembrei-me dele ao ler a “Voz do Trabalho” da LOC/MTC. O número 627
enche a capa com o título: ”Pobreza
também ameaça quem trabalha”. Porque, como diz Jesus, “não se acende uma
luz para colocá-la debaixo do alqueire… (Mt 5,15)”, decidi fazer eco do seu
Editorial que afirma: “Vamos entrar num novo ano, o de 2017, e, embora se
tenham vislumbrado e anunciado algumas melhorias em relação ao desemprego e à
reposição de rendimentos sociais e do trabalho, mantém-se, e até se agrava, a
ameaça de pobreza para muitos que trabalham. Continuando a persistir na
promoção de ordenados baixos, serão cada vez mais as famílias que, mesmo
trabalhando, vivem abaixo dos índices oficiais de pobreza. Grande parte dos
trabalhadores têm sentido desde há alguns anos, a deterioração dos seus
salários que pela paralisação da contratação coletiva de trabalho não têm sido
aumentados e com o agravamento do custo de vida têm ficado cada vez mais
reduzidos”.
É desta pobreza que estou a falar, a
pobreza de quem trabalha e não ganha o suficiente para levar uma vida
tranquila. Vejo-os todas as manhãs nos transportes públicos, com o olhar
preocupado de quem vai começar mais uma jornada, já cansado e sem gosto.
Vejo-os, ao fim do dia, alquebrados e de rosto sem brilho E penso: tanta
canseira para tão pouca recompensa! Pagar um salário justo não é um ato de caridade
mas uma exigência da justiça. Não o fazer é "escândalo" num Estado de Direito e
“pecado que brada ao Céu”, numa sociedade de raiz cristã. A crise, não deixando
de ser real, tem servido para muito aproveitamento e de pretexto para alguns
empresários, sem escrúpulos, esmagarem os trabalhadores. A crise para alguns,
até faz jeito… E não são só os “outros”…
Quando escrevia estas palavras, li o JN de 24 de fevereiro que transcrevia
algumas expressões que o Santo Padre tinha proferido na missa do dia anterior,
tais como: «O que é um escândalo? É dizer uma coisa e fazer outra, é a vida
dupla»: «Eu sou muito católico, vou sempre à missa, pertenço a esta ou à outra
associação, mas a minha vida não é cristã, não pago com justiça aos meus
empregados, aproveito-me das pessoas, faço negócios sujos.« «Quantas vezes
ouvimos, no nosso bairro e noutras partes, dizer: ‘para ser um católico como
esse, era melhor ser ateu’? É esse o escândalo. Destrói-nos, deita-nos por
terra».
Estes lamentos trouxeram-me à mente o
profeta Amós que, já no século VIII a.C., denunciava os que “roubavam e
exploravam e depois iam ao santuário rezar, pagar dízimo, dar esmolas para
aplacar a própria consciência (4,4-12; 5,21-27)”.
A Igreja e a sociedade precisam de mais “Amós”…
( 8-3-2017)
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home