O Tanoeiro da Ribeira

quinta-feira, março 30, 2017


DESCULPA-SE... CULPABILIZANDO

Esta reflexão foi suscitada pela 1ª leitura da festa de Nossa Senhora da Conceição. Sempre me sinto interpelado quando ouço esta passagem do livro do Génesis, 3.11-14. E porquê? Porque, para além da leitura teológica sobre o pecado, esboça um retrato antropológico pouco abonatório do género humano.

Desde bem cedo, o homem não quis assumir as responsabilidades pelos seus atos. Sempre se desculpa e, se possível, procura atirar as culpas sobre os outros. E isso aconteceu logo na primeira vez que, na Bíblia, o homem aparece a falar com Deus. Perante a pergunta «Terias tu comido do fruto da árvore que eu te havia proibido de comer?», o que fez o homem? Poderia ter arcado com as consequências do seu ato e afrontar o seu interlocutor, dizendo: “Comi, sim, porque me apeteceu? Nunca me pediste a opinião. E eu fui sempre contra a tua proibição”. Ou então reconhecer a falta e, humildemente, pedir perdão pela sua desobediência. Mas não, em vez disso, cobardemente, lança as culpas sobre a mulher e, de modo sub-reptício para não enfrentar a Sua cólera, insinua a responsabilidade do próprio Deus: “A mulher que Tu me destes apresentou-me deste fruto, e eu comi”. Foi a mulher a culpada e também Deus que lha deu sem ele a pedir. Ele é que não teve culpa nenhuma, o anjinho… só lhe faltavam as asas…Faz-me lembrar aqueles filhos que, como coitadinhos inocentes, gostam de dizer aos pais- “Eu não pedi para nascer; Vós é que me fizestes assim”. Foi o que, ardilosamente, o homem fez …

A mulher também não fica nada bem nesta fotografia. Quando Deus lhe pergunta: «Por que fizeste isso?» O que respondeu ela? Atira as culpas sobre a serpente: “ A serpente enganou-me”. Não assumiu a culpa nem se defendeu da acusação pouco gentil do seu companheiro. Por medo das represálias que sofreria? Para além duma sociedade de cariz machista, não se vislumbra aqui já uma forma disfarçada de violência psicológica? É sempre mais fácil culpabilizar os que estão em patamar inferior. Fê-lo o homem ao acusar a mulher. Fá-lo a mulher ao atirar as culpas sobre a serpente. Já naquele tempo era verdadeiro o ditado que diz “no fim, o mexilhão…”. A única que não se desculpa é a serpente a quem Deus nada pergunta e logo condena: - “Porque fizeste isso, serás maldita…”.

Causa algum incómodo ver o comportamento deste animal vertebrado no corpo mas sem vértebras no espírito… Cobarde e calculista… Ainda agora será assim? Alguns dirão que isto é que é ser esperto. Pobre inteligência, se assim fosse… É outro o “Homem Novo” que anuncia o Evangelho: “Dizei somente: «Sim», se é sim; «não”, se é não. Tudo o que passa além vem do Maligno”(Mt, 5,37)

Qual o nosso paradigma antropológico? O relatado  do Génesis ou o sugerido no Evangelho?

(29//3/2017)