CARTAS PARA D. ANTÓNIO BARROSO
Em
sintonia com a homenagem que, no passado dia 7, foi prestada em Barcelos a este "santo bispo", gostaria de realçar os “Inéditos sobre D.
António Barroso – Duas cartas históricas para D. António Barroso
dos últimos reis de Portugal”,
de António
Júlio Trigueiros, SJ, publicado no Boletim de D. António
Barroso.
A primeira carta foi
escrita pela rainha D. Amélia, viúva de D. Carlos e mãe de D.
Manuel II, no dia 1 de outubro de 1910, apenas 4 dias antes da sua
partida para o exílio.
“Meu caro Bispo do Porto, / Aproveito a
occasião de lhe agradecer os objectos da sua Sé e que acabei de
desenhar para lhe dizer quanto me sensibilizou o artigo de fundo do
“Correio do Norte” do dia 28 de Septembro. O artigo é do Abundio
da Silva que conheço, e cujo talento tenho muita vez occasião de
appreciar mas sei que, meu caro Bispo do Porto, protege o jornal que
tão sensatamente, com tanta justiça e desassombro tem levantado a
voz, e por isso queria que soubesse fiquei muito penhorada com o
“Correio do Norte”. E muito gostaria de particularmente o
Abundio da Silva pudesse saber dos meus agradecimentos// Tenho os
objectos encaixotados e peço ao Reverendíssimo Bispo me diga se os
quer mandar buscar ou se quer – o que é tão fácil – que eu os
mande.// Peço-lhe me creia sempre a com o maior respeito.// Sua
muito affeiçoada // Amélia”.
Esta
carta, que surpreende pela cordialidade, deixa-me três perguntas.
1ª- A que objetos se refere?
2ª- Quem foi Abundio da Silva?
3ª- E
o “Correio do Norte”?
Respostas:
1ª - O objeto era o busto
relicário de S. Pantaleão a respeito do qual disse D. Manuel
Clemente em 2011: “A cabeça relicário, pouco antes da República,
foi para Lisboa para ser desenhada por Dona Amélia, como de facto
aconteceu. Sobrevinda a revolução, ficou no palácio das
Necessidades, donde passou para o Museu de Arte Antiga e depois para
o Soares dos Reis”.
2ª - Abúndio da Silva, professor, advogado,
jornalista e político, formou-se na Universidade de Coimbra em
Teologia e Direito. No Porto, fomentou o “movimento católico
procurando afirmar a presença da inspiração cristã na vida
social”. Condecorado, em 1909, pelo Papa Pio IX com a cruz de ouro
“Pro Ecclesia et Pontifice” escreveu, em 1911, no seu livro A
Igreja e a Política: “Não
pedimos à República o privilégio, mas o direito comum, a liberdade
de consciência, de culto, de imprensa, de proselitismo e de
associação. Não queremos para nós, católicos, um único direito
que não reclamemos também para os outros, mas não queremos nos
outros uma única liberdade que nós não fruamos também. E com a
liberdade, estamos certos de que será mais fácil converter uma
República que nasceu ímpia, do que cristianizar uma monarquia
constitucional que viveu hipócrita.”
Claro e frontal.
3ª - Abúndio da Silva, para melhor
difundir a doutrina da Rerum Novarum de Leão XIII, fundou o
jornal O Correio do Norte que apareceu em 3 de Julho de 1910 e
terminou em 10 de fevereiro de 1911. No primeiro número,
dirigindo-se a D. António Barroso, explica que se trata duma
publicação “sem preocupações ou compromissos partidários de
qualquer natureza ou espécie” e terá como objetivo “ a união
de todos os esforços, dentro do campo da Igreja, suficientemente
grande para abranger todos os combatentes, e todos serão poucos, se
como é mister, escolherem o terreno da acção social e popular,
onde há tanto que fazer na recolha de Jesus Cristo para a fé e para
a moral ...”. Em resposta, D. António Barroso, em 25 de julho,
louvou o surgimento deste jornal por ser “constante desejo animar o
desenvolvimento da acção social católica (…) que encontra na
imprensa o seu principal elemento de propaganda (…) que se propõe
instruir e educar o povo segundo os ensinamentos da Santa Igreja”.
A segunda carta escrita a D. António
Barroso é do Rei D. Manuel II.
Ao
saber que o Bispo do Porto, regressado do exílio em Remelhe, não
poderia voltar a residir no antigo paço episcopal que tinha sido
confiscado pelo Estado, escreve-lhe por seu próprio cunho uma carta
do seguinte teor: “Para o Reverendíssimo D. António
Barroso, Bispo do Porto // Fulwell Park, Twickenham, Middleses //
5-III-1914 // Meu querido Bispo do Porto// Chegou-me aos ouvidos
rumores de uma notícia que antecipava os meus desejos: a de eu lhe
ter offerecidoo Palácio das Carrancas para sua residência. Nada me
pode ser mais agradável e do coração desejo que isso se possa
realizar. Já escrevi ao meu administrador geral Fernando de Serpa
Pimentel para estudar o caso com o meu Mordomo Mór Conde de
sabugosa, pois em vista das leis vigentes que pesam sobre as minhas
propriedades, ignoro se dellas posso dispôr. Felicito-o a si e ainda
mais a diocese do Porto, pelo seu regresso onde finalmente vae
retomar o logar que sempre honrou com tanta coragem e dignidade.//
Creia-me sempre meu querido Bispo um seu muito amigo que, com o maior
respeito beija o seu sagrado anel// Manuel R.
O projeto indicado
nesta carta, que revela enorme afabilidade, nunca veio a realizar-se
porque, entretanto, já uma comissão de senhoras tinha encontrado na
Quinta de Sacais na rua do Heroísmo, o paço onde D. António
viveria até à morte.
Se associarmos
estas cartas, a que acresce a de D. Carlos revelada pelo P. José
Adílio (VP, 9/9), à dor de povo no momento da sua morte que a
imprensa enalteceu, vemos como D. António Barroso concitava a
admiração de toda a sociedade portuguesa. Mesmo daqueles que, por
razões ideológicas, tanto o fizeram sofrer.
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