O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, maio 18, 2016

EM MEMÓRIA DE UM SANTO


 

Ao percorrer o norte de Itália foi minha intenção visitar Trento em honra de Frei Bartolomeu dos Mártires que participou no Concílio aí realizado de 1545 a 1563. O então Arcebispo de Braga distinguiu-se por “dizer muito em poucas palavras”.

 A história exalta as suas virtudes,” encarecendo os louvores que lhe são devidos pela singular franqueza e isenção com que falou perante os padres do concilio”. Vindo de Roma, terá viajado incógnito para evitar honrarias e chegado a Trento disfarçado de obscuro sacerdote. A sua presença, porém, não passou despercebida a eminentes figuras da Igreja que o iam visitar à estalagem em que se hospedara para falar com um prelado que, “sob a capa de humildade tão sincera” granjeara grande autoridade e respeito.

Ao viajar até Trento no dia 3 de janeiro, nunca pensei que, passados dezassete dias (20 de janeiro) o Papa Francisco iria autorizar a sua canonização, dispensando o milagre “formalmente demonstrado” para a declaração de santidade. Feliz coincidência que agora partilho convosco.
 
 

A partir de Verona, segui o rio Ádige que, vindo dos Alpes, vai desaguar no Adriático um pouco a sul de Veneza. Foi uma viagem de sonho por vales, ora largos, ora apertados, com lagos e ribeiros entrecortados por povoações embaladas no gorgolejar das águas. As neves alpinas contrastavam com o castanho das vinhas e o verde dos bosques que trepavam pela montanha. Como seriam penosos estes caminhos no tempo do Concílio! Pobre Frei Bartolomeu que por aqui passou e coitada da mula Águia que o transportou…
 

Trento é uma cidade aristocrática com ruas apertadas entre ricos palácios renascentistas. Em muitos deles, há placas com o nome do “Padre Conciliar” que aí residiu durante o Concílio. Não vi nenhum a lembrar Frei Bartolomeu dos Mártires… E não encontrei a sua estalagem…
 
 
É imponente a Piazza Duomo com o Palácio Pretório, magnífica construção medieval, e a Sé, iniciada no século XIII em estilo românico que foi continuado ao longo de toda construção só terminada no século XVI. Daí a sua harmonia e robustez.

Emocionei-me ao entrar na Catedral, onde se realizaram muitas das sessões do Concílio de Trento. Fiz silêncio e pareceu-me ouvir a voz de Frei Bartolomeu que, com “nobre coragem e audaciosa humildade”, dizia a uma assembleia de padres conciliares deveras surpreendida: «Os ilustríssimos e reverendíssimos cardeais precisam duma ilustríssima e reverendíssima reforma; (…) Vossas senhorias são as fontes donde todos os prelados bebem; necessário é portanto que a água seja limpa e pura.». E ainda senti o remexer incomodado das púrpuras cardinalícias e os olhares perturbados de tão ilustres “príncipes da igreja”.

Não admira, pois, que o Papa Francisco tenha facilitado a sua canonização…

(18-5-2016)