EM MEMÓRIA DE UM SANTO
Ao
percorrer o norte de Itália foi minha intenção visitar Trento em honra de Frei
Bartolomeu dos Mártires que participou no Concílio aí realizado de 1545 a 1563.
O então Arcebispo de Braga distinguiu-se por “dizer muito em poucas palavras”.
A história exalta as suas virtudes,” encarecendo os louvores que lhe são devidos
pela singular franqueza e isenção com que falou perante os padres do concilio”. Vindo
de Roma, terá viajado incógnito para evitar honrarias e chegado a Trento
disfarçado de obscuro sacerdote. A sua presença, porém, não passou despercebida
a eminentes figuras da Igreja que o iam visitar à estalagem em que se hospedara
para falar com um prelado que, “sob a
capa de humildade tão sincera” granjeara grande autoridade e respeito.
Ao
viajar até Trento no dia 3 de janeiro, nunca pensei que, passados dezassete
dias (20 de janeiro) o Papa Francisco iria autorizar a sua canonização,
dispensando o milagre “formalmente demonstrado” para a declaração de santidade.
Feliz coincidência que agora partilho convosco.
A
partir de Verona, segui o rio Ádige que, vindo dos Alpes, vai desaguar no
Adriático um pouco a sul de Veneza. Foi uma viagem de sonho por vales, ora
largos, ora apertados, com lagos e ribeiros entrecortados por povoações
embaladas no gorgolejar das águas. As neves alpinas contrastavam com o castanho
das vinhas e o verde dos bosques que trepavam pela montanha. Como seriam
penosos estes caminhos no tempo do Concílio! Pobre Frei Bartolomeu que por aqui
passou e coitada da mula Águia que o transportou…
Trento
é uma cidade aristocrática com ruas apertadas entre ricos palácios
renascentistas. Em muitos deles, há placas com o nome do “Padre Conciliar” que
aí residiu durante o Concílio. Não vi nenhum a lembrar Frei Bartolomeu dos
Mártires… E não encontrei a sua estalagem…
É imponente a Piazza Duomo com o
Palácio Pretório, magnífica construção medieval, e a Sé, iniciada no século
XIII em estilo românico que foi continuado ao longo de toda construção só
terminada no século XVI. Daí a sua harmonia e robustez.
Emocionei-me
ao entrar na Catedral, onde se realizaram muitas das sessões do Concílio de
Trento. Fiz silêncio e pareceu-me ouvir a voz de Frei Bartolomeu que, com “nobre coragem e audaciosa humildade”,
dizia a uma assembleia de padres conciliares deveras surpreendida: «Os ilustríssimos e reverendíssimos
cardeais precisam duma ilustríssima e reverendíssima reforma; (…) Vossas
senhorias são as fontes donde todos os prelados bebem; necessário é portanto
que a água seja limpa e pura.». E ainda senti o remexer incomodado das
púrpuras cardinalícias e os olhares perturbados de tão ilustres “príncipes da
igreja”.
Não
admira, pois, que o Papa Francisco tenha facilitado a sua canonização…
(18-5-2016)
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