NÓS MESMOS SOMOS TERRA
“Nós
mesmos somos terra.”
Esta
afirmação do Papa Francisco na “Laudato Si” que esteve em todas as intervenções
do “encontro ecuménico” do passado dia 22, trouxe-me à mente a carta que, em
1855, o chefe índio Seattle enviou ao presidente dos Estados Unidos que
pretendia comprar o território ocupado pela sua tribo. Dada sua beleza e atualidade,
decidi partilhá-la convosco.
Começa por afirmar: "O grande chefe de Washington mandou dizer que quer comprar a nossa
terra. Assegurou-nos também da sua amizade e benevolência. Isto é gentil de sua
parte, pois sabemos que ele não necessita da nossa amizade. Nós vamos pensar na
sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e
tomará a nossa terra. O grande chefe de Washington pode acreditar no que o
chefe Seattle diz com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem
confiar na mudança das estações do ano. Minha palavra é como as estrelas, elas
não empalidecem.”
De seguida, clarifica o pensamento do seu povo: “Como se pode comprar ou
vender o céu, o calor da terra? Tal ideia é estranha. Nós não somos donos da
pureza do ar ou do brilho da água. Como pode então comprá-los de nós?
Decidimos apenas sobre as coisas do nosso tempo. Toda esta terra é sagrada
para o meu povo. Cada folha reluzente, todas as praias de areia, cada véu de
neblina nas florestas escuras, cada clareira e todos os insetos a zumbir são
sagrados nas tradições e na crença do meu povo.”
Denuncia os males que afetam os brancos: “ Sabemos que o homem
branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um torrão de terra é
igual ao outro. Porque ele é um estranho, que vem de noite e rouba da terra
tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã, nem sua amiga, e depois de
exauri-la ele vai embora. Deixa para trás o túmulo de seu pai sem remorsos.
Rouba a terra de seus filhos, nada respeita. Esquece os antepassados e os
direitos dos filhos. Sua ganância empobrece a terra e deixa atrás de si os
desertos. Suas cidades são um tormento para os olhos do homem vermelho, mas
talvez seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que nada compreende.
Não se pode encontrar paz nas cidades do homem branco. Nem lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o zunir das asas dos insetos. Talvez por ser um selvagem que nada entende, o barulho das cidades é terrível para os meus ouvidos. E que espécie de vida é aquela em que o homem não pode ouvir a voz do corvo noturno ou a conversa dos sapos no brejo à noite? Um índio prefere o suave sussurro do vento sobre o espelho d'água e o próprio cheiro do vento, purificado pela chuva do meio-dia e com aroma de pinho. O ar é precioso para o homem vermelho, porque todos os seres vivos respiram o mesmo ar, animais, árvores, homens. Não parece que o homem branco se importe com o ar que respira. Como um moribundo, ele é insensível ao mau cheiro.”
E impõe uma condição: “Se eu me decidir a aceitar, imporei uma condição:
o homem branco deve tratar os animais como se fossem seus irmãos. Sou um
selvagem e não compreendo que possa ser de outra forma. Vi milhares de bisões
apodrecendo nas pradarias abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros
disparados do trem. Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo
de ferro possa ser mais valioso que um bisão, que nós, peles vermelhas
matamos apenas para sustentar a nossa própria vida.” (Continua)
(VP, 3-11-2016)
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