NO 'DIA DA EUROPA'
Foi em julho de 1971.
Após o ´Colóquio Europeu de Paróquias’ em Estrasburgo, à boleia do pároco de S. Pedro, de Viena, fui, com o Afonso Rocha, conhecer Munique.
À chegada, procurámos uma das suas famosas cervejarias: o calor apertava… A primeira que encontrámos era enorme, com mesas de bancos corridos, à sombra de grandes árvores bem frondosas. Ocupámos os primeiros lugares disponíveis. Com a ajuda dum guia de conversação em alemão, pedimos o que queríamos. Mas não fomos entendidos…
Entretanto, sentou-se a nosso lado um jovem que fez o pedido e, logo, lhe trouxeram salchichas e cerveja. Precisamente o que pretendíamos… Com um sorriso, apontámos para as ditas e o empregado compreendeu o nosso gesto…
Enquanto nos refrescávamos, comentávamos: - “Ninguém nos entende. Aqui podemos falar à vontade!” No Portugal de então, não o podíamos fazer…
Qual não foi o nosso espanto quando o tal ‘vizinho-que-falava-alemão’ nos perguntou: - “São brasileiros?” – “Não, somos portugueses”.
Gerou-se imediatamente uma mútua simpatia. Apresentámo-nos e ficámos a saber que se chamava Francisco Lavoisier, era brasileiro, descendente de alemães. Engenheiro, estava a fazer um Curso de Especialização na Universidade. Logo combinámos encontro para o dia seguinte à mesma hora e local.
No outro dia, chegámos antes da hora marcada e reservámos um lugar para o ‘amigo’. Vinha acompanhado. Após uma afetuosa saudação, apresentou-nos a sua esposa cujo nome esqueci, mas não a beleza, especialmente na despedida, com o traje típico da Baviera.
Enquanto a conversa e a cerveja iam fluindo, ofereceu-nos: - “Temos um carro pequeno, mas chega para vos levar aonde quiserem. Estamos disponíveis”.
Gratos, aproveitámos a simpatia. - “Queríamos visitar a torre olímpica e o ‘Campo de Concentração de Dachau’.
No dia seguinte, depois de subirmos a torre acabada de inaugurar, para os Jogos Olímpicos de 1972 que viriam a ficar tristemente célebres com o ‘Massacre de Munique”, dirigimo-nos para Dachau.
Ao chegar ao ‘Campo da Morte’, a esposa balbuciou ao ouvido do marido:
- “É a primeira vez que cá venho, mas não entro. Diz aos teus amigos que, lá dentro, não julguem o povo alemão. Não foram os alemães quem cometeu estes crimes horrendos, mas sim um grupo de criminosos fanáticos e seus colaboradores”. E assim fizemos…
E foi em religioso silêncio que percorremos a primeira ‘fábrica de morte’ nazi onde terão morrido cerca de trinta mil pessoas.
A memória deste episódio, já longínquo, veio-me à mente, na noite de 22 de março quando, ao entrar na ‘Sala Suggia’ da Casa da Música a vi completamente cheia para assistir ao concerto anual do pianista russo Grigory Sokolov.
Cumprido o programa, o concerto, por insistência do público, prolongou-se por mais meia hora com seis ‘encores’. E mais não foram porque, entretanto, as luzes da sala se acenderam…
E lembrei Munique porquê?
Porque, assim como, perante os horrores de Dachau, não confundi a grande Alemanha de Kant e Bach, com Hitler e seus apaniguados, também, agora, não confundo a barbárie sanguinária de Putin e seus comparsas com o povo russo, embora lamente a “vulgaridade do mal” que Ana Arendt (Eichman em Jerusalém) já denunciara na sociedade alemã durante o domínio nazi. Jamais esquecerei ‘Os Irmãos Karamazov’, de Dostoievski (Moscovo, 1821 – S. Petersburgo, 1881), que li na juventude, e a ‘Missa’, de Stravinski (S. Petersburgo,1882- Nova Iorque,1971), que cantei, na Sé do Porto, com a Schola Cantorum do Seminário Maior.
E as gentes do Porto, mais uma vez, não regatearam aplausos ao pianista russo, nascido em S. Petersburgo em 1950, Grigory Sokolov, “um dos maiores da atualidade”.
Não, não cultivamos a ‘russofobia’, como acusou Putin, no passado dia 9, mas defendemos uma Europa democrática e livre de opressores.
Somos, sim, contra esta invasão “absurda e cruel” que, ‘martiriza o povo ucraniano”, como diz o Papa Francisco.
Festejamos a queda do nazismo hitleriano em 1945, mas, também, a queda do ‘Muro de Berlim’, em 1989. Somos, sim, contra os ‘ditadores sanguinários’ e seus herdeiros…
Queremos uma Europa de paz; uma Europa de nações e não de impérios; uma Europa de bem, com a natureza, as pessoas e os povos, na linha da ‘Declaração Schuman’, proferida em 9 de maio de 1950 (cf. ‘Um Santo na Política’, VP, 24/11/2021) que está na origem da Comunidade Europeia e, em cujo aniversário, celebramos o ‘Dia da Europa’. (17/5/2023)
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