O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, abril 26, 2023

UMA LUFADA DE AR FRESCO

“Pela calçada da serra, /Subíamos distraídos /Aos domingos, que saudade/ Eu e tu muito entretidos. /A olhar pr’á nossa terra /A olhar nossa cidade.” (Popular – década de cinquenta) “Quem vem e atravessa o rio /Junto à Serra do Pilar /Vê um velho casario…” (Carlos Tê/Rui Veloso) Estas duas cantigas, bem distanciadas no tempo, mostram como o ‘velho’ Monte de S. Nicolau sempre exerceu uma forte atração sobre as gentes da sua vizinhança. Pelo silêncio meditativo, pelo ar puro, pela paisagem de sonho… E ainda hoje se cobre de turistas… Não foi por acaso que já em 1140, o bispo do Porto aí fundou um mosteiro de ‘freiras emparedadas’ de que fala Arnaldo Gama em “A Última Dona de São Nicolau e, no século XVI, o abade de Grijó construiu uma filial do seu mosteiro cuja igreja, inaugurada no tempo dos Filipes e dedicada a ‘Nossa Senhora del Pilar’, viria a mudar o nome do monte para Serra do Pilar. A partir de novembro de 1974, um novo Espírito começou a atrair outras gentes. Uma aragem fresca, feita de esperança e partilha… E em 1975, nascia a Comunidade Cristã da Serra do Pilar. Era seu obreiro, um jovem presbítero, ordenado em 1967, de nome Arlindo Magalhães. Segui com interesse o seu alvorecer. Porém, foi num ‘1.º de Maio’, do início da década de noventa, que, verdadeiramente, me apercebi do seu dinamismo. Aconteceu em Coimbrões, no tempo do Dr. Narciso Rodrigues e do P. Serafim Ascenção, num encontro que, a pedido do ‘Movimento Crentes Galegos’ - de que lembro Chao do Rego, Torres Queiruga, António Vilasó, Paco de Aguiño - organizei com cristãos do Porto. Entre estes, estava a Comunidade da Serra do Pilar representada por Vasco Fernandes, um leigo que, por nomeação episcopal, presidia à Comunidade, na ausência do P. Arlindo, então, a estudar teologia em Salamanca. Falou-nos das grandes intuições do seu fundador e das suas realizações: - Encontro Eucarístico, “o ponto de partida e o ponto de chegada para uma vivência autêntica da fé”; - Catecumenato para “todos os que após a sua catequese de infância não aprofundaram mais a sua fé e desejem uma consciência adulta de cristãos”; - Promoção da população das redondezas para “refazer o tecido social, pegar nas pessoas, torná-las fraternas, capazes de estabelecerem relações humanas”. A minha presença posterior nos encontros dominicais confirmou este testemunho apaixonado e permitiu-me vivenciar o sentir duma comunidade que tinha na Bíblia e no exemplo dos primeiros cristãos as fontes de inspiração. Para melhor esclarecimento, deixo à vossa reflexão duas citações. A primeira é parte da homilia do P. Arlindo na sua apresentação (3/11/1974) e consta da entrevista ‘A comunidade que desempoeirou o evangelho’, com António Marujo (Público,5/2/1995), no 20º aniversário da Comunidade, e reproduzida pelo 7Margens, no dia da sua morte. “É para isso que estou aqui: empenhado em descobrir convosco o rosto verdadeiro da Igreja, enegrecido, talvez escondido, por poeira de séculos; empenhado em descobrir convosco o verdadeiro dinamismo da palavra de Deus, numa liturgia viva e rica e numa vida de critérios evangélicos; empenhado em descobrir convosco o lugar de cada um no seio da comunidade cristã.” A segunda é o final da reflexão ‘Fragmentos da poética cristã do padre Arlindo Magalhães’, de Joaquim Félix, seu colega na Universidade Católica, aquando da celebração dos 50 anos da sua ordenação presbiteral (agosto de 2017), publicada por 7Margens (22/1/2023): “Queria terminar com uma frase que pode soar a provocação, como imagino que o padre Arlindo tantas vezes poderá ter sido interpretado: «A ausência de risco é sinal seguro de mediocridade». A sentença é de Charles de Foucauld. O evangelho de Jesus é mais do que uma segurança, não é? Sem cuidar que seja perfeito, nem imperdoável, já viram a mediocridade no padre Arlindo? Para mim, o padre Arlindo continua a ser despertador da esperança cristã, e, como padre, a dar-me entusiasmo para perseverar na firme vontade de Deus no serviço do seu povo. “ Agora, quando já se esbatem os ecos do seu falecimento (18/1/2023), quero manter viva a memória deste amigo, descontraído e solidário, desejando que, como grão de trigo, a sua vida produza muito fruto - cf. Jo.12,20. (26/4/2023)