VOU AO PSIQUIATRA...
No passado dia 22, no bairro dos pescadores no Furadouro, Ovar, meti conversa com um casal que, à porta de casa, aproveitava uma tarde soalheira. Ele, pescador e dono dum pequeno barco de ‘arte xávega’, consertava uma rede, ela bordava. A conversa alongou-se e a esposa falou da frescura do carapau acabado de pescar: “É só lavá-lo, pôr-lhe umas pedras de sal e grelhar”. E logo nos disse para, quando estiver a dar, aparecer em sua casa...
Esta simpatia fez-me recuar à infância dos nossos filhos em que a atividade profissional nos enchia os dias. Para descontrair e sempre que possível, íamos passear. E, a sorrir, dizia aos amigos: - “Vou ao psiquiatra.”
E recordei episódios que me ficaram na alma.
O primeiro passou-se bem a norte. Lembrei-o quando, com o Padre Fontes, fomos a casa da sua irmã Maria, em Tourém, Montalegre. Perguntei-lhe pelo senhor Lázaro. Disse-me que era o sacristão e falecera havia muitos anos. Então contei-lhe:
Na primeira vez que cá viemos, estava ele sentado na soleira da porta. Ao dizer-lhe que éramos do Porto, logo me interrompeu: - ‘Morri lá duas vezes. Quer dizer… Foi no hospital de S. João, mandaram-me embora para morrer em casa’. E acrescentou: - ‘Eu já morri três vezes. Se o senhor adivinhar o meu nome, ofereço-lhe a merenda”.
Pela conversa, tinha-me apercebido que era letrado em episódios bíblicos. Perguntei: - “Duas vezes, foi no Porto? – Sim. – A terceira foi alguém, com o seu nome, que morreu e ressuscitou. – Foi. – O senhor chama-se Lázaro. – Certo.” E fez questão em cumprir o prometido.
Outros aconteceram em terras do Além-Guadiana.
Era o final de julho e o calor apertava. Vindos de Olivença, parámos junto do castelo de Mourão. Estava lá o Carlitos, de nove anos, que nos perguntou: - “Querem visitar o castelo. Eu vou chamar o meu tio que foi almoçar.” – “Obrigado, mas antes, diz-nos onde há um fontenário que aqui a pequenada está com sede.” - “Venha comigo.” Seguimo-lo até que bateu a uma porta que se abriu: - “Mãe, está aqui um senhor do Porto e os meninos querem beber.” Entrámos para a sala e, passados momentos, a mãe apareceu com um fino ´serviço de copos’ e ofereceu-nos água com uma fidalguia que nos encantou.
Volvidos muitos anos, voltámos a Mourão. No largo da vila, meti-me num grupo de amigos que conversavam sobre a terra. No fim, perguntei-lhes como poderia dar um passeio no Alqueva. Logo o senhor Carvalho, o Australiano, se ofereceu para nos conduzir à casa dum amigo que tinha um barco. Infelizmente, não estava. No regresso à vila, com um sorriso, disse-me: - ‘Encoste aqui à sombra deste chaparro que é privado meu’. Parei e vi-o abrir uma porta e perguntar: - ‘Ó Lurdes, tens aí sopa de cação?’ – ‘Hoje, não, mas tenho de peixe. ‘ - ‘Vale o mesmo. É que estão aqui uns amigos do Porto que vêm almoçar connosco.’ E enquanto as senhoras preparavam o almoço, nós abríamos um melão e fatiávamos um presunto ‘pata negra’... Que bem nos soube! Ficamos amigos.
Muito mais haveria para contar… Não fora abuso e lembraria o sorriso duma ‘velhinha’, no castelo de Algoso em Vimioso, que nos convidou para a festa dos 100 anos que iria celebrar; o gosto com que António Pina, na nascente do Dão, nos convidou para um copo em sua casa; o saber apaixonado com que Adelino da Conceição nos guiou na antiga Sé da Egitânia, em Idanha-a-Velha; a gentileza do senhor Flores que, em Salvaterra do Extremo, Idanha, nos levou ao castelo de Penafiel; o carinho com que quatro senhoras, em Monsaraz, atafulharam os bolsos dos nossos filhos com amêndoas que estavam a descascar; a satisfação com que, numa taberna de Barrancos, a meu pedido os irmãos Alcario conversaram em ‘dialeto barranquenho’…
Terras bonitas e gente afável...
Era e continua a ser…
Ainda no passado dia 13 de janeiro, ao passar em Atilhó, Boticas, meti conversa com D. Henriqueta que ia a passar na rua. No final, gentilmente, convidou-nos para tomar um café em sua casa. E no dia 29, em Izeda, o senhor Veiga ‘obrigou-me’ a provar a sua jeropiga…
Que melhor terapia?... Enquanto puder… Como dizia Luís Moita, recém-falecido, ‘poder guiar, essa a grande libertação do aperto do espaço’ Já que, do peso do tempo, ninguém se pode evadir… ( 9/2/2023)
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