O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, novembro 16, 2022

A TEÓLOGA MAIS IMPORTANTE...

Em homenagem ao professor e humanista, laureado, em 2009, com o ‘Prémio de Cultura Árvore da Vida-Padre Manuel Antunes’, a quem o Presidente da Assembleia da República invocou como “Mestre de várias gerações” (JN, 24/10), apraz-me relevar o texto “A teóloga mais importante da minha vida foi a minha mãe”, (7Margens, 23/10). Nele, o jornalista António Marujo afirma: “Inspirado pelo pensamento social católico, admirador de personalidades como o padre, teólogo, filósofo e paleontólogo jesuíta Teilhard de Chardin, o líder da Democracia Cristã italiana Alcide de Gasperi ou o bispo português da Beira (Moçambique), Sebastião Soares de Resende, Adriano Moreira foi o político português que mais se assumiu como da corrente democrata-cristã”. O artigo oferece-nos, em anexo, a entrevista publicada na revista Fátima XXI, em maio de 2014, de que, com vénia, respiguei algumas falas. Merece ser lida na sua versão integral. António Marujo - “O que é para si, hoje, ter fé? Adriano Moreira - “A teóloga mais importante da minha vida foi a minha mãe. (…) Toda a minha educação religiosa foi feita pela minha mãe e a definição que ela me deu de Deus é que Deus é companheiro. Esta é uma definição que eu nunca esqueço e me acompanhou para sempre.” Para logo acrescentar: - “Deus é uma referência que está sempre presente, sobretudo quando se trata de assumir responsabilidades, tomar decisões que afectam o outro: uma sociedade mais justa, momentos difíceis da vida”. A uma pergunta sobre o mundo atual, respondeu: – “A sociedade do bem-estar, de esperança, de dignidade humana respeitada está extremamente deteriorada e essa deterioração teve e tem expressão na degradação da escala de valores. Para mim, este exemplo chega. O valor das coisas foi substituído pelo preço das coisas. E os valores fundamentais foram subvertidos pelos valores instrumentais. A eficácia, que tem a sua melhor expressão no lucro, é valor superior a qualquer dos valores fundamentais”. P. – Quando falamos de crise de valores, de que crise falamos? R. – Esquecemo-nos que é preciso colocar o respeito no lugar da tolerância. Há valores fundamentais sobre os quais não pode haver tolerância. Naturalmente, isso acontece em todas as áreas culturais. (…) A busca do paradigma comum é fundamental, mas ela torna-se mais difícil quando a pertença às igrejas institucionalizadas está a ser diminuída. (…) As estatísticas dizem agora que a filiação a uma Igreja institucionalizada, sobretudo na Europa e no Ocidente, em geral, está a diminuir e a diminuir severamente.” P. – Mas as pessoas não se desligam de Deus… R. – “O apelo à transcendência está, todavia, a aumentar e isso é que dá origem a estas redes de organizações com as quais se preocupam as autoridades espirituais e políticas. (…) Para mim, um valor comum é este: cada homem é um fenómeno que não se repete na história da humanidade. (…) É inegociável e irrenunciável.” P. – O afastamento das pessoas em relação ao religioso instituído, em contraste com o crescimento da busca da espiritualidade, do apelo à transcendência, não se relaciona também com a crise das instituições religiosas? R. – “Tomando o exemplo do cristianismo, há sempre três perspectivas a considerar. Uma é a da fé – o Cristo da fé; outra é o Cristo da história – em relação ao qual aparecem muitas vezes divergências de opinião, como é natural; a outra é a crise da própria Igreja, como agora está a acontecer. Neste momento, é esta instituição religiosa que está a ser objecto de ataques e feridas reais que todos conhecem e isso deve ser enfrentado.” Esta resposta, dada há mais oito anos, reveste-se da maior pertinência nos dias que passam, como escreveu D. François Bustillo: “Quantas dores, quantas faltas, quantos tsunamis, por causa dos costumes! Não é fácil aceitar escândalos tão graves que desfiguram o rosto da Igreja. Vivemos como numa Sexta-Feira Santa em que somos estigmatizados e condenados. A violência dos clamores: ‘crucificai-O, crucificai-O! ‘da multidão de ontem é semelhante aos gritos da multidão mediática de hoje. O gemido é discreto mas doloroso” (A vocação do padre perante as crises, pág. 14)). (16/11/2022)