A cultura e a espinha dorsal de um povo
No dia 18 de setembro, o Porto esteve em festa.
De manhã, milhares de pessoas concentraram-se nas avenidas do mar para participar e
assistir à ‘Meia Maratona do Porto’. De tarde, foi bem no coração do centro histórico e
com grande impacto junto dos turistas.
A paróquia de S. Nicolau voltou a organizar a ‘Procissão da Senhora do Ó’ que foi
precedida pela ‘Adoração do Santíssimo’.
Recebida a Bênção, deu-se início com a cruz paroquial à frente, seguida pelos grupos,
confrarias e irmandades da paróquia. E pelos andores da Senhora do Ó, de S. Nicolau e
da Senhora das Dores. No fim, o pálio. A mim, coube-me pegar a uma das varas, lugar
privilegiado para as vivências que agora partilho.
Ao saímos da igreja, já a Praça do Infante, que lhe fica defronte, se enchera de centenas
de turistas que acorreram para, o mais próximo possível, registar tão surpreendente
atração.
Na rua do Infante D. Henrique, a procissão seguiu entre alas que se acumulavam nas
confluências das ruas da Alfândega, de Mouzinho de Silveira, de S. João e dos
Mercadores.
Enquanto caminhava, meus olhos treparam pelo ‘Monte da Pena Ventosa’. A meio da
encosta, pararam no edifício seiscentista (1577) que nasceu como Colégio dos Jesuítas
e, há mais de 150 anos, alberga o Seminário de Nossa Senhora da Conceição. E, lá no
cimo, fixaram-se na vetusta Sé medieval, consagrada à Senhora da Assunção, padroeira
da diocese, que alberga a imagem da Senhora de Vandoma, padroeira da cidade. E
pensei: neste punhado de cristãos, é a Igreja do Porto que manifesta o seu amor à
‘Senhora-de-Todos-os-Nomes”. E o Porto – ‘Cidade da Virgem – revela a sua matriz
cultural.
À passagem dos andores e ao som da banda musical, o ‘Túnel da Ribeira’ fez-se
catedral em louvor da ‘Senhora do Ó’, a Mãe que espera – ‘Senhora da Expectação’ – o
nascimento do Filho que lhe cresce no seio e avoluma o ventre.
Na rua da ‘Ribeira Negra’, a multidão apinhava-se junto à Ponte de D. Luís, subia pelas
‘Escadas do Codeçal’ e, lá bem no alto, debruçava-se nas guardas da ponte para captar
imagens tão singulares numa paisagem de sonho.
Depois, percorremos o ‘Cais da Ribeira’. Era um mar de gente que se comprimia no
passeio marginal e nos parapeitos da Muralha Fernandina. As esplanadas estavam a
abarrotar de clientes. À passagem do pálio, fazia-se silêncio. Havia quem genufletisse,
quem se benzesse. Dos que estavam nas mesas, uns levantavam-se, outros faziam
fotografias e vídeos. Todos assumiam uma atitude respeitosa.
Ao longo do percurso, muitos foram os que se incorporaram na procissão de modo que,
ao fim do Cais da Estiva, já era grande o número que a seguia.
No Largo do Terreiro, a Capela da Senhora do Ó estava de portas abertas e havia muita
gente que genufletia à passagem da imagem da sua devoção. As escadas do Muro dos
Bacalhoeiros estavam repletas e muitos se acotovelavam em busca da melhor fotografia.
Depois, seguiu-se a Reboleira e o regresso à igreja. A procissão foi abrilhantada pela
Fanfarra dos Bombeiros Portuenses e pela Banda Musical de S. Pedro da Cova.
Na sacristia, felicitei o P. Jardim e perguntei-lhe se as autarquias tinham participado nas
despesas. Respondeu-me que nem um cêntimo recebera. Como se entende?
Cultura é o modo de viver dum povo que, em cada momento (dimensão sincrónica) sabe
integrar os valores que lhe vem do passado (dimensão diacrónica). É a coluna vertebral
que lhe dá identidade e juízo crítico face às influências exógenas que o avassalam. Um
povo sem cultura é uma sociedade sem bússola. Nem tradição sem evolução; nem
evolução sem tradição.
E questionei-me. Esta procissão não é uma expressão da alma do Porto? Não fará parte
do seu ‘património’?
Não foi, certamente, por motivos de fé que centenas e centenas de turistas fixaram
imagens que irão encher as redes sociais e revelar ao Mundo traços identitários do
‘Porto-Património da Humanidade’…
Não foi, certamente, pelos seus monumentos que o Porto - em competição com cidades
como Amesterdão, Barcelona, Berlim, Lisboa, Londres, Roma, Veneza, Viena - acaba
de receber em Espanha, pelas mãos da vereadora do Turismo da Câmara, o troféu de
‘melhor destino de cidade da Europa’ (JN,3/Out)…
Não será missão das autarquias valorizar a preservação dos seus valores culturais? (13/10/2022)
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