'A MINHA TEOLOGIA QUER SER UM SERVIÇO LIVRE AO EVANGELHO'
Este é o título da entrevista com Torres Queiruga que a revista ‘Vida Nueva’ acaba de publicar (febr. 2023).
Com significativa presença no Porto, de que lembro, entre outras, conferências na Faculdade de Letras, na Universidade Católica, no Centro de Cultura Católica, na Fundação António José de Almeida e no Seminário da Boa Nova, este teólogo de Santiago de Compostela é grande admirador de D. António Ferreira Gomes e sempre recorda, com emoção, “a visita àquele obispo valiente desterrado por Salazar (Repensar a Teoloxia, Recuperar o Cristianismo – Homenaxe a Andrés Torres Queiruga, Pag. 585) que tão bem o recebeu na sua casa de família em Milhundos, Penafiel, onde descansava na 2ª feira de Páscoa de 1970.
Dada a sua pertinência e acuidade, respiguei algumas passagens que deixo para reflexão.
Questionado sobre a acusação que, às vezes lhe é feita, de que a sua teologia confunde o Povo de Deus, Queiruga respondeu: “O Povo de Deus não é tonto e o que precisa é duma explicação compreensível e atualizada da fé”. Para logo acrescentar: “Devo confessar que, por vezes, sinto-me melhor compreendido e mais cordialmente interpretado por estes leitores ou ouvintes do que por alguns especialistas em teologia”.
Pergunta - Porque razão se quer apresentar como algo de ‘incompatível’ o legítimo pluralismo teológico com a ‘fé dos simples’?”
Resposta - “Procuro compreendê-lo porque, neste assunto, o sentido histórico ajuda a esclarecer. A transformação em que está metida a elaboração teológica é de grande vulto. Visto em perspetiva, significa mudar um rumo teórico de mais de mil e quinhentos anos. O que recebemos até ontem configurava, de maneira profunda, o imaginário religioso e nunca é fácil nem simples tocar no sagrado ou naquilo que se considera como tal. Por sua vez, os que estudaram teologia fizeram-no em textos pré-conciliares e, quando já se ia a caminho, veio a restauração anterior ao papa Francisco. Muitos sacerdotes jovens foram formados nela e isso nota-se, inclusive comparando com os sacerdotes mais velhos. Falar da ‘fé dos simples’ pode ser uma espécie de defesa instintiva.”
P. – “Com o Papa Francisco sente-se mais livre no desempenho do seu trabalho?”
R. – “A mudança é tão evidente que todos a notamos. Porém, o meu trabalho continuou exatamente na mesma linha de sempre porque nunca deixei de exercer a teologia como um serviço livre ao Evangelho: poderei equivocar-me, porém, fiz o voto (é um modo de falar) de não afirmar ou propor nada em que não creia de verdade. É muito claro para mim que nisso se joga a credibilidade da fé e a honorabilidade da teologia.”
P. – “É ‘renhida’ a relação entre a fidelidade à tradição e ao magistério e o trabalho investigador do teólogo e a sua liberdade de ensino?”
R. – “Seria muito mau se assim fosse. O papel da teologia consiste, precisamente, na investigação livre e criativa: é sua obrigação e seu direito. Curiosamente, os teólogos medievais tinham isto claro e distinguiam bem entre ‘magistério da cátedra pastoral’, o do papa e os bispos, e o ‘magistério da cátedra magistral’, o das universidades e teólogos. E a esta segunda se recorria, antes de tudo, nas questões teológicas. O equilíbrio foi quebrado sobretudo a partir do Vaticano I”.
P. “A Igreja voltou a confiar nos seus teólogos ou pensa que se trata apenas do empenho pessoal do papa Francisco, permanecendo, contudo, as resistências e suspeitas do passado noutras instâncias eclesiais?”
R. “Do ponto de vista da história da teologia, é um empenho tão lógico e natural que o papa Francisco nada mais fez – e fez muitíssimo – do que dar-lhe carta de cidadania eclesial. As resistências são fortes porque recebem o impulso e o peso de uma inércia milenar.
Todavia, esta mesma crise está a abrir caminhos de futuro, incluindo, paradoxalmente, as críticas que se lhe fazem, tão incompreensíveis e, em muitos casos, teologicamente, absurdas. Que o papa atual as tolere, com uma postura democrática que, até ontem, era inconcebível, está a legitimar o princípio da liberdade crítica na Igreja. Até que se restabeleça minimamente um novo equilíbrio – e creio que assim sucederá – o avanço irá notar-se e aparecerá, como obviamente legítima, uma crítica sadia e livre na Igreja. Então, o ar eclesiástico será mais puro e respirável. Mais evangélico.” ( 15/2/2023)
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