O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, abril 19, 2023

A PROPÓSITO DO 25 DE ABRIL...

Uns tempos após a ‘Revolução Libertadora’ - 49 anos são passados – numa ‘sessão de esclarecimento’ em Contumil, o coordenador começou por dizer: “Há uma presença aqui que quero saudar de modo especial”. E contou: “Estava eu no mato, em Angola, quando, um dia, recebi o ‘Norte Desportivo’. Surpreendido, perguntei à minha avó, se sabia quem mo enviara e ela disse: “O senhor Padre pediu, na Missa, o endereço dos jovens que estavam na guerra e eu dei o teu. Bem decerto foi ele”. A partir daí, passámos - meus colegas também o esperavam ansiosos - a receber regularmente um jornal, quase sempre desportivo. Chegava com semanas de atraso, mas era lido como se tivesse acabado de sair. Era um dos raros momentos de descontração num tempo de muito sofrimento e saudades. A ele o agradeço. Soube, depois, que, na paróquia, havia um grupo de jovens que mos enviava. Lembrei-me deste episódio ao ler ‘Farda ou Fardo? - Aquém e Além-Mar em África’, um livro que, como diz Manaira Athayde, da Universidade de Coimbra, “fala sobretudo da condição humana. Está lá a despedida do pai que, enfermo, não voltaria a ver o filho combatente; as mulheres que, aquém-mar, prontificaram-se a ser um sustentáculo emocional para os que partiram para a guerra; a luta pela sobrevivência acompanhada da aprendizagem com a savana e a selva, e com a selva humana”. Nesta obra, Carlos Jorge Mota descreve, com minucioso pormenor, um período curto da sua vida, (1968-1971) mas que o marcou para sempre, como confessa no final da sua narrativa: “Adeus às Armas! Fim da Guerra! Mas será que foi mesmo o fim da Guerra? NÃO, NÃO, NÃO FOI! Constatamos todos nós, Combatentes, isso, hoje. Ela somente hibernou… as nossas cabeças apenas entraram num período de nojo…Sim, porque a Guerra é mesmo um nojo!... (pág. 140)” Um livro que respira juventude em sofrimento. Um amontoado de nuvens negras onde, só muito raramente, espreita uma nesga de azul… Apenas três momentos: - ‘Em Terras-do-Fim-do Mundo’, no sul de Angola, a morte sempre à espreita… “Colocaram uma Mina Anticarro na picada (…) A Berliet da frente da coluna (…) aciona o dispositivo escondido debaixo da areia. (…) (O condutor) foi mortalmente atingido por peças que se soltaram. Outros sofreram ferimentos, alguns evacuados de imediato… (pág. 83)”. - A disponibilidade do capelão que, a seu pedido, se deslocou de longe para celebrar a Missa de 30º dia da morte de seu pai. “Montou-se um ‘altar’ improvisado com a tampa do motor duma Berliet, assente em estacas de madeira. (…) Houve pessoal que aproveitou para assistir a essa Missa. Apesar de eu não ser pessoalmente um Ser muito crente. (…) Homem generoso, bom e corajoso. (pág. 105)” - No regresso, já em Luanda, uma experiência dolorosa e inesperada…. - “Uma vez a viatura cheia (de indocumentados), deslocámo-nos à Esquadra da PSP, entregámos os cidadãos para os devidos efeitos: identificação, morada, profissão. (…) Mas…eis que logo à passagem do portão, verifico que, à medida que os cidadãos desciam, sem nada lhes ser perguntado, começavam a levar pontapés, estalos, socos. Eles procuravam proteger-se das agressões, mas infrutiferamente. Lá dentro, na sala, era chicote que entrava em ação. E uma amarga conclusão Nesse momento senti uma revolta interior, vi ali o Rosto do Colonialismo. (…) Procedimento desumano e que contrariava toda a filosofia de interligação racial apregoada. Fariam o mesmo se os homens fossem brancos? Não fariam, com toda a certeza!... Naquele momento percebi que todo o meu esforço ao longo daqueles 26 meses não tinha razão de ser. Eu tinha sido enganado. (pág. 130)” Este o testemunho dorido dum amigo de longa data. Muitos outros por lá penaram; alguns lá morreram; e não poucos regressaram com mazelas no corpo e/ou na alma. Há chagas que perduram… “Sim, porque a Guerra é mesmo um nojo!...” Não há guerras justas nem guerras santas e, muito menos, guerras cristãs. São sempre contra o Homem e contra Deus. Não é por acaso que o ‘Não invocar o Santo de Nome de Deus em vão’ é o 2º Mandamento, a seguir ao ‘Adorar a Deus…’ E o ‘Não matar’ é o 5.º ou seja, o 2.º dos mandamentos que dizem respeito ao próximo, logo após o ‘Honrar pai e mãe’. Esta ordem não é arbitrária… E Jesus foi muito mais além e aponta-nos bem mais alto: “É este o meu Mandamento: que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei. -Jo 15,12” (19/4/2023)