'TRANSFORMAR O AZEDO EM DOCE'
A Câmara de Montalegre noticiou: “22/2/2023 - O padre Fontes apresentou a sua mais recente obra literária. Casa cheia no Ecomuseu de Barroso para assistir ao lançamento de um livro que revela os diários assinados pelo pároco no período de 1958 a 1961. Uma cerimónia carregada de emoção com vários testemunhos que lembraram o trajeto singular desta figura excelsa do concelho de Montalegre”.
Era o dia do seu aniversário natalício.
A sua Presidente, Fátima Fernandes, afirmou:
«São 83 anos de grande riqueza e de promoção da terra que ama. As obras do padre Fontes são magníficas porque dão a conhecer aos vindouros aquilo que somos e aquilo que pretendemos. É um homem bom em todos os domínios. Foi bom na profissão que escolheu, na sua postura social, educativa e cívica. Foi bom familiar e bom amigo por isso tem aqui muitos admiradores e devedores. Todos nós devemos ao padre Fontes porque foi ele que colocou esta terra no mapa.»
Como testemunha vivencial deste árduo e profícuo trabalho, cumpre-me dar relevo ao reconhecimento autárquico do contributo da Igreja, na pessoa do P. Fontes - leitor atento da VP - na promoção duma região, até então, perdida no mapa.
E faço-o na Semana Santa, porque foi numa já longínqua Sexta-Feira-Santa, dos inícios de oitenta, que, pela primeira vez, me desloquei a Vilar de Perdizes para assistir ao ‘Auto da Paixão’ que me fez lembrar o ‘Ato da Primavera’ de Manuel de Oliveira.
Foi, então, que conheci o P. Fontes.
Após isso, tomei conhecimento do jornal Notícias de Barroso que ele fundara em 1972 e dirigiu até 2005. Muitos dos seus artigos foram coligidos, em 2021, no livro “Memórias do Barroso”.
E minha admiração cresceu quando li a sua obra-prima “Etnografia Transmontana” (3 vol.), onde preserva a memória, dizia, dum “mundo que está a acabar”.
A partir de então, passei a organizar, anualmente, visitas de estudo a Montalegre com alunos do Ensino Secundário e seus professores. O P. Fontes sempre nos recebia e, nas palestras, sabia, com humor, captar a atenção dos alunos.
Também os meus colegas do Ensino Básico sentiram a sua simpatia quando, numa visita ao Barroso, lhes franqueou as portas da sua residência, e, muito especialmente, numa noite em que, no seu carro e a expensas suas, trouxe do Barroso um grupo de concertinas para animar uma festa-arraial na nossa escola em Rio Tinto.
E o Coro Gregoriano do Porto teve o prazer de cantar uma Missa na matriz Vilar de Perdizes…
Na década de noventa, com apoio do I.P.J, dinamizou ‘campos de férias’ sobre ervas medicinais orientados por Ana Pitinhas, uma especialista na matéria. No de 1994, em que participou nosso filho, estiveram, maioritariamente, jovens de Lisboa.
Para além do Congresso de Medicina Popular que fundou em 1983, organizou congressos internacionais sobre Arquitetura Popular, Caminhos de Santiago, História Medieval e, em 1977, S. Rosendo.
Para já não falar na ‘Sexta-feira 13’, em Montalegre; no Halloween, em Vilar de Perdizes; no rito da ‘matança e partilha do porco’, em Dia de S. Sebastião, no telheiro da sua casa…Que frio estava!...
Das suas muitas publicações, destaco: ‘Memórias do Barroso’; ‘Os chás dos Congressos de Vilar de Perdizes’; ‘Aras Romanas’ e ‘Terras do Barroso Desaparecido’. É coautor de títulos como ‘Medicina Popular’; ‘Mitos, Crenças e Costumes da Raia Seca’; ‘Costumes do Barroso’.
Na apresentação dos seus ‘Diários 1958-61’, disse: “Quis dar este testemunho para as pessoas saberem um pouco da minha vida e como se pode ser padre. Explicar um pouco como se luta por esta vocação. Gosto de saborear a vida. Transformar o azedo em doce”.
Estes ‘Diários’ de quando era ainda um jovem seminarista em Vila Real – ordenou-se em 1963 - revelam já um inveterado bibliófilo e um intelectual interventivo; um observador com apurado sentido crítico e fino espírito de humor; um introspetivo muito exigente na sua autoavaliação; um apaixonado pela sua terra e seus valores; uma personalidade rica e plurifacetada, avessa a rigorismos normativos e atenta à máxima paulina: “A Letra mata mas o Espírito vivifica” (II Cor 3,6).
“O homem é um mundo de mistérios.” (9/6/1961) “Sou todo de dentro.” (8/11/1961)
Termino com o que escreveu, na Sexta-Feira Santa de há 62 anos:
”Para seguir-Te no caminho real até ao trono do Calvário é preciso seguir-Te primeiro na abnegação, na renúncia, na humildade, no adeus às criaturas e no amor único a Ti” (31/3/1961)
SANTA PÁSCOA! (4/4/2023)
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