O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, março 10, 2021

CONTEMPLATIVO NA AÇÃO

Vai tarde a minha homenagem mas não com menos gratidão… Nos meus arrumos em tempo de confinamento, encontrei um exemplar de “Nos Alvores da Obra Diocesana”, com a dedicatória: “Para o P. Zé Maria, o amigo a quem agradeço as palavras e o exemplo”. Fiquei pesaroso por não lho ter oferecido. Ele bem merecia porque seguiu de perto o trabalho socio-pastoral da ‘Obra dos Bairros’. São muitas as recordações. Refiro apenas duas. . Em 1973, um grupo de padres do Porto, de que fazia parte o P. José Maria Cabral Ferreira sj, elaborou uma homilia para ser lida no dia das eleições para a Assembleia Nacional (20/10). Na 6ª feira anterior, enviámo-la para D. António que, ao recebê-la, logo nos convocou para uma reunião. Foi uma conversa longa. Manifestou algumas reservas quanto à sua oportunidade e estilo, muito direto e incisivo. Estaria bem enquadrado, dizia, na ‘Teologia da Libertação’ na América Latina… Mas não discordava do seu conteúdo como ficou claro quando um dos presentes perguntou: - “D. António, encontra algum erro teológico?” – “Não.” – “Há alguma mentira nos factos denunciados?” – “Não.” – “Se eu for preso, o senhor Bispo irá a tribunal repetir o que agora disse?” – “Vou”, respondeu sem qualquer hesitação. Mas não foi preciso, embora todos tenham acabado por fazer a homilia. Dessa conversa, recordo a estima com que o senhor Bispo se dirigia ao P. Zé Maria a quem sempre tratava por “Senhor Professor”. E também a finura intelectual e a delicadeza deste quando apresentava opiniões divergentes. . No início da década de setenta, na cidade do Porto, organizaram-se diversas equipas de presbíteros que se voluntariavam para, durante a quaresma, ir às paróquias orientar uma reflexão semanal. O P. Zé Maria e o P. António Mota escolheram uma paróquia pobre e periférica. Era à sexta-feira à noite. Após as palestras, seguia-se o diálogo com a assistência que lotava a igreja. O P. Zé Maria aliava grande paciência no ouvir à amabilidade no responder mesmo quando era contraditado o que acontecia com muita frequência. Tornou-se da família, como se via nos convívios que a paróquia, na Pascoela, oferecia a quem colaborava nas cerimónias pascais. Parece que ainda estou a ver o seu sorriso no encontro que se realizou no seminário do Bom Pastor. Era assim o P. José Maria Cabral Ferreira. Intelectual prestigiado, sociólogo e professor universitário, mas também um pastor que gostava do “cheiro das ovelhas”, especialmente das “periferias existenciais”. Aquando da sua morte (14/9/2017), o P. Vasco Pinto de Magalhães, sj, escreveu: “O Padre Zé Maria não era um sociólogo de cátedra. As suas aulas, quer na Faculdade de Arquitetura quer no Instituto de Serviço Social do Porto (e na faculdade de Filosofia de Braga), marcaram fortemente várias gerações. Mas onde se sentia mesmo bem era no trabalho de campo. A alegria com que participava nas celebrações da Comunidade da Serra do Pilar e a admiração pelos seus amigos “padres operários”, a presença no Banco Alimentar do Porto mostram bem a sua inquietação pela justiça e pelos “esquecidos”, juntamente com seu sentido crítico e ao mesmo tempo apaixonado, fazem o seu retrato. Era um intelectual afectivo e um afectivo intelectual”(10/3/2021)