Faz hoje 40 anos…
É contigo, meu pai, que eu quero falar.
Hoje de manhã a minha Ana ofereceu-me um pólo. Logo à noite, vamos beber uma taça de espumante e comer um jantar de festa com cabrito e tudo. E os nossos genebrinos também irão beber uma taça.
E sabes porquê? Porque hoje faz 40 anos que eu e tu bebemos juntos a última taça de champanhe. E é assim que te recordo. Escolhi esta data para te recordarmos em festa. Não, não é no dia do teu nascimento. Também não é no dia da tua morte. Esses foram dias que te aconteceram. Não foste tu que os fizeste. Mas o dia de hoje, sim, é sinal de ti, do teu amor pela humanidade, da tua vontade de viver, da tua abertura a tudo o que era novo, a tudo que honrava o homem. Lembras-te?
Tu já estavas muito doente. Só viveste mais uns meses. Tinhas vindo viver para a minha casa no Porto para estares próximo do médico e do hospital onde ias fazer transfusões de sangue. Gostavas de estar em minha casa. Só me pedias um rádio e o jornal diário. E tu preenchias o teu dia a ler e a ouvir as notícias de que, à noite, falávamos
Mas nesse dia de há 40 anos, não ficaste no teu quarto, vieste para a sala ver televisão comigo. Assistimos à chegada do homem à Lua. Com que alegria viveste esse momento que, no dizer do comandante da Apolo 11, Neil Armstrong, foi “Um pequeno passo para um homem, um salto gigantesco para a Humanidade.” Como brilhavam os teus olhos…
Depois de assistirmos às imagens dos primeiros passos do homem na Lua, tu quiseste vir para o exterior, para o pátio da casa e olhar para a Lua que lá no alto, em tempo de lua cheia, inundava de luar a cidade. E como ficaste satisfeito quando eu te surpreendi e abri uma garrafa de champanhe, deixando a rolha saltar em direcção à Lua. E celebramos em honra da Humanidade. E brindámos à inteligência humana e louvamos Aquele que dera ao homem tal poder. E bebemos uma taça. Tu já bebeste pouco, mas não deixaste de beber. Acompanharam-nos a D. Amélia e a Maria Laurinda. E, tu, com aquele teu jeito brincalhão, fitavas os olhos na Lua e dizias: - “ó Laurinda eu parece-me que estou a ver um homem a andar na Lua com uma bandeira às costas. E tu, não vês?” E ela, muito reverencial, respondia à tua brincadeira: “ Senhor Moreira Dias, eu não vejo a não ser que seja naquela parte mais escura que eu estou a ver na Lua. Não vê? – Eu vejo, respondias tu, Mas vejo qualquer coisa a mexer”. E a brincadeira prolongou-se por longos momentos de felicidade.
Como te recordo, meu pai… É assim que te vejo nos meus sonhos… Sempre vivo. Sempre atento a tudo o que dignificava o homem. Sempre desejoso de saber mais.
Lembras-te das minhas férias? Quando me vias a ler um livro sempre me pedias para to deixar ler. Uma vez ficaste deveras zangado quando eu te respondi: -“ Não, pai, este não lhe posso emprestar. Não é um livro para si”. Ao ver-te zangado, dei-te o livro para a mão. E, tu… logo te abriste num sorriso: - “É verdade, filho, este livro não é para mim. Está em francês e eu não sei francês…” E rimo-nos os dois. E há uma coisa que te quero contar e pedir-te desculpa. Quando estavas em casa e eu queria sair sem tu saberes, a minha técnica era sempre a mesma: simulava que estava a ler um livro. Tu logo me pedias para o ler. Eu dava-to e tu, passados uns minutos, ficavas a dormir… e eu já podia sair…
Como eu gostava de falar contigo sobre política. Sabes que a partir de um certo momento eu comecei a pensar diferente de ti. Mas tu não te zangaste. Antes, pelo contrário, foste assumindo uma posição crítica face ao “Regime” o que te levou a pedir demissão de vereador da Câmara, com grande estupefacção dos teus correligionários.
Lembras-te daquela conversa que tivemos junto da capela de Santa Justa quando a mãe foi operada a uma hérnia umbilical? Desculpa pelas lágrimas que fiz verter. Foi a única vez que vi lágrimas nos teus olhos. Como tu me compreendeste!... Foi a primeira vez que te ofereci um cigarro e tu fumaste e quiseste que eu também fumasse. Nunca antes o tinha feito à tua frente.
Pai, quantas recordações… Sempre me acompanhaste: no primeiro dia de escola, no dia da primeira comunhão, no exame de 4ª classe, no exame de admissão, nas minhas idas e vindas do colégio… A mãe, coitadita, ficava em casa a fazer de comer para a família. Era a única mulher para tratar de muitos homens…
Hoje de manhã a minha Ana ofereceu-me um pólo. Logo à noite, vamos beber uma taça de espumante e comer um jantar de festa com cabrito e tudo. E os nossos genebrinos também irão beber uma taça.
E sabes porquê? Porque hoje faz 40 anos que eu e tu bebemos juntos a última taça de champanhe. E é assim que te recordo. Escolhi esta data para te recordarmos em festa. Não, não é no dia do teu nascimento. Também não é no dia da tua morte. Esses foram dias que te aconteceram. Não foste tu que os fizeste. Mas o dia de hoje, sim, é sinal de ti, do teu amor pela humanidade, da tua vontade de viver, da tua abertura a tudo o que era novo, a tudo que honrava o homem. Lembras-te?
Tu já estavas muito doente. Só viveste mais uns meses. Tinhas vindo viver para a minha casa no Porto para estares próximo do médico e do hospital onde ias fazer transfusões de sangue. Gostavas de estar em minha casa. Só me pedias um rádio e o jornal diário. E tu preenchias o teu dia a ler e a ouvir as notícias de que, à noite, falávamos
Mas nesse dia de há 40 anos, não ficaste no teu quarto, vieste para a sala ver televisão comigo. Assistimos à chegada do homem à Lua. Com que alegria viveste esse momento que, no dizer do comandante da Apolo 11, Neil Armstrong, foi “Um pequeno passo para um homem, um salto gigantesco para a Humanidade.” Como brilhavam os teus olhos…
Depois de assistirmos às imagens dos primeiros passos do homem na Lua, tu quiseste vir para o exterior, para o pátio da casa e olhar para a Lua que lá no alto, em tempo de lua cheia, inundava de luar a cidade. E como ficaste satisfeito quando eu te surpreendi e abri uma garrafa de champanhe, deixando a rolha saltar em direcção à Lua. E celebramos em honra da Humanidade. E brindámos à inteligência humana e louvamos Aquele que dera ao homem tal poder. E bebemos uma taça. Tu já bebeste pouco, mas não deixaste de beber. Acompanharam-nos a D. Amélia e a Maria Laurinda. E, tu, com aquele teu jeito brincalhão, fitavas os olhos na Lua e dizias: - “ó Laurinda eu parece-me que estou a ver um homem a andar na Lua com uma bandeira às costas. E tu, não vês?” E ela, muito reverencial, respondia à tua brincadeira: “ Senhor Moreira Dias, eu não vejo a não ser que seja naquela parte mais escura que eu estou a ver na Lua. Não vê? – Eu vejo, respondias tu, Mas vejo qualquer coisa a mexer”. E a brincadeira prolongou-se por longos momentos de felicidade.
Como te recordo, meu pai… É assim que te vejo nos meus sonhos… Sempre vivo. Sempre atento a tudo o que dignificava o homem. Sempre desejoso de saber mais.
Lembras-te das minhas férias? Quando me vias a ler um livro sempre me pedias para to deixar ler. Uma vez ficaste deveras zangado quando eu te respondi: -“ Não, pai, este não lhe posso emprestar. Não é um livro para si”. Ao ver-te zangado, dei-te o livro para a mão. E, tu… logo te abriste num sorriso: - “É verdade, filho, este livro não é para mim. Está em francês e eu não sei francês…” E rimo-nos os dois. E há uma coisa que te quero contar e pedir-te desculpa. Quando estavas em casa e eu queria sair sem tu saberes, a minha técnica era sempre a mesma: simulava que estava a ler um livro. Tu logo me pedias para o ler. Eu dava-to e tu, passados uns minutos, ficavas a dormir… e eu já podia sair…
Como eu gostava de falar contigo sobre política. Sabes que a partir de um certo momento eu comecei a pensar diferente de ti. Mas tu não te zangaste. Antes, pelo contrário, foste assumindo uma posição crítica face ao “Regime” o que te levou a pedir demissão de vereador da Câmara, com grande estupefacção dos teus correligionários.
Lembras-te daquela conversa que tivemos junto da capela de Santa Justa quando a mãe foi operada a uma hérnia umbilical? Desculpa pelas lágrimas que fiz verter. Foi a única vez que vi lágrimas nos teus olhos. Como tu me compreendeste!... Foi a primeira vez que te ofereci um cigarro e tu fumaste e quiseste que eu também fumasse. Nunca antes o tinha feito à tua frente.
Pai, quantas recordações… Sempre me acompanhaste: no primeiro dia de escola, no dia da primeira comunhão, no exame de 4ª classe, no exame de admissão, nas minhas idas e vindas do colégio… A mãe, coitadita, ficava em casa a fazer de comer para a família. Era a única mulher para tratar de muitos homens…
2 Comments:
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Johnny, at 8:32 da tarde
Amamos-te como filhos da mesma forma que tu amaste o teu pai. O vosso exemplo é a lanterna que nos ajuda a deslumbrar o caminho a nossa frente.
Ze, Eli e Joao
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Johnny, at 1:19 da tarde
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