Natal no planalto mirandês
Quem, por estes dias,
(30 de dezembro)
visitar Miranda do Douro encontrará, no adro da Sé, troncos queimados entre
ramos carbonizados.
A noite de Natal começa
com a “consoada” onde não falta bacalhau cozido com berças, polvo com batatas cozidas na água do mesmo, arroz doce,
aletria, filhós... A “Missa do Galo” na Sé termina com o cântico beijai o Menino. Depois, no adro, toda a
gente aproveita a luz e calor da fogueira, feita com lenha trazida pela
mocidade, para conversar com os amigos, alguns vindos de longe. No dia 25 é
comum comer-se o “farrapo velho”.
O ciclo festivo do
solstício de inverno continua no dia 26, nas aldeias da Póvoa e Duas Igrejas,
com o Santo Estêvão. Na Póvoa os mordomos são solteiros e o povo volta a
encontrar-se ao redor de uma fogueira. Antigamente, realizava-se o colóquio, teatro tradicional, escrito em
“casco”, de matriz vicentina onde o tonto e o diabo são protagonistas.
O auge atinge-se com a
festa de S. João /“Festa dos Moços”/ Fiesta
de la Bielha i de l Carocho, em Constantim, durante três dias. No dia 27 a
aldeia junta-se na Casa do Povo para assistir à apresentação dos pauliteiros (dançadores) da freguesia e onde os
mordomos oferecem vinho, bolachas e tremoços. O dia 28 nasce com a “alvorada”
ao som do gaiteiro, do caixeiro e do tocador de bombo. Às 8 horas, reunidos os dançadores, tocadores e dois moços,
vestidos de velha e de diabo (carocho), inicia-se o peditório pelas casas que
oferecem dinheiro, chouriças, mão de porco, orelheira… O carocho faz travessuras:
entra nas casas e vai “roubar” chouriças que estejam a cozer na panela,
metendo-se com as raparigas na rua. No final do peditório, há Missa e os
pauliteiros dançam, ao som da flauta pastoril (fraita), o Jesus mio. No final da Procissão, os pauliteiros bailam no adro da
igreja. No dia 29, só para os membros da aldeia e convidados, partilha-se a
ceia comunitária: um cozido/feijoada feito com os produtos recolhidos no
peditório.
Embora as festas do
inverno se prolonguem com o S. Sebastião (20 de janeiro), Srª das Candeias e S.
Brás (2 e 3 de fevereiro), pode-se considerar que o ciclo do solstício fecha
com a Festa de Santo Amaro, na Póvoa, no dia 15 de janeiro, onde se reacende a
fogueira da Festa de S. Estevão e no baile, os mordomos, oferecem vinho,
bolachas, tremoços…
A todos estes ritos
subjaz um fundo mítico que, numa visão holística do real, faz a simbiose entre
Deus e diabo, homem e natureza, sagrado e profano, bem e mal, alegria e dor,
ontem e amanhã; conjuga os ciclos natural, agrícola e litúrgico; com “ritos de
passagem”, estrutura os papéis sociais e integra os diversos estados e idades;
reforça os elos que ligam o indivíduo à família e à comunidade. E isto é
sabedoria…
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home