O Tanoeiro da Ribeira

terça-feira, fevereiro 04, 2014

Natal no planalto mirandês


 
Quem, por estes dias, (30 de dezembro)
visitar Miranda do Douro encontrará, no adro da Sé, troncos queimados entre ramos carbonizados.

A noite de Natal começa com a “consoada” onde não falta bacalhau cozido com berças, polvo com batatas cozidas na água do mesmo, arroz doce, aletria, filhós... A “Missa do Galo” na Sé termina com o cântico beijai o Menino. Depois, no adro, toda a gente aproveita a luz e calor da fogueira, feita com lenha trazida pela mocidade, para conversar com os amigos, alguns vindos de longe. No dia 25 é comum comer-se o “farrapo velho”.

O ciclo festivo do solstício de inverno continua no dia 26, nas aldeias da Póvoa e Duas Igrejas, com o Santo Estêvão. Na Póvoa os mordomos são solteiros e o povo volta a encontrar-se ao redor de uma fogueira. Antigamente, realizava-se o colóquio, teatro tradicional, escrito em “casco”, de matriz vicentina onde o tonto e o diabo são protagonistas.
 

O auge atinge-se com a festa de S. João /“Festa dos Moços”/ Fiesta de la Bielha i de l Carocho, em Constantim, durante três dias. No dia 27 a aldeia junta-se na Casa do Povo para assistir à apresentação dos pauliteiros (dançadores) da freguesia e onde os mordomos oferecem vinho, bolachas e tremoços. O dia 28 nasce com a “alvorada” ao som do gaiteiro, do caixeiro e do tocador de bombo. Às 8 horas, reunidos os dançadores, tocadores e dois moços, vestidos de velha e de diabo (carocho), inicia-se o peditório pelas casas que oferecem dinheiro, chouriças, mão de porco, orelheira… O carocho faz travessuras: entra nas casas e vai “roubar” chouriças que estejam a cozer na panela, metendo-se com as raparigas na rua. No final do peditório, há Missa e os pauliteiros dançam, ao som da flauta pastoril (fraita), o Jesus mio. No final da Procissão, os pauliteiros bailam no adro da igreja. No dia 29, só para os membros da aldeia e convidados, partilha-se a ceia comunitária: um cozido/feijoada feito com os produtos recolhidos no peditório.

Embora as festas do inverno se prolonguem com o S. Sebastião (20 de janeiro), Srª das Candeias e S. Brás (2 e 3 de fevereiro), pode-se considerar que o ciclo do solstício fecha com a Festa de Santo Amaro, na Póvoa, no dia 15 de janeiro, onde se reacende a fogueira da Festa de S. Estevão e no baile, os mordomos, oferecem vinho, bolachas, tremoços…

A todos estes ritos subjaz um fundo mítico que, numa visão holística do real, faz a simbiose entre Deus e diabo, homem e natureza, sagrado e profano, bem e mal, alegria e dor, ontem e amanhã; conjuga os ciclos natural, agrícola e litúrgico; com “ritos de passagem”, estrutura os papéis sociais e integra os diversos estados e idades; reforça os elos que ligam o indivíduo à família e à comunidade. E isto é sabedoria…