A emergência do homem simbólico - II
Continuamos
na Festa de S. Sebastião em Couto de Ornelas.
Primeiro, desenrola-se
a toalha de linho sobre os bancos que correm ao longo do caminho da aldeia. De
seguida, a vara mede as distâncias. Uma broa de pão é colocada no espaço de uma
vara. Junto da broa, põe-se a escudela do arroz e o prato da carne. Finalmente,
o santo vai passar. As pessoas
aprimoram a postura. Há silêncio e solenidade nos gestos. O mordomo vai dando o
santo a beijar. Atrás, o rapaz com o cesto para os devotos/turistas deporem o
óbolo. O mordomo vai prevenindo: “ se não
quiser beijar o santo…mas, por favor, não esqueça a oferta”. Uns beijam,
outros depõem um donativo, outros, ainda, beijam e oferecem. Era o relativizar
dos ritos. Todos queriam significar a sua participação. Era o sentimento de
pertença, expresso em diferentes gestos de identificação…
Depois, bem, depois foi
o partilhar. Parecíamos crianças ávidas. Ávidas de quê? De alimentos? – Não. De
significação. “O homem tem o poder
extraordinário de fazer de um objeto um símbolo e de uma ação um rito.” (L.
Boff) A capacidade simbólica é própria
do homem. As coisas não valem só por si. Através delas, o homem vê para além.
São janelas para a transcendência. Os alimentos postos à nossa frente faziam
apelo a outras realidades. Tinham polivalência. As memórias individuais e
coletivas davam-lhes significação. Apelavam à fraternidade.
Viveram-se momentos de
verdadeira irmandade. A cidade e o campo, o litoral e o interior, o religioso
e o a-religioso, conviveram, trocaram experiências. Encontraram uma vivência
comum.
No mesmo rito,
convergiam diferentes mitos. O homem simbólico criava a unidade na diversidade.
O que atraiu ali
aqueles milhares de pessoas, vindas de terras bem distantes? O que deu relevo a
uma pequena aldeia, perdida no Barroso? O que fez dela uma unidade
significativa? A fé? A cultura? - Para além de tudo, o “homem simbólico”. Numa
civilização de objetos, a pessoa procura emancipar-se como sujeito. Exige-o o equilíbrio
psicológico e a dignidade ontológica. Constrói significações, cria
distanciações. Afasta-se do quotidiano e do presente que o limita e, por vezes,
sufoca. Recorre ao simbólico. A Festa é a libertação, o diferente, o cíclico em
função do qual o dia-a-dia se organiza. É o passado bom e feliz que se faz
presente. O homem precisa da Festa. Não aguenta o constantemente igual e o peso
da pura materialidade.
Concluindo…É bem
verdade o que dizia Mircea Eliade: o
homem profano, queira ou não, conserva ainda vestígios do comportamento do
homem religioso, mas esvaziado das significações religiosas. Faça o que fizer,
é um herdeiro. ” E como escrevia Edgar Morin“ Não podemos escapar aos
mitos.”
Este o fascínio e o
poder do “homem simbólico”…
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