O Tanoeiro da Ribeira

terça-feira, fevereiro 04, 2014

A emergência do homem simbólico - II



Continuamos na Festa de S. Sebastião em Couto de Ornelas.

Primeiro, desenrola-se a toalha de linho sobre os bancos que correm ao longo do caminho da aldeia. De seguida, a vara mede as distâncias. Uma broa de pão é colocada no espaço de uma vara. Junto da broa, põe-se a escudela do arroz e o prato da carne. Finalmente, o santo vai passar. As pessoas aprimoram a postura. Há silêncio e solenidade nos gestos. O mordomo vai dando o santo a beijar. Atrás, o rapaz com o cesto para os devotos/turistas deporem o óbolo. O mordomo vai prevenindo: “ se não quiser beijar o santo…mas, por favor, não esqueça a oferta”. Uns beijam, outros depõem um donativo, outros, ainda, beijam e oferecem. Era o relativizar dos ritos. Todos queriam significar a sua participação. Era o sentimento de pertença, expresso em diferentes gestos de identificação…

Depois, bem, depois foi o partilhar. Parecíamos crianças ávidas. Ávidas de quê? De alimentos? – Não. De significação. “O homem tem o poder extraordinário de fazer de um objeto um símbolo e de uma ação um rito.” (L. Boff)  A capacidade simbólica é própria do homem. As coisas não valem só por si. Através delas, o homem vê para além. São janelas para a transcendência. Os alimentos postos à nossa frente faziam apelo a outras realidades. Tinham polivalência. As memórias individuais e coletivas davam-lhes significação. Apelavam à fraternidade.

Viveram-se momentos de verdadeira irmandade. A cidade e o campo, o litoral e o interior, o religioso e o a-religioso, conviveram, trocaram experiências. Encontraram uma vivência comum.

No mesmo rito, convergiam diferentes mitos. O homem simbólico criava a unidade na diversidade.

O que atraiu ali aqueles milhares de pessoas, vindas de terras bem distantes? O que deu relevo a uma pequena aldeia, perdida no Barroso? O que fez dela uma unidade significativa? A fé? A cultura? - Para além de tudo, o “homem simbólico”. Numa civilização de objetos, a pessoa procura emancipar-se como sujeito. Exige-o o equilíbrio psicológico e a dignidade ontológica. Constrói significações, cria distanciações. Afasta-se do quotidiano e do presente que o limita e, por vezes, sufoca. Recorre ao simbólico. A Festa é a libertação, o diferente, o cíclico em função do qual o dia-a-dia se organiza. É o passado bom e feliz que se faz presente. O homem precisa da Festa. Não aguenta o constantemente igual e o peso da pura materialidade.

Concluindo…É bem verdade o que dizia Mircea Eliade: o homem profano, queira ou não, conserva ainda vestígios do comportamento do homem religioso, mas esvaziado das significações religiosas. Faça o que fizer, é um herdeiro. ” E como escrevia Edgar Morin“ Não podemos escapar aos mitos.”
Este o fascínio e o poder do “homem simbólico”…