O Tanoeiro da Ribeira

terça-feira, fevereiro 04, 2014

Glória a Deus e Paz aos homens


 


Há dias, com amigos, recordámos tempos de infância quando nos íamos confessar para a “primeira sexta-feira ”. Repetíamos os mesmos pecados: “disse palavras feias, não obedeci aos pais, andei à bulha, falei na missa…”. Transformávamos em ofensa a Deus o que era linguagem grosseira ou, quando muito, insignificante transgressão moral.

Sem entrar na controvérsia “haverá religião sem ética ou ética sem religião”, convém dizer que estas duas vivências, embora se interliguem, se situam em planos diferentes.

Quando falamos de ética, logo lhe associamos a ideia de justiça e esta assenta sempre numa retribuição, numa troca equitativa. A justiça pressupõe e exige igualdade e reciprocidade de direitos e deveres. Coloca-nos a todos no mesmo patamar. A horizontalidade é, pois, a coordenada da Ética.

Falamos, porém, de dádiva sempre que recebemos o que não merecemos. Não se trata de justiça mas de favor, de graça. A nossa atitude não é de exigência mas de gratidão. Se reconheço que a vida me foi dada por Deus, só tenho de Lhe agradecer. A Deus nada podemos exigir porque nada podemos retribuir. Assim, quando alguém se revolta contra Deus e O acusa por não ter feito o que Lhe pediu, está a querer pôr-se ao Seu nível e cede à tentação de Adão e Eva- sereis como deuses (Gn 3,5).  A atitude religiosa é, pois, a de alguém que adora o seu criador a quem louva e agradece os dons que d’Ele recebe. A coordenada vertical que nos eleva até ao Absoluto é o domínio da religião.

Em Jesus, convergem em plenitude estas duas coordenadas do agir humano.



No Natal, os anjos anunciam que aquele Menino era a ponte entre a transcendência do divino (“Glória a Deus no mais alto dos céus”) e a imanência do humano (“e na terra paz aos homens” (Lc2,14).

Na vida pública, Jesus mostra-nos que a glorificação de Deus passa pela aceitação da Sua vontade. Presentemente a minha alma está perturbada. Mas que direi? Pai, salva-me desta hora. Mas foi exatamente para esta hora que eu vim. Pai, glorifica o teu nome! (Jo 12,27).  

E ensina-nos, ainda, que ao “ethos da vida”, capaz de gerar a “paz na terra”, não basta a justiça do “olho por olho, dente por dente” da lei de talião, mas precisa do amor que, ao perdoar, sublima as relações humanas: Amai-vos uns aos outros como Eu vos amo (Jo, 15,12).

No calvário, Jesus confirma que “Tudo está consumado” (Jo 19,30). A doação é total: “Pai, nas tuas mãos entrego meu espírito” (Lc 23, 46). E o Amor leva-O a rezar pelos seus algozes “Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34)

Assim, em Cristo, religião e ética confluem no Amor. E nós que fazemos? S. João diz-nos “Temos de Deus este mandamento: o que amar a Deus, ame também a seu irmão” (I Jo, 54,21).

Este é o espírito que dá sentido ao Natal. Sem ele…