Glória a Deus e Paz aos homens
Há
dias, com amigos, recordámos tempos de infância quando nos íamos confessar para
a “primeira sexta-feira ”. Repetíamos os mesmos pecados: “disse palavras feias,
não obedeci aos pais, andei à bulha, falei na missa…”. Transformávamos em
ofensa a Deus o que era linguagem grosseira ou, quando muito, insignificante
transgressão moral.
Sem
entrar na controvérsia “haverá religião sem ética ou ética sem religião”,
convém dizer que estas duas vivências, embora se interliguem, se situam em planos
diferentes.
Quando
falamos de ética, logo lhe associamos a ideia de justiça e esta assenta sempre
numa retribuição, numa troca equitativa. A justiça pressupõe e exige igualdade e
reciprocidade de direitos e deveres. Coloca-nos a todos no mesmo patamar. A
horizontalidade é, pois, a coordenada da Ética.
Falamos,
porém, de dádiva sempre que recebemos o que não merecemos. Não se trata de
justiça mas de favor, de graça. A nossa atitude não é de exigência mas de
gratidão. Se reconheço que a vida me foi dada por Deus, só tenho de Lhe
agradecer. A Deus nada podemos exigir porque nada podemos retribuir. Assim,
quando alguém se revolta contra Deus e O acusa por não ter feito o que Lhe
pediu, está a querer pôr-se ao Seu nível e cede à tentação de Adão e Eva- sereis como deuses (Gn 3,5). A atitude religiosa é, pois, a de alguém que
adora o seu criador a quem louva e agradece os dons que d’Ele recebe. A
coordenada vertical que nos eleva até ao Absoluto é o domínio da religião.
Em
Jesus, convergem em plenitude estas duas coordenadas do agir humano.
No
Natal, os anjos anunciam que aquele Menino era a ponte entre a transcendência
do divino (“Glória a Deus no mais alto dos céus”) e a imanência do humano (“e
na terra paz aos homens” (Lc2,14).
Na
vida pública, Jesus mostra-nos que a glorificação de Deus passa pela aceitação
da Sua vontade. Presentemente a minha
alma está perturbada. Mas que direi? Pai, salva-me desta hora. Mas foi
exatamente para esta hora que eu vim. Pai, glorifica o teu nome! (Jo 12,27).
E
ensina-nos, ainda, que ao “ethos da vida”, capaz de gerar a “paz na terra”, não
basta a justiça do “olho por olho, dente por dente” da lei de talião, mas
precisa do amor que, ao perdoar, sublima as relações humanas: Amai-vos uns aos outros como Eu vos amo (Jo,
15,12).
No
calvário, Jesus confirma que “Tudo está
consumado” (Jo 19,30). A doação é total: “Pai, nas tuas mãos entrego meu espírito” (Lc 23, 46). E o Amor
leva-O a rezar pelos seus algozes “Pai,
perdoai-lhes porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34)
Assim,
em Cristo, religião e ética confluem no Amor. E nós que fazemos? S. João
diz-nos “Temos de Deus este mandamento: o
que amar a Deus, ame também a seu irmão” (I Jo, 54,21).
Este
é o espírito que dá sentido ao Natal. Sem ele…
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