O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, agosto 23, 2006

SE EU DESAPARECER...VÃO À PIDE

SE EU DESAPARECER…VÃO PROCURAR-ME À PIDE.
Aconteceu no final de sessenta/princípios de setenta. Não sei o dia mas recordo-me que era o final de férias. Está a fazer anos por estes dias.
Em minha casa, na rua de S. Roque da Lameira, preparava o lançamento do novo ano pastoral, quando recebi um telefonema.
- Venho de mando do Padre Igrejas, da Galiza e preciso de falar consigo. Como não tenho transporte, agradecia que viesse ter comigo. Estou na Praça da Batalha.
Eu conhecia bastantes sacerdotes galegos que, como eu, participavam no Colóquio Europeu de Paróquias. Mas, como era um conhecimento recente, só conhecia o nome de alguns ( o António Vilasó, o Paco, o Torres Queiruga, o Chão do Rego …) e tinha uma vaga lembrança de um Padre Igrejas. Mesmo assim, disponibilizei-me para ir ao seu encontro. Disse-lhe que iria num Fiat 600 D, branco (o meu primeiro carro que comprara, em segunda mão, por 15 contos) e ele informou-me que estava com uma gorra basca na cabeça.
Na Praça da Batalha, na esquina da rua de Entre-Paredes, lá estava ele: baixo, entroncado, barba preta e espessa a lembrar guerrilheiros latino-americanos. Parei o carro e ele entrou. Pus o carro em movimento e comecei circular: Batalha, Santo Ildefonso, Entre-Paredes, Batalha…. Voltas e mais voltas. Não sabia com quem estava no carro.
Disse-me que era um preso político que tinha fugido, juntamente com outros companheiros, de uma cadeia franquista na Galiza. Um barco esperava-os em Olhão para os levar para Argel. Mas ele não tinha dinheiro para o comboio. E se fosse encontrado pela polícia portuguesa, seria logo preso, pois não tinha passaporte, e recambiado para Espanha. Fora o Pe. Igrejas que lhe dera o meu telefone e o aconselhou a falar comigo no Porto porque eu o ajudaria. Só precisava do dinheiro para o comboio. Não me falou doutras necessidades nem eu me lembrei de perguntar.
Fiquei estupefacto. A situação era muito complicada e perigosa. Conhecia bem as boas relações que uniam Franco e Salazar/Marcelo Caetano(?). Dar o dinheiro era envolver-me num problema de relações entre países e proteger os criminosos anti-franquistas. Não colaborar era abandonar uma pessoa que confiou em mim e que, para se salvar, precisava de bem pouco. Fiz-me desinteressado. Procurei mostrar que não acreditava na história:
- Caramba! Poderia ter inventado uma história mais simples para me pedir dinheiro. Mas esta…
- Pode não acreditar , mas esta é a pura verdade, respondeu em voz baixa.
E o carro continuava a rolar no circuito Batalha, Santo Ildefonso… Ao passar junto de um polícia, atiro-lhe com uma provocação:
- Você sabe que se eu parar o carro e repetir aquele polícia a história que me contou, o senhor será imediatamente preso…
- Eu sei, respondeu resignado, a minha vida está nas suas mãos…
E eu sentia um nó na garganta. Perguntei pelo P.e Igrejas e ele falou-me dele com grande profusão de informações que eu não podia confirmar, embora simulasse que o conhecia muito bem. As dúvidas continuavam.
Quem me garantia que não estaria perante uma armadilha da PIDE?
Mas tinha que me decidir. Entre dois perigos, escolhi aquele que mais estava de acordo com a minha consciência. Fui com ele à estação de S. Bento. Comprei-lhe o bilhete para o Algarve. Aguardei a partida do comboio… Entretanto, por precaução, fui imediatamente ao Seminário Maior do Porto falar com o Dr. Marcelino, ao tempo, seu director espiritual e disse-lhe:
- Pe. Marcelino, se eu desaparecer, vão procurar-me à PIDE. E contei-lhe toda a história. Ficou surpreendido, mas acalmou-me com palavras de conforto e apoio.
Nunca mais ouvi falar do caso.
Bastante mais tarde, os meus amigos galegos, confirmaram que houvera uma fuga de prisioneiros políticos e que o P.e Igrejas tinha protegido muitos dos evadidos. Não sabiam o que era feito do referido sacerdote, uma vez que tinha saído para o estrangeiro e nunca mais contactaram.