RECEBI O JACKPOT DA VIDA
“Na noite em que tu nasceste, a Lua sorriu com tanto contentamento que até as estrelas, curiosas, se puseram a espreitar para te ver.
O vento e a chuva ficaram de tal modo deslumbrados quando te viram que sussurraram o som do teu nome tão bonito.
O som do teu nome voou sobre a terra, levado pela brisa… voou sobre o oceano… Até que todos o ouviram e souberam que tu tinhas nascido.
Nunca mais se viram uns olhos como os teus, um nariz igual ao teu, nem uns pezinhos tão engraçados e brincalhões como os teus.
A Lua ficou acordada até de manhãzinha.
E nenhuma joaninha quis afastar-se das flores do lago.
Porque nunca antes o mundo conheceu alguém como tu, meu amor, e nunca irá conhecer mais ninguém assim, nunca mais… “ (Nancy Tillman, Na Noite em que tu nasceste)
Este texto poético vem transcrito no livro de leitura do 2º ano de escolaridade da nossa neta Clara. No dia em que o li, fui buscar à escola o Francisco. Apaixonados por ciclismo, falávamos sobre a Volta a França. Lembrei os grandes ciclistas do passado com destaque para o espanhol Miguel Indurain. E ele, nos seus dez anos bem informados, citou os melhores da atualidade com realce para o jovem corredor esloveno, Pogacar, que, com apenas 23 anos, já venceu as voltas de 2020 e 2021. E perguntou: - “Avô, que probabilidades há de aparecer um novo Pogacar?”
Esta pergunta levou-me a explicar as diferenças entre possível e provável. E dei um exemplo: “ Quem joga no totoloto fica com a possibilidade de vir a ganhar o ‘jackpot’ mas é muito baixa a probabilidade.
E sem outro contexto, ele comenta: “Então eu já recebi o ‘jackpot da vida”. Surpreendido com esta inesperada afirmação, perguntei-lhe: - “Porquê?” – “Porque eu podia nunca ter existido.” – “É verdade. Tu és um possível tornado real”, respondi-lhe e fiquei a pensar…
De facto, antes de existirmos, éramos possíveis mas não prováveis. No meio de miríades de possibilidades, a pessoa que nasce é sempre único e original. Não é algo, mas alguém; não quê mas quem. É sujeito porque, consciente de si, é capaz de se assumir como um ‘eu’. É singular e irrepetível. E porque é racional, livre e responsável, cada pessoa é autónoma. É dona de si porque capaz de se assumir perante si e perante os outros como sujeito dos seus atos e neles se sente pessoalmente comprometido.
Amigo que me lês, eu sou, tu és, essa criança cujo nascimento, como diz o texto, fez rejubilar a natureza. “Nunca antes o mundo conheceu alguém como tu e nunca irá conhecer mais ninguém assim, nunca mais”.
Durante o ano que agora se inicia, que o dom da vida continue a sorrir-nos. Cada manhã é sempre nova e, de certo modo, eterna porque irreversível. Aproveitemo-la! Renascemos em cada dia. Quão belo poderá ser o nosso acordar com uma oração de louvor e ação de gracas!
Especialmente nós, os que tivemos a dita de chegar ao entardecer - quantas ‘árvores’ já tombaram no nosso caminho… - deixemos de enfatizar os medicamentos e saibamos pôr a render os ‘euritos’ que ainda nos restam desse ‘jackpot’ que nos saiu, num dia mais ou menos longínquo, e sem qualquer mérito da nossa parte. (12/1/22)
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