O Tanoeiro da Ribeira

segunda-feira, maio 19, 2014

Levas contigo o bem que fizeste



No mês passado, faleceu o avô da bebé que, no primeiro Dia da Voz Portucalense, recebeu, na Sé, o diploma de “Semente de Esperança”. D. Manuel Clemente, quando o entregava aos seus pais e avós que a tinham ao colo, fez-lhe uma festinha na face e perguntou: tu também já lês a Voz Portucalense? Estou a ver a alegria estampada no rosto do avô ao ouvir o senhor bispo dizer: És uma menina com sorte! Até os avós quiseram vir contigo! É bem verdade, acrescento eu, o que um dia escreveu um teólogo de renome: um neto é o sacramento da presença viva de Deus e da Esperança que anima a vida dos avós! Como eles preenchem solidões…Fazem-nos rejuvenescer. Passamos a ter a sua idade. Somos comparsas nas suas brincadeiras. E continua a ser verdade o provérbio: quem meus filhos beija minha boca adoça. E se os avós são pais duas vezes…

Um parêntesis – A assinatura da VP foi uma prenda que a “Vitorinha” recebeu no dia do seu batizado. Os pais leem e arquivam todos os números para que ela, mais tarde, possa partilhar das suas memórias. Um bom exemplo para os avós. Aproveitem um nascimento, um batizado, uma comunhão, um aniversário para introduzir a Voz Portucalense na casa dos vossos filhos e habituar os netos à sua presença. Fica o apelo.

Continuando…Quando os anos se alongam, vamos deixando atrás de nós um rasto de vozes que se silenciam, de sorrisos que se apagam, de conversas inacabadas. Uma nuvem de nostalgia sombreia-nos a alma e uma teia de silêncio vai apertando o nosso casulo. Salta-me ao pensamento o poema de Miguel Trigueiros: Vêm as sombras, hoje ter comigo/ Vêm as sombras num cortejo lento/ Vêm as sombras hoje ter comigo /Ou sou eu que as procuro em pensamento.

Ajuda-nos a Esperança. Mas, como dizia um bem conhecido bispo, se a Esperança nos anima, é a saudade que faz doer! Por isso, no cartão que acompanha as flores, costumo escrever: Amigo, levas contigo o bem que fizeste. Connosco fica a memória e a saudade. A crueza do caixão mostra-nos que as vaidades deste mundo passaram e que aos amigos resta chorar, rezar e recordar. Mas a Fé diz-nos que as suas boas obras o acompanham na viagem para o outro lado da vida, como Cristo nos ensinou no Sermão da Montanha (Mt.5,3): Bem-aventurados os que têm um coração de pobre, porque deles é o reino dos céus”.

Quando alguém que amamos nos morre há um bocado de nós que vai com ele. Abre-se uma lacuna que jamais se fecha e os olhos vestem-se de amargura. Mas, em contrapartida, há sempre um pouco dele que permanece em nós e nos enriquece a vida. Torna-se mais íntimo à nossa própria intimidade e não mais nos abandona. Como tão bem escreveu Saint-Exupéry: Aqueles que passam por nós não vão sós. Deixam-nos um pouco de si, levam um pouco de nós.

(16/4/14)