O Tanoeiro da Ribeira

segunda-feira, maio 19, 2014

Foi há duzentos e cinco anos - I



Estava soalheira a tarde de 29 de março, o dia em que a Rua das Flores abriu aos peões e já sofreu a primeira invasão (JN). Um sol de primavera aquecia o Cais da Ribeira, uma das trinta mais belas ruas do Mundo segundo a revista Condé Nast Traveler. Quando, ao fim da tarde, os turistas que o enchiam passavam junto das Alminhas da Ponte ficavam surpreendidos com uma cerimónia religiosa junto ao rio. E logo os acólitos lhes entregavam uma pagela, encimada pelo emblema da Irmandade das Almas de São José das Taipas, com o título, em português e inglês, Romagem às Alminhas da Ponte - 29 MARÇO 1809/2014. E acrescentava: “A 29 de Março do ano de 1809 entravam no Porto as tropas de Napoleão Bonaparte numa segunda invasão comandada pelo Marechal Soult. As gentes do Porto, em pânico, correm para a beira-rio com a intenção de atravessar a ponte e assim fugir ao invasor. A ponte feita de barcas cedeu, e, entre gritos, medos e sangue, invasores e perseguidos perdiam a vida nestas águas do Rio Douro unidos assim na morte. A Irmandade das Almas de São José das Taipas desde então recorda aqueles que morreram nestas águas profundas. Foi interrompida a romagem aquando da queda da Monarquia, sendo agora retomada. Não esquecemos os nossos irmãos que partiram e peçamos a Deus pelo seu eterno descanso”.

Muitos turistas associavam-se ao ofício religioso, presidido pelo P. Jardim, pároco de S. Nicolau, coadjuvado pelo juiz da Irmandade e outros irmãos que, com suas capas brancas e vermelhas, suscitavam a atenção dos transeuntes. Na homilia, o pároco aludiu às tragédias que hoje se abatem sobre nós, recordando as palavras que D. António Ferreira Gomes lhe disse, quando lhe perguntou o que fazer com as “Alminhas da Ponte”, reze pelas almas dos mortos e cuide das almas dos vivos. A celebração, que culminou com a Bênção do Santíssimo Sacramento, foi solenizada pelo “Coro Spiritus Domini e Santa Maria de Rio Tinto”. Seguiu-se uma oração à Virgem, cantada pela fadista Aida Soares e a deposição duma coroa de flores. Depois, a procissão eucarística recolheu à “Capela da Lada”.

A Ponte das Barcas, onde terão morrido mais de quatro mil pessoas, é a tragédia que mais enlutou a alma do Porto e gerou nas suas gentes uma devoção que perdurou até nossos dias. Contou-me um amigo que, em criança, todos os domingos ia a pé com a mãe rezar e depor uma vela nas “Alminhas da Ponte”. Meses atrás, uns amigos italianos ficaram sensibilizados quando, ao passar junto das alminhas, lhes disse que as flores e as velas que se viam evocavam a memória de pessoas afogadas no Douro havia mais de 200 anos.

Que relação haverá entre a Irmandade das Almas de São José das Taipas e as “Alminhas da Ponte”? A resposta fica para a semana…

(7/5/2014)