Como coelho entre giestas
A
comemoração dos quarenta anos do “25 de Abril” trouxe-nos à memória episódios que,
para quem os não viveu, podem parecer devaneios nostálgicos. Mas não. E, para o
provar, seja-me permitido partilhar convosco uma experiência que me foi contada
por um amigo.
Foi no início
dos anos setenta. Estava ele em Ponte da Barca. No fim da festa de S.
Bartolomeu, um seu antigo colega de escola abeirou-se dele com cara de quem queria
fazer um pedido incómodo. Começou por lhe dizer que a sua irmã mais velha se
encontrava às portas da morte. Falou-lhe, depois, de um filho dessa irmã que, aos
18 anos, tinha ido a salto para
França e nunca mais cá voltara. E, muito em surdina, segredou: - Sabes, mas agora veio cá de visita.
Perante a sua admiração, porque o rapaz corria o risco de ser preso como refratário por não se ter apresentado à inspeção militar (já, então, estava em França), o que, em tempo de Guerra Colonial, era considerado crime de lesa - pátria, continuou:
Perante a sua admiração, porque o rapaz corria o risco de ser preso como refratário por não se ter apresentado à inspeção militar (já, então, estava em França), o que, em tempo de Guerra Colonial, era considerado crime de lesa - pátria, continuou:
- Está metido em casa, há quinze dias, mas
ninguém pode saber. Veio a salto, chegou de noite. Basta uma informação à GNR e
ele é imediatamente “engavetado”. Veio só porque queria ver a mãe ainda viva.
Mas, agora, precisa de regressar. Necessita de alguém que o transporte até à
fronteira. Não tem ninguém de confiança para o levar nem quer chamar um táxi
porque teme ser denunciado.
Logo adivinhou
a razão daquela confidência e ajudou-o no seu embaraço: - E tu queres que eu… - Era,
como tens carro… mas não tenho coragem de to pedir. Sei os riscos que corres.
Poderia ser
acusado de passador de emigrantes e,
o que era bem pior, de ajudar os mancebos a fugir à tropa o que o incluiria no
número dos renegados que estavam contra a nossa presença em África, como
desígnio sagrado da Nação. Daria prisão, no mínimo…
Mas não hesitou e, na manhã do dia seguinte, já estavam na casa da irmã. Entraram em jeito de visita. Quando viram que não havia ninguém nas redondezas, saíram, o mais discretamente possível. O rapaz sentou-se atrás dele. Seguiram pela estrada de Ponte da Barca para Lindoso. Na última curva antes da fronteira da Madalena, em local que não era visível do posto da Guarda Fiscal, encostou o carro ao lado esquerdo da estrada, abrandou mas sem parar para não levantar suspeitas e o jovem, com o carro em andamento, abriu a porta e saltou, aproveitando, para amortecer a queda, a relva que crescera na borda da estrada. Desapareceu, como um coelho, por entre o giestal que o encobriria até à raia. Só descansaram quando, à noite, o sobrinho telefonou de Orense.
Mas não hesitou e, na manhã do dia seguinte, já estavam na casa da irmã. Entraram em jeito de visita. Quando viram que não havia ninguém nas redondezas, saíram, o mais discretamente possível. O rapaz sentou-se atrás dele. Seguiram pela estrada de Ponte da Barca para Lindoso. Na última curva antes da fronteira da Madalena, em local que não era visível do posto da Guarda Fiscal, encostou o carro ao lado esquerdo da estrada, abrandou mas sem parar para não levantar suspeitas e o jovem, com o carro em andamento, abriu a porta e saltou, aproveitando, para amortecer a queda, a relva que crescera na borda da estrada. Desapareceu, como um coelho, por entre o giestal que o encobriria até à raia. Só descansaram quando, à noite, o sobrinho telefonou de Orense.
E tudo isto só
porque um filho quis dar um beijo de despedida à sua mãe moribunda…
Era esta “a minha pátria vestida da viúva entre
as grades e a chuva das cidades”, do País
de Abril do poeta da Resistência.
(30/4/2014)
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