O Tanoeiro da Ribeira

terça-feira, maio 27, 2025

A MÚSICA É BELEZA, A MÚSICA É UM INSTRUMENTO DE PAZ

“A música é beleza, a música é um instrumento de paz. É uma língua que todos os povos, de maneiras diferentes, falam e que chega ao coração de todos. A música pode ajudar as pessoas a viverem juntas.” Foi esta a mensagem que o nosso querido Papa Francisco enviou ao Festival de Sanremo, no dia 11 de fevereiro deste ano, e eu recordei, na Casa da Música, no primeiro domingo de maio - ‘Dia da Mãe’. Ao ouvir, na Casa da Música, o concerto organizado pela Banda Sinfónica Portuguesa, com a participação da Banda Municipal de Barcelona, veio-me à mente a ‘Banda Cabeceirense’ que, no Domingo de Pascoela, acompanhava o ‘Compasso’, na paróquia da Faia em Cabeceiras de Basto. E chegaram-me ao coração recordações dos tempos de menino em que as festas da minha terra eram abrilhantadas pela banda que honra o seu nome - ‘Banda de S. Martinho’- onde tocava o Basílio, meu colega de carteira na escola primária. .” As bandas de música são uma ferramenta artística idiomática e de enorme potencial para além da pura tradição. São um verdadeiro exemplo de renovação cultural para o presente e para o futuro da música.” (*) O Concerto “Glosas entre dois mares ibéricos” iniciou-se com “a prestigiada e veterana Banda Municipal de Barcelona, uma banda profissional civil espanhola - celebrará 140 anos em 2026 - que tem sido testemunha da evolução social e cultural da cidade de Barcelona”. (*) Começou com música de Agustí Borgunyó (1894-1967), um dos mais prestigiados maestros e compositores catalães da primeira metade do século XX” que, com L’Aplec, festa camperola’, nos ofereceu “uma suite com temas folclóricos desenvolvidos com um rico contraste tímbrico.” (*) E terminou com Gloses II, do “maestro alicantino Amando Blanquer Ponsoda, um dos mais importantes compositores espanhóis do século XX” que foi aluno de Messiaen em Paris e de Petrassi em Roma.” (*) A jovem Banda Sinfónica Portuguesa - está a celebrar os seus 20 anos - brindou-nos com ‘Apoteose’ de João Malha (1991), compositor, maestro e professor de orquestra na Escola Profissional Metropolitana de Lisboa.” (*) E ‘Gentios são os olhos negros’, de Luís Carvalho (1974), destacado clarinetista, compositor e maestro português, professor da Universidade de Aveiro. Os dois compositores estavam presentes na sala, por sinal mesmo à minha frente, e no final das respetivas composições, foram chamados ao palco para serem ovacionados com prolongada salva de palmas. Dando razão ao título do concerto, se L’Aplec, festa camperola me trouxe os sons e as paisagens quentes da costa mediterrânica, já ‘Gentios são os olhos negros’ - uma composição que comemora o 150.º aniversário da Banda Filarmónica N.ª Sra. Das Neves, da ilha de S. Miguel - levou-me a revisitar a verdura florida das ilhas atlânticas e a cantarolar ‘Olhos Negros’ que o José Manuel - um seminarista açoriano - me ensinou nos tempos da juventude. No final, os mais de cem instrumentistas das duas bandas juntaram-se em palco “para interpretar uma das mais importantes páginas da literatura para banda de todos os tempos: Dionysiaques, op. 62, escrita pelo compositor francês Florant Schmitt (1870-1958), vencedor do Prémio Roma de Composição em 1900.” (*) Um clamor de arte e de convivência. Foi assim que, no final, José Rafael Pascual Vilaplana - maestro titular da banda barcelonesa e maestro principal convidado da banda portuense - classificou o concerto que acabava de dirigir. O texto terminaria aqui, não tivera eu, na última sexta-feira, dia 23, assistido, na Sala Suggia, ao “Concerto n.º 7 em Fá maior, para três pianos e orquestra”, de Mozart, tocado pela Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música e três jovens, nascidos na década de noventa, mas já pianistas de renome mundial: Julius Zeman, austríaco; Mona Asuka, alemã, filha de pai alemão e mãe japonesa; Shun Oi, japonês. Sublimes! Celestiais! Ao vê-los, dei razão aos pintores que povoaram o Paraíso, de ´anjos músicos’… A alegria juvenil que os irmanou, especialmente, quando os três se juntaram no mesmo piano e, a 6 mãos, nos brindaram com um magnífico ‘encore’ final, fez-me lembrar o que ouvi a Jordi Savali, Embaixador do Diálogo Intercultural da União Europeia, nesta mesma sala, em 2014: ‘A música une os povos e enriquece-se na diferença’. (*) – ‘Folha de Sala’ (28/5/2025)

quarta-feira, maio 21, 2025

QUANDO O PESADELO REGRESSOU... UM SINAL DE ESPERANÇA

Há quatro anos, escrevi no artigo ‘Do Alívio à Esperança’ (VP, 27/1/2021): “Um novo dia nasce para a América” (e para o Mundo, acrescento eu), disse Joe Biden. Foi há uma semana…. Finalmente, chegou ao fim o execrando mandato do presidente Trump que envenenou a convivência entre os seus concidadãos e entre os povos e tornou o mundo um lugar muito mais perigoso. Respirámos de alívio. “Este é o dia da democracia”. E, citando Massimo Faggioli, “professor de Teologia na Universidade Villanova (Filadélfia), indicava razões para a esperança: - O conceito – “Biden é o primeiro presidente católico na história americana que exprime publicamente a sua alma religiosa, não vagamente religiosa, mas cristã; ecuménica, mas católica; duma forma militante, mas não belicosa, testemunhal.” - O testemunho - “No seu discurso de aceitação a 7 de novembro, Biden citou quer a Bíblia quer o hino litúrgico “Nas asas da águia”, um hino típico do estilo litúrgico da Igreja pós-Concílio Vaticano II, explicando que “representa a fé que me sustém e que eu creio que sustenha a América. E eu espero, espero poder trazer conforto e alívio “. (…) E terminava o meu artigo com um voto: (…) Que o Papa Francisco o inspire. E a luz da Fé ilumine seus caminhos e ajude a sarar as feridas abertas pelo seu antecessor na América e no Mundo”. Apesar das sombras, algumas bem notórias, que ofuscaram o seu exercício, soube-me bem ler o texto insuspeito, (Biden, JN, 23/1/2025), assinado por Maria de Lurdes Rodrigues que nos recorda o seu legado de que, com vénia, respigo: 1. “Biden foi aquilo que Donald Trump, infelizmente para nós, nunca será”. . “Propôs-se, no início do seu mandato, fazer sair a América do caos negacionista da covid e das alterações climáticas e inverter o caminho de desregulação económica, e cumpriu. . Restabeleceu a normalidade do funcionamento do Estado de direito democrático. . Defendeu a economia com investimentos público, com uma política industrial e de apoio a setores emergentes, com incentivo ao desenvolvimento científico, com valorização dos sindicatos e dos direitos dos trabalhadores, afirmando um compromisso com a justiça social e a equidade. 2. “A liderança de Biden foi marcada por uma abordagem pragmática e humanista”: . “Reconheceu a gravidade da pandemia de covid.19 e lançou programas eficazes para controlar a sua propagação, de organização da vacinação em massa e de apoio a investigação científica.” . “Voltou ao Acordo de Paris e promoveu políticas ambientais sustentáveis e iniciativas concretas para combater as alterações climáticas.” 3. “É inegável a importância do apoio dado à Ucrânia e o retorno ao multilateralismo nas relações que manteve com a Europa.” 4. “A presença e participação em organismos internacionais, como a OMS, e em acordos globais, como o de Paris, foram decisivos para manter a agenda da defesa do ambiente e de combate às alterações climáticas.” 5. “A sua liderança é uma prova de que é possível governar com respeito pelas instituições democráticas e com um compromisso genuíno com o bem-estar da população.” 6.“Manter viva a memória do seu legado é também uma forma de manter a esperança de que aquilo que Trump simboliza não perdurará por décadas.” Infelizmente, os primeiros 100 dias do governo Trump – assinalados com os habituais autoelogios e mentiras, no passado dia 30 de abril – com a supressão da dissidência interna, a perseguição dos imigrantes, a retirada de organismos multilaterais, a descontrolada aplicação de tarifas, promoveram uma agenda de antidireitos humanos, minaram a economia e o direito internacional e exponenciaram ‘o execrando mandato anterior”. Contudo… “Ajudai-nos também vós, e uns com os outros, a construir pontes, através do diálogo, através do encontro, unindo-nos a todos para sermos um só povo, um povo de paz” Estas palavras do Papa Leão XIV fizeram renascer em mim a esperança e acreditar que, com a eleição do cardeal Robert Francis Prevost, também ele americano, “um novo dia nasceu para a América e para o Mundo”. Convém não esquecer a sabedoria popular que diz: ‘a esperança é a última a morrer’. E ouvir o Papa Francisco que, no dia 12 de fevereiro passado, como numa manifestação de última vontade, nos exortou: “Não percam a esperança. Esta é a mensagem que quero transmitir a vocês; a todos nós.” (21/5/2025)

terça-feira, maio 13, 2025

ESTA VIAGEM QUE NOS PLASMA

Depois de Nos alvores da Obra Diocesana, Para Além das Margens, No Princípio foi assim, O Sonho e as Estrelas, João Alves Dias voltou a reunir os seus artigos de publicação regularíssima no jornal A Voz Portucalense, para nos disponibilizar um acumulado de reflexão cultural absolutamente pertinente para a nossa compreensão enquanto pessoas, cidadãos, profissionais, agentes, religiosos ou não. Esta Viagem Que Nos Plasma – tal é o título do livro decorrente de uma criação metafórica que a leitura ajuda a esclarecer, mas que se manterá desafiante de significações. Na capa de Adelaide Sousa, o arranjo gráfico que sobrepõe o homem de Vitrúvio, de Leonardo Da Vinci, ao mar e ao céu, remete para as cores quentes do plasma solar. A ideia de perfeição e de harmonia entre a natureza e o homem e este como centro do universo, torna-se veio condutor de perplexidades. Viagem e plasma são núcleos semânticos que nos são familiares, ambos muito concretos e muito ligados ao corpo, ao mundo físico dos estados da matéria, a modos de conhecimento e de representação do universo. Na contemporaneidade, são marcadores de sentido, a viagem pela globalização, o plasma pela procura da energia inesgotável. (Somos dependentes de plasmas!) Se o título abre a curiosidade, a leitura gerará um compromisso cultural, de proximidade ou de polémica, mas não de indiferença. Tomo como exemplo a síntese feita pelo Carlos Sousa no Prefácio, a qual é o testemunho de quem se deixou atrair, seduzir, marcar, pela influência do padre João, a sentir-se agente transformador de sua comunidade (p.8). O Frontispício é sobre o tempo vivido, o tempo como acção, o tempo como coração. Esta ideia é transposta para a música El Condor Pasa, uma apropriação cultural para a prática do cantado religioso que é em si mesma um exemplo acabado de viagem dos sons à volta do mundo. Esta emotividade guia a escrita, compõe-na. Num dos capítulos principais da obra, Estátua Interior se fica a saber como foi plasmado, moldado enquanto criatura, enquanto pessoa, o autor. «Ungido ou tocado» por Santa Justa, o rapaz do Tanoeiro colheu da terra, entre campos e minas, histórias exemplares que o guiarão pela vida e determinarão a sua dinâmica relacional de estar no seu tempo: sempre em missão de serviço, de «pastor de uma comunidade, de comunidades». Do padre João ao presbítero casado João Alves Dias, professor, cidadão de honra da cidade do Porto, o livro tem o seu autor como singular testemunha do nosso tempo. A Viagem começa na criação da Obra Diocesana de Promoção Social (criada em 1964, pela Diocese do Porto, Câmara Municipal do Porto e Instituto de Serviço Social do Porto), segue pela criação da Paróquia de Nossa Senhora do Calvário e Chega à capela de Nossa Senhora da Paz). Tem como pivot ou líder um jovem presbítero que se assume como mediador, cuidador, articulador de vontades. A Viagem é feita das memórias de caminhos municipais dos últimos 60 anos da vida do então presbítero João Alves Dias, mergulha na história familiar em contexto de periferia urbana ou de ruralidade intensa, agrega as memórias dos tempos de escolarização e formação, associa muitas outras viagens, quer de pessoas, quer de instituições. Começa em tempos do Concílio Vaticano II, mas vai recuperar memórias históricas da cidade do Porto, do país, da rede monástica por toda a Europa, de lugares e de situações que foram e são foco da atenção: fica comprovada a tese: a cultura como coluna dorsal de um povo (p. 100-102) fez e faz viajar, mediatizada pelas pessoas, pelos monumentos, pelos rios e pelas serras, pelo clima, pela alimentação, pelas relações humanas. Voltemos ao título do livro. A determinação do título é feita por três classes de palavras incontornáveis: esta – demonstrativo de um presente intenso e extenso, agregador das vivências autorais, mas também distribuidor das mesmas por qualquer pessoa que viaje; que – recuperador relativo da viagem ou ênfase na mesma para a absolutizar como princípio de formação; nos – o pronome pessoal de todas as singularidades e colectividades possíveis. Este «nos» ficará a aguçar-nos o espírito crítico: quem integra este «nos»? O autor majestático?, ele e os seus próximos?, os que pensam do mesmo modo e jeito os assuntos da vida?, os que partilham das mesmas experiências?, os presbíteros?, os membros da comunidade religiosa?, os que escrevem e lêem as mesmas fontes?, os que entram na corrente da leitura e partilha das ideias? Todos somos chamados a estar no livro, em diálogo uns comos outros, seja qual for o espectro político ou as ferramentas ideológicas de análise. A leitura do livro, em modo de peregrinação interior e exterior a nós, autor e leitor, o guião da viagem concretiza-se numa referenciação de pessoas (92 textos) e de instituições (19 textos), um dos núcleos principais da narrativa. No fundo, o autor conta a história de vida, sua e dos seus, com um estilo coloquial, perifrástico, se o tomarmos como partindo de um caso que o faz pensar e comunicar. Escreve e visualiza os percursos realizados, sugere muitos outros, soma o tempo nos anos de sua vida, mas estende-o na história local ou nacional, exterioriza-se e interioriza-se em documentação, em património, em usos e costumes, em narrativas, em datas e acontecimentos. Pela leitura percebe-se que o sentido do verbo plasmar vai da simplicidade de ser sinónimo de líquido vital à complexidade de ser figuração de energia. O meio termo da pragmática poderá remeter o leitor para um estado de composição ou moldagem em que a pessoa, o grupo, a família, a comunidade, a instituição, a sociedade, o mundo, se configuram como são, cumulativamente mais densos, mas também mais preocupantes nas suas fragilidades. O eu e o tu, este núcleo de pessoas é o nós que é o povo, que é a humanidade, o sujeito que viaja e a viagem resulta em plasma, acumula componentes que integram a sua composição enquanto estado físico: a pessoa é plasma, é matéria que se compõe de outros elementos. O sangue e a sua prototipicidade de sentido. Há duas fontes referenciais de plasma em todo o livro: uma, citação de Tolentino de Mendonça, plasmar uma comunidade (p. 141); outra, citação de Manuel Sérgio, referindo as dimensões da pedagogia do desporto como plasma normativo que trasvaza do humanismo filosófico e do socialismo político (p. 244). O autor tem um método de trabalho e de exposição: pensa com a razão e com a fé, abre os olhos à complexidade problemática do humano demasiado humano, escolhe a reflexão e desenvolve-a, deixa na mente do leitor dimensões de crítica, de elogio, de reparo, de projecto, de avaliação, foca a diversidade para salientar a unidade de sentido. Nos textos mais marcados pela crítica contundente ou nos textos mais discretos de valorização, o humano e o religioso estão sempre implicados e é na sua interligação que se perspectivam os desenvolvimentos. Nas divisões categoriais dos estudos da cultura, é habitual esta aparecer-nos em três grandes aglomerados ou complexos de esquemas de compreensão, a cultura material, a cultura social e a cultura mental. Nestes três contentores, arrumam-se as mais diversas manifestações teóricas e práticas, desde a agricultura à metafísica, do físico ao espiritual, do biológico ao artificial, do sensiente ao inteligente. É também habitual arrumarmos as práticas dos seres vivos numa escala que vai do mais simples ao mais complexo, do mais popular ao mais erudito, do mais arcaico ao mais inovador, do mais natural ao mais artificial, do mais rude ao mais elaborado, etc. O livro de João Alves Dias manifesta-se como transversal a estas categorias, contribuindo para o arreigamento teórico de uma categoria de mistura e de transvase: a cultura religiosa, na medida em que os seus esquemas de conhecimento, conceptualização e utilização, cruzam as outras dimensões, implicam-nas e configuram-nas: a cultura religiosa parte do físico para o espiritual, integrando todas as dimensões do material, do social e do mental. Nas múltiplas viagens, também elas físicas, sociais e mentais, o autor elabora a compreensão da realidade a partir da paisagem, dos monumentos, dos caminhos, dos campos e das cidades, interligando as questões sociais com as espirituais, evidenciando significados acumulados ao longo do tempo, mas sempre com novas abordagens de compreensão, revisão, acrescento, descoberta. O religioso está intrinsecamente conceptualizado nas dimensões que lhe parecem exteriores e o autor salienta quanto os valores de comunidade, de património comum, de padronização de leituras e de interpretações, são sustentados pela prática e partilha de uma ferramenta simbólica religiosa, catequética, sem dúvida, mas nunca dogmática ou impositiva de códigos de reflexão ou de conduta. A nossa contemporaneidade é marcada pela maior diversidade de manifestações comportamentais, pela maior proliferação de controvérsias, pelo maior questionamento de certezas ou de estabilidades de entendimento da realidade. O stress provocado nos indivíduos pela mudança tecnológica, pela conflitualidade entre povos e nações, pela mediatização de causas e de procedimentos extremados, desencadeia temores e receios, desorienta, induz estados de indiferença e de precipitação. Recorrendo a Peter Hanenberg, Cognitive Culture Studies, 2018, podemos perguntar como é que estamos a desenvolver mecanismos culturais e cognitivos para lidar com os mecanismos mais surpreendentes da mudança? Como funcionamos nesta «modernidade líquida» (Zygmunt Bauman, citado por Hanenberg), para responder aos desafios mentais de apreensão das culturas? Porque é que precisamos de ser mais «plasmas», mais fluidos, na reflexão sobre o nosso tempo? Onde buscamos territórios comuns de consenso e de empatia (Wexler, citado por Hanenberg)? No quadro institucional de um jornal como A Voz Portucalense, João Alves Dias foi semeando interrogações e respostas que nos desafiam a conjugar o verbo que serviu de título à sua obra, verbo este que implica agentes causadores diferenciados, o Eu, o Tu, o Nós, onde se inclui a matéria, a natureza, o território, o clima, e também Deus. Referências Hanenberg, Peter (2018). Cognitive Culture Studies. Lisboa: Universidade Católica Editora. Puchner, Martim (2023). Cultura – Uma Nova História do Mundo. Lisboa: Bertrand Editora, Lda. José Machado, Braga, Abril de 2025. (VP, 13/5/2025)

A CÂMARA DO PORTO E A OBRA DIOCESANA

Em 3 de maio, o Jornal de Notícias, sob o título “Moreira diz que o bispo terá de obter apoios junto dos privados”, informava: “Nos últimos quatro anos, a Câmara do Porto subsidiou a Igreja com quase um milhão de euros (…) O autarca (…) já havia garantido que não voltará a aprovar mais apoios para a Igreja, designadamente a Obra Diocesana, que a Câmara subsidia, por se ter sentido ‘insultado’ pelo bispo na sequência da resposta que Manuel Linda deu ao ser questionado, por carta, sobre a permuta de 15 casas no bairro das Eirinhas, no Bonfim…” (3/5/2025). Sem dúvida que essa permuta também me deixou, no mínimo, estupefacto… Mas pergunto: - O que tem a ver com isso a Obra Diocesana? – Nada. Se não, vejamos a sua história… Como nasceu? Escrevi em “Alvores da Obra Diocesana” (14/2/2014) “Gerada no coração dum bispo, acalentada pelo humanismo dum presidente da Câmara, ganhou vida no saber de uma mulher. (…) D. Florentino foi a sua ‘alma-mater’, o Dr.Nuno Pinheiro Torres, o patrocinador, já D. Julieta Cardoso foi a ‘abelha-mestra”. (páp. 22). * O que faz? - “É já conhecida dos nossos leitores que está a desenvolver-se um importante movimento de acção social, educativa e religiosa na zona dos novos blocos camarários desta cidade. (…) O que se pretende é ajudar essas populações desenraizadas e heterogéneas a resolver os seus próprios problemas – sustento, emprego, habitação, doenças, promoção educativa, cultural e social etc” (A Voz o Pastor, 17/10/1964) - Em 25 de abril de 2014, a Junta de Freguesia de Campanhã prestou-lhe homenagem pública e, no desdobrável, então distribuído, dizia: “A Obra Diocesana de Promoção Social (…) foi fundada em 1964, fruto da vontade conjugada da Diocese do Porto, da Câmara Municipal do Porto e do Instituto de Serviço Social do Porto. (…) Para a realização dos seus objetivos, desenvolve a sua ação nos bairros do Carriçal, Cerco do Porto, Fonte da Moura, Lagarteiro, Machado Vaz, Pasteleira, Pinheiro Torres, Rainha D. Leonor, Regado, São João de Deus, São Roque da Lameira e São Tomé, apoiando a sua população mais carenciada. Aí, tem instalado 12 Centros Sociais, onde mantém as respostas sociais de Creche, Pré-Escolar, ATL, Centro de Dia, Centro de Convívio, Serviço de Apoio Domiciliário e ainda Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental (CAFAP) e Cantina Social. Atualmente, presta serviços a cerca de 2500 clientes e conta com a colaboração de cerca de 390 trabalhadores. “ Testemunho pessoal Eu próprio, por solicitação do senhor Presidente da Câmara, vivi vários anos, numa casa do bairro do Cerco do Porto, para, como o P. Coelho, no bairro da Pasteleira, “ser vizinho entre vizinhos” (JN, 15/3/2025 – O padre que fez do barracão uma capela). E nunca me senti a receber um favor porque, com a minha presença, “criaram-se várias comissões de trabalho como as que se seguem: Comissão para a instalação de telefone e marco de correio; Comissão de missa e catequese; Comissão para a instalação de um mercado; Comissão para um posto de enfermagem e creche; Comissão para obtenção de transportes e ainda uma Comissão de Auxílio Mútuo” (A Voz do Pastor, 17/10/1964). Todas realizaram os seus objetivos, de que são exemplo as seguintes notícias: - “A Obra Diocesana de Ação Social nos bairros do Porto continua a desenvolver extraordinária actividade junto dos aglomerados populacionais. (…) As iniciativas sucedem-se. Há dias, foi inaugurado um Posto de Enfermagem no Bairro do Cerco do Porto, graças ao magnífico trabalho desenvolvido…” (A Voz do Pastor, 15/5/1965) - “No dia 2 de abril de 1966, o bairro de S. Roque esteve em festa. Inaugurou-se o Centro de Convívio, o primeiro fruto do trabalho social (…) o que deu motivo a grande regozijo entre os seus moradores” (cf. JN, 4/4/1966) Criaram-se, ainda, outro Centro de Convívio no bairro do Cerco, a Casa dos Rapazes, a Casa das Raparigas, dois Centros Sociais, o Clube de Pesca do Bairro do Cerco do Porto e o Agrupamento 300 do CNE… O Presidente da Câmara disse-me “A Câmara procura dar casas às pessoas. Mas isso não basta. É preciso dar-lhes alma. E essa tarefa nós não sabemos nem podemos fazer. Vós, sim. Por isso, vos apoiamos” (Nos Alvores da Obra Diocesana, pág. 39) Concluindo. Como escreveu a Junta de Freguesia de Campanhã, a Obra Diocesana é “fruto da vontade conjugada da Diocese do Porto, da Câmara Municipal do Porto e do Instituto de Serviço Social do Porto” Sem esse tripé, a Obra não existiria nem sobreviverá. Faz parte da sua constituição originária. Negá-lo, é renegar a sua história e esquecer todo o bem que ela faz e fez ao longo dos 61 anos de existência. E quem sofre? – Como diz o povo: ‘é o mexilhão’, quem dela precisa e não tem culpa nenhuma. - “Meus Senhores, por favor, entendam-se. Exige-o o bem social.” Este é o clamor das gentes dos bairros camarários e o apelo de quem consagrou onze anos da juventude (1964-1975) ao seu serviço e, por isso, foi agraciado, pela Câmara Municipal, com a ‘Medalha de Mérito – Grau Ouro (9/7/2014) e, pela Obra Diocesana, com a ’Medalha de Mérito, Classe Ouro (6/2/2021). E merece-o uma Obra que teve na sua direção pessoas como Dr. Francisco Sá Carneiro, Arquiteto Fernando Távora, D. Maria Elisa Acciaiuoli Barbosa. “A Obra Diocesana é uma obra de e da, mas não para a Igreja.” - A Voz do Pastor, 17/10/1964 (13/5/2025)

sábado, maio 10, 2025

A VITALIDADE DUMA INSTITUIÇÃO MULTISSECULAR

“Colocamos o coração em tudo o que fazemos.” Esta é a mensagem do opúsculo que orientou as cerimónias comemorativas da fundação da Santa Casa da Misericórdia do Porto, no passado dia 23 de março, na sua igreja privativa da rua das Flores. Nele, a ‘Mensagem do Provedor’, Dr. António Tavares, começa por dizer: ”Assinalamos, hoje, 526 anos de uma trajetória de excelência, marcada por feitos que permanecem vivos na nossa memória coletiva, mas, sobretudo, por uma visão de futuro que permanece em construção. A Santa Casa da Misericórdia do Porto, ao longo dos séculos, consolidou-se como um pilar de referência, sendo, no presente, um farol de compromisso e resiliência, e no futuro, um agente de transformação social.” E terminava com as palavras que inspiram o trabalho da Santa Casa e presidiram a essa celebração: “Colocamos o coração em tudo o que fazemos.” Na homilia, o capelão-mor, Cónego Jorge Cunha, sintetizou: “os pobres são o sujeito da Santa Casa”. Após a Eucaristia, seguiu-se a ‘entronização’ de 82 novos irmãos, numa cerimónia solene que terminou com o ‘juramento’: “Juro pela minha honra conhecer, cumprir e fazer cumprir, o compromisso desta Santa Casa, vivenciando as 14 Obras de Misericórdia. Assim Deus me ajude por intercessão da Nossa Senhora”. E eu regressei aos tempos de menino e vi-me, novamente, sentado num molho/feixe de erguiço /caruma, em casa da Mestra Maruja que me ensinava: As obras de misericórdia são 14; sete, corporais e sete, espirituais. As Corporais são: 1.ª Dar de comer a quem tem fome. - 2.ª Dar de beber a quem tem sede. - 3.ª Vestir os nus. - 4.ª Dar pousada aos peregrinos. - 5.ªAssistir aos enfermos. - 6.ª Visitar os presos. - 7.ª Enterrar os mortos. As Espirituais são: 1.ª Dar bom conselho. – 2.ª Ensinar os ignorantes. – 3.ª Corrigir os que erram. – 4.ª Consolar os tristes. - 5.ª Perdoar as injúrias. - 6.ª Sofrer com paciência as fraquezas do nosso próximo. - 7.ª Rogar a Deus por vivos e defuntos. O ‘Compromisso da Irmandade’, no seu artigo 4.º, contextualiza os conceitos e explicita: “No campo social (a Santa Casa da Misericórdia) exercerá a sua ação através da prática das 14 Obras de Misericórdia, tanto espirituais como corporais, interpretadas à luz da moderna Doutrina Social da Igreja e da cultura da solidariedade”. E, como “a gratidão é a memória do coração”, o senhor Provedor, com eloquentes palavras de encómio, agraciou, com o titulo de ‘Irmão Honorário”, os senhores Alberto Cândido Alves Baldaque Lobo, António José Brito Silva Santos e João Luís Mariz Rozeira; homenageou os 38 colaboradores que cumpriram 25 anos de serviço, em 2024 com um realce especial para o senhor António Maria Canceles Pinto, o único que, nesse ano, cumpriu 50 anos ao serviço. E não foram esquecidos os 46 colaboradores que, entretanto, se aposentaram. O presente é gratidão, mas, também, sonho. Assim, a celebração culminou na apresentação da ‘Comissão Organizadora das Comemorações dos 530 anos da fundação da Santa Casa da Misericórdia do Porto’ que será presidida pelo Professor Doutor Francisco Ribeiro da Silva, Mesário do Culto e da Cultura. Toda esta cerimónia, pautada pelo tema da Misericórdia, trouxe-me à memória as palavras com que o Papa Francisco, cuja morte nos escurece o coração, anunciou o Jubileu deste ano: ‘um dom especial de graça da misericórdia de Deus’: “Agora aproxima-se a meta dos primeiros vinte e cinco anos do século XXI e somos chamados a realizar uma preparação que permita ao povo cristão viver o Ano Santo e todo o seu significado pastoral. Neste sentido, constituiu uma etapa significativa o Jubileu Extraordinário da Misericórdia, que nos permitiu redescobrir toda a força e ternura do amor misericordioso do Pai a fim de, por nossa vez, sermos suas testemunhas” Fica o testemunho e o apelo… Neste ano jubilar e em tempo pascal, coloquemos o coração em tudo o que fizermos… (7/5/2025)

sexta-feira, maio 02, 2025

OS SETE PILARES DO LEGADO DE FRNACISCO

Quando damos graças a Deus pela vida do Papa Francisco e choramos a sua morte, faço-me eco dum longo artigo, com o título que encima esta crónica, assinado por Sara Belo Luís, que uma revista de grande divulgação nacional – Visão – publicou há cerca de dois meses (27 de fevereiro e 5 de março). A capa era totalmente preenchida com a fotografia do Papa Francisco, a sorrir num gesto de despedida, da JMJ Lisboa 2023, com a legenda: “Francisco – O Legado e o Exemplo. A força do carisma e o poder do diálogo. Como Jorge Bergoglio conseguiu ser inspirador mesmo para os não crentes e indicou novos caminhos para a renovação da Igreja Católica”. 1 – Cuidem da ‘Casa Comum’. Publicada logo em 2015, a encíclica Laudato Si deu o tom sobre o modo como Francisco queria ser ouvido, ir para além dos muros do Vaticano. Tentava compreender o mundo, estava alinhado com a Ciência e com o melhor conhecimento: as alterações climáticas são provocadas pela ação humana. ‘O urgente desafio de proteger a nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral’. 2. Estejam próximos das pessoas – ‘Só é lícito olhar uma pessoa de cima para baixo para a ajudar a levantar-se’. A professora Inês Espada Vieira, professora da UCP e presidente do Centro de Reflexão Cristã, recorda uma frase de frei Bento Domingues que sintetiza o legado do pontífice: ‘Nada de novo, tudo de novo’ E justifica: Não há nada de novo porque tudo o que o Papa fez foi a partir do Evangelho e do Concílio, mas por outro lado há uma forma de renovação dos gestos, da esperança, de uma coragem cristã que leva à ação’. 3. Ouçam as comunidades – Convocado pelo Papa Francisco, o Sínodo dos Bispos (…) deixou de integrar apenas os bispos – e isso em si mesmo, já constitui uma novidade. Contou, por exemplo, com a participação de mulheres. (…) Para Juan Ambrósio, da Universidade Católica, a ideia de ouvir as Comunidades não terá retrocesso. “O Papa impôs a ideia de uma Igreja que se renova a partir daqueles a quem ela é enviada”. 4. Não tenham medo de mudar – Frei Bento Domingues: “Os excluídos passaram a ter uma pátria na Igreja. E esta, para mim, é a grande renovação. Além de que permitiu que a população cristã pudesse exprimir-se nas paróquias, em grupos que se formassem, com toda a liberdade”. (…) Era impensável, há dez ou 100 anos, que houvesse uma mulher ‘Prefeita na Cúria Romana’. 5. Escutem os vossos irmãos muçulmanos – No diálogo com o Islão, porém, existe outro momento recente importante. Em setembro de 2024, o Papa visitou a Indonésia. (…) Entrou na Istiqlal, a maior mesquita do Sudoeste Asiático, e ainda num túnel subterrâneo que liga o interior da mesquita à catedral católica de Nossa Senhora da Assunção - o Túnel da Amizade - apelou à fraternidade: ‘Anunciar o Evangelho não significa impor a nossa fé ou colocá-la em oposição à dos outros, mas dar e partilhar a alegria do encontro com Cristo sempre com muito respeito e carinho fraterno por todos.’ 6. Acolham ‘todos, todos, todos’ – Foi em Lisboa, por ocasião da jornada Mundial da Juventude, que mandou o discurso que tinha escrito às urtigas, evitou as partes mais entediantes e afirmou. Quando (Jesus) manda os apóstolos chamar para o banquete, diz: ‘Ide e trazei todos’, jovens e idosos, sãos e doentes, justos e pecadores. Todos, todos, todos. Na Igreja, há lugar para todos, ‘Padre, mas para mim que sou um desgraçado, que sou uma desgraçada, também há lugar? Há espaço para todos! Todos juntos…’ 7. Combatam ‘a economia que mata’ – Na exortação apostólica A Alegria do Evangelho, Bergoglio referiu-se, pela primeira vez à ‘economia que mata’. Três dias antes de entrar no hospital, escreveu uma carta aos bispos católicos dos EUA: Tenho acompanhado de perto a grande crise que está a acontecer nos EUA, com o início de um programa de deportação em massa. A consciência retamente formada não pode deixar de fazer um juízo crítico e de manifestar o seu desacordo com qualquer medida que identifique, tácita ou explicitamente, o estatuto ilegal de alguns migrantes com criminalidade. Para reflexão… (O Papa Francisco) “por vezes, foi mais ouvido pelos não crentes do que pelos próprios crentes - pág. 28”. (30/4/2025)