O Tanoeiro da Ribeira

terça-feira, junho 25, 2024

A ASSOCIAÇÃO DE PROTECÇÃO À INFÂNCIA E O SEU FUNDADOR

No passado dia 7 de maio, na igreja de Santa Clara, ao iniciar a Eucaristia celebrativa do aniversário desta secular instituição – criada em 1903 - fez-se memória do seu patrono. “Quis a direção dar graças a Deus pelos 121 anos de existência desta associação que, no seu nome, honra o fundador: ‘Associação de Proteção à Infância Bispo D. António Barroso’ (APIBAB) E quem foi D. António Barroso? Poder-se-á perguntar… Para iniciar a resposta, selecionei duas afirmações: O Homem das causas difíceis, o minhoto de rija têmpera, que dizia: “Há duas coisas de que não morrerei: de parto ou de medo”; O Bispo pobre que, no seu testamento, escreveu: “Nasci pobre, rico não vivi e pobre quero morrer.” Breve resenha biográfica -Nasceu em 1854 em Remelhe, Barcelos, num pardieiro subalugado aos caseiros da Casa de Santiago onde seus pais viviam. A mãe era tecedeira e o pai, carpinteiro. Numa receção em Barcelos, ao entrar, viu uma sua vizinha e disse: “Então Vª Excia que tantas vezes me matou a fome, ajoelhada diante de mim?! Deixe-me dar-lhe um abraço”. Ordenou-se presbítero, em 1879, no Colégio das Missões Ultramarinas em Cernache de Bonjardim. -No ano seguinte seguiu para Angola/Congo -Em 1891, com 37 anos, foi ordenado bispo e nomeado prelado de Moçambique. -Em 1898, foi nomeado bispo de Meliapor na Índia -Em 1899, veio para bispo do Porto. Tinha 45 anos -Em 31 de agosto de 1918, morreu, com 64 anos, no Paço de Sacais, junto ao Liceu Alexandre Herculano, uma casa alugada porque, entretanto, o Estado tinha-se apropriado do Paço Episcopal que só restituiu na década de sessenta. Na memória do Povo, ficou como: * Bispo dos Pobres - Porque praticou a caridade: . A mãe ofereceu-lhe o seu cordão de ouro. Mais tarde, ele confessou que o cordão já não existia porque o foi partindo aos bocadinhos para dar, quando nada mais tinha, aos pobres que lhe batiam à porta. . O escritor Raul Brandão seu contemporâneo escreveu: “O Bispo é uma grande figura de bondade. Dá tudo o que tem”. . D. António Barbosa Leão, seu sucessor no Porto, disse que “em sua casa faltaria talvez na mesa até o necessário; o seu vestuário muitas vezes denunciava pobreza, mas para os pobres havia sempre: esmola e palavras amigas”. - Porque dinamizou várias instituições de assistência, como a Oficinas de S. José, Asilo de Vilar, Recolhimento das Meninas Desamparadas, Recolhimento do Ferro, Irmãzinhas dos Pobres. Fez renascer o Círculo Católico Operário. E criou a Associação de Proteção à Infância. - Porque defendeu os mais pobres: Em 1918, pouco antes da sua morte, publicou uma carta pastoral em que defendeu o trabalho como “nobre meio de se ganhar o sustento de cada dia”. Lembrou aos patrões que “brada ao céu o pecado de se não pagar a quem trabalha a jorna merecida e justa”. Reconheceu a importância dos sindicatos. Clamou contra a “exploração monstruosa, sem entranhas nem pudor”. *Bispo Santo – “Vox populi, vox Dei” Minha mãe, que o conheceu em criança, falava do “Senhor Bispo de barbas brancas que era um santo. Sofreu como Nosso Senhor”. O seu calvário começou ainda no tempo da Monarquia, mas acentuou-se com o advento da República que o sujeitou a três julgamentos e o condenou a dois exílios: - Primeiro - Em 1911, Afonso Costa chamou-o a Lisboa e condenou-o ao desterro com a proibição de voltar ao território diocesano. Foi conduzido sob prisão para o Colégio das Missões. Quando ia para o Ministério, o carro que o levava foi apedrejado pelos carbonários. Em 10 de Junho, passou a viver em Remelhe, sua terra. E a pequena capela medieval de Santiago tornou-se na ‘catedral do exílio’ do Porto onde ordenou 64 presbíteros, um dos quais foi quem me batizou. Em 1914, regressou à Diocese, com grande júbilo e um ‘Te Deum’, na Sé. - Segundo - Em 7 de Agosto de 1917. voltou a ser desterrado, agora para uma diocese que não confinasse com a do Porto. Foi viver para Coimbra. Regressou em 20 de dezembro desse ano, com o governo de Sidónio Pais. Em 16 de junho de 2017, o Papa Francisco reconheceu as suas ‘virtudes heroicas’ e declarou-o Venerável. Manter ativa e “adaptada às novas exigências da sociedade” a Associação de Proteção à Infância que D. António Barroso tanto amou, dá vida e perpetua a sua veneranda memória. A nossa homenagem a quantos a apoiam ou nela trabalham. PS. O texto integral pode ser lido no ‘sítio’ da Associação: ‘www.apibab.pt’ (26/6/2024)

terça-feira, junho 18, 2024

ECOS DO SAMEIRO - POR UMA IGREJA TEÂNDRICA AO SERVIÇO DA HUMANIDADE

“No alto do monte Sameiro, como se este lugar fora o de nossa melhor ponderação para este tempo.” Esta a legenda da fotografia da Missa de encerramento do 5.º Congresso Eucarístico Nacional, presidida pelo cardeal Tolentino Mendonça, que o nosso compadre Zé Machado publicou, no facebook, no dia dois de junho. Segundo relato do 7MARGENS que acompanhou o desenrolar de todo o Congresso - honra lhe seja feita - “Tolentino Mendonça, defendeu - recordando os 50 anos da Revolução do 25 de Abril - uma ‘aliança que garanta o pão do futuro para os jovens hoje cercados pela precariedade e o pão do amor para os mais velhos que não podem ser postos fora da equação social, porque já não são produtivos’. Outra aliança necessária, acrescentou o cardeal, deve assentar na ‘compreensão da diversidade cultural como uma barreira à coletiva maturação do bem-comum. (…) E “terminou a sua homilia deixando três ‘grandes chamamentos fundamentais’ à Igreja em Portugal: ser uma Igreja eucarística, isto é, que não se coloca a si mesma como prioridade, mas a Cristo; uma Igreja samaritana, ou seja, de proximidade relativamente às ‘alegrias e esperanças, tristezas e angústias’ das pessoas de hoje; e uma Igreja mariana, inspirada na figura de Maria, na sua gentileza, feita de ‘coração desarmado e manso”. (3/6/2024) Este apelo evangélico já tinha estado presente na reflexão feita na sessão de abertura do Congresso, em 31 de maio, por D. José Ornelas, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa: “A eucaristia é exigente, não é apenas um rito. Malgrado aquilo que possamos dizer, quem participa na Eucaristia, como é que pode ficar inativo perante a falta de pão em casa, em tantas situações de conflito e de penúria, e [perante] as numerosas crianças que, a cada hora, morrem de fome no mundo?” Para depois, ao referir como Jesus acolhia publicanos e prostitutas, alargar ainda mais o seu questionamento: “Perante esta atitude inclusiva, ‘que estará Jesus a pensar sobre as nossas discussões e normas’ para as pessoas se poderem aproximar do ‘pão que ele oferece a todos?’ (7Margens 31/52024) Esta temática abrangente “foi também um dos eixos da primeira conferência do Congresso, a cargo do padre Corrado Maggioni, que preside ao Pontifício Comité para os Congressos Eucarísticos Internacionais. Segundo ele, ‘na Eucaristia, o pão é dividido para criar comunhão e não divisão’. ‘A Eucaristia celebrada na Igreja - sublinhou ainda - tem de ser expressa fora da Igreja, através de respostas reais às necessidades concretas das pessoas’. (…) É impensável hoje construir uma nova Igreja exclusivamente para a liturgia, sem ter em conta o serviço à fraternidade que este lugar eucarístico implica e exprime’ (idem)”. Esta sequência de mensagens que vinculam a Eucaristia ao amor fraterno fez-me recuar à década de sessenta do século passado. E recordar… Os funcionários da Câmara Municipal do Porto organizavam todos os anos a Comunhão Pascal, na igreja da Trindade. Em 1965, o presbítero convidado para celebrar a Eucaristia, “na homilia, por estas ou outras palavras de similar conteúdo semântico, disse: Hoje é dia de festa. Mais uma vez a Câmara se reúne para celebrar a Sua Comunhão Pascal. Estão todos de parabéns. Mas este gesto só será autêntico e fará sentido se for um sinal de que, na vida de cada dia, sabeis acolher o Cristo que vos visita na pessoa dos mais abandonados. Ele que disse: ’o que fizerdes aos mais pequeninos é a mim que o fazeis’. Não basta comungar Cristo na Eucaristia, isso é o mais fácil; é preciso comungá-lo na Vida, e isso é mais difícil. Quando atendeis com carinho o morador do bairro que, a chorar, vos diz que não tem dinheiro para pagar a renda, é a Cristo que estais a acolher, mas quando o recebeis com desprezo e arrogância é a Cristo que estais a maltratar. Quando prestais atenção aos seus problemas e os procurais resolver é a Cristo que estais a ajudar, mas se o mandais embora sem uma atenção é a Cristo que estais a escorraçar.” (Nos Alvores da Obra Diocesana, pág. 43) Apodado de ‘padre comunista’, jamais voltou a ser convidado. Como os tempos mudam… (18/6/2024)

terça-feira, junho 11, 2024

CAIXA DE RESSONÂNCIA . 'JN: 136 ANOS DEPOIS'

Quem, na última sexta-feira de maio, entrasse no café Abanico, no Porto, certamente repararia num casal, já de alongados caminhos, embrenhado na leitura partilhada do Jornal de Notícias. Nessa manhã, liam e comentavam a crónica “JN: 136 anos depois”, de Felisbela Lopes, Professora da UMinho, que começava: “Criado a 2 de junho de 1888, o ‘Jornal de Notícias’ fez permanecer neste tempo a sua redação central do Porto. Hoje, é o único diário nacional com sede fora da capital, distinguindo-se por uma atenção particular aos territórios. E é nesse jornalismo de proximidade, entranhado na vida das pessoas, que se enraíza a sua força. E a sua liberdade. Tendo atravessado recentemente uma fase de grande turbulência devido a problemas de propriedade e, consequentemente, de gestão, entretanto superados (…)” E foi nesse período conturbado que, em 31 de janeiro, o Rotary Club do Porto, assumindo o peso simbólico desta data e interpretando o sentir das gentes da cidade, realizou, na biblioteca Almeida Garrett, um ‘jantar de reconhecimento de mérito profissional ao jornalista Domingos de Andrade’, antigo diretor de tão prestigiada instituição do Porto cuja sobrevivência estava em risco. E foi uma sala repleta que ouviu a presidente do clube organizador, Eliana Soares, explicitar as razões dessa distinção. António Tavares, Provedor da Misericórdia do Porto, e Sebastião Feyo de Azevedo, presidente da Assembleia Municipal do Porto e antigo Reitor da Universidade do Porto, louvaram o Rotary Club pela justeza desta homenagem. No dia 2 de junho, o JN publicou uma “Edição especial de aniversário”, com 120 páginas sob o título “Somos Liberdade”. Das muitas felicitações, a começar pelo senhor Presidente da República, faço-me eco das vozes de: *Órgãos autárquicos - Presidente da Câmara do Porto: “Não há muitos jornais no mundo que continuem a revelar, mais de um século depois, pertinência informativa e utilidade social. Ora, o JN tem sabido resistir às transformações da sociedade e dos média, em boa medida porque dá voz à comunidade onde se insere. Pelo seu jornalismo de proximidade, profundamente interclassista, é uma garantia de liberdade e pluralidade informativa”. - Presidente da Câmara de Lisboa: “A democracia trouxe-nos (…) a liberdade de imprensa (…) O JN tem desempenhado de forma nobre a missão de procurar a verdade, informar os cidadãos, servir a democracia. E sempre com destaque para as nossas cidades, para as nossas gentes, para os temas locais que tanto relevância têm para as pessoas.” - Presidente da Associação Nacional dos Municípios Portugueses: “O que celebramos hoje é muito mais do que o aniversário do JN. Comemoramos a resistência de um grupo de pessoas que acreditara que o JN merece continuar vivo. Não podendo enumerar cada um dos trabalhadores do JN, faço o louvor que nos merecem nas pessoas de Inês Cardoso e Domingos de Andrade”. * Cidadãos do Porto - D. Manuel Linda – “Na vida das pessoas e das instituições, o aniversário é ocasião para valorizar a existência, ajuizar da sua qualidade e projectar o futuro. O JN tem razões para celebrar a liberdade de informação, avaliar as vias que já percorreu e programar um futuro de otimismo e esperança.” - Pedro Abrunhosa – “É muito difícil dissociar a história desta cidade à história do JN por uma razão, o jornal conta a história da cidade. O JN garante uma voz imparcial em relação à proximidade com a população e perder isso é perder um dos pilares fundamentais da democracia, que é a rede de informação que chega às pessoas e lhes traz justiça. . André Villas Boas – “Tal como o F.C. Porto, o JN já atravessou séculos. (…) O JN através de uma informação séria e livre, que forma cidadãos esclarecidos e livres. O JN sempre foi um bastião dessa liberdade, uma referência informativa, que não se deixa coarctar por interesses ou pressões. Obrigado, JN”. Faço minhas as palavras de Poiares Maduro, professor universitário, no painel que debateu as ‘ameaças à liberdade de imprensa’, no âmbito do aniversário do JN: “Os jornalistas são os mediadores entre os factos e os cidadãos. São fundamentais no processo de formação das opiniões dos cidadãos. - JN, 3/672024” (12/6/2024)

quarta-feira, junho 05, 2024

PRÉMIO NOBEL DA LITERATURA 2023 - (II) - 'O EU É UM OUTRO'

“O catolicismo influenciou o Septologia, disso não tenho dúvidas, é óbvio.” (Jon Fosse) Dos três volumes, de leitura independente, que compõem a Septologia. li o segundo que dá título ao meu texto. E recordei as vezes em que, olhando-me ao espelho, questiono a minha imagem refletida como se fosse outra pessoa. ‘O eu é um outro’… No decurso duma viagem de carro, o narrador, numa longa introspeção, procura responder à pergunta que, um dia, já todos nos pusemos: Quem sou eu? Para isso, num diálogo consigo mesmo, projeta traços autobiográficos e reflete-se no protagonista, Asle, a outra versão de si mesmo, a imagem refletida no espelho… As palavras saem em catadupa, sem pontos finais, ao ritmo do pensamento, conectadas por ‘penso eu’. E os “pensamentos como que se sobrepõem todos uns aos outros, não se desencadeiam como uma sequência ordenada, mas ocorrem todos ao mesmo tempo, penso eu” (pág. 220) “Na busca do indizível, as contradições são aquilo que melhor expressa o drama de estar vivo” (Público, 22/3/2024). Exemplificando… . A conversão ao catolicismo - “penso que foi só depois de ter conhecido a Ales (namorada) que comecei a pensar que só Deus é que esteve próximo da irmã Alida quando ela morreu e que ela agora descansa na paz de Deus, na luz de Deus, penso eu, pois a morte não é um desejo de Deus (…) Deus e o Homem só se voltaram a unir em Cristo, na e pela e com a morte d’Ele na cruz, assim na morte reencontram-se agora o Homem e Deus, penso eu” (pág. 108) . Imanência e Transcendência: Arte e Fé – “mas encontrei o meu lugar dentro da Igreja, penso eu, e isso de se considerar católico, bem, não é apenas uma questão de fé, mas antes um modo de estar na vida que pode assemelhar-se a ser artista, dado que ser artista (…) também é um modo de estar no mundo, e para mim esses dois modos de estar no mundo são compatíveis, por assim dizer apontam numa outra direção, para algo que também existe no mundo, algo imanente, como se diz, e para algo que aponta para fora do mundo, que é transcendente, como se diz” (pág. 179) . A força da Oração – “ e penso de novo que o reino de Deus está dentro de mim, porque existe um reino de Deus, penso eu, e sinto-o quando me benzo, penso eu, fazendo o sinal da cruz, e isso faço eu a torto e a direito (…) quando uma dor me atormenta, e por falar nisso quando um sentimento de gratidão me invade (..) há uma força nisso, isso é certo, sim, embora seja impossível dizer que espécie de força é essa, pois a força existe sem palavras, mas ela está lá, essa força, e isso é experiência.”(pag. 180)) . Deus fala no silêncio – “pois Deus fala em silêncio a partir de tudo que existe, e este silêncio só foi quebrado quando o Verbo entrou no mundo, quando Cristo veio ao mundo, só então as palavras de Deus puderam ser ouvidas, sim, também se pode pensar assim (…) quanto maior é a minha escuridão mais perto de mim está Deus, penso eu, esta é a minha experiência, penso eu” (pág. 218) E eu lembrei o pensamento de B. Pascal: “é o coração que sente Deus e não a razão”. Crer em Deus é sentir Deus a partir da totalidade do ser. . Deus está nos nossos anseios –“penso muitas vezes (…) costumo rezar uma oração em silêncio e nessas ocasiões a Ales também está perto, e os meus pais, e a irmã Alida, e a avó, e experimento uma tranquilidade interior e penso que dentro de todas as pessoas existe um anseio profundo, pois sempre ansiamos por algo, e achamos que é por uma coisa ou por outra, que é por isto ou por aquilo, que é por este objecto ou por aquele, mas na verdade ansiamos por Deus, pois o Homem é uma oração contínua, é uma oração através do anseio, penso eu” (pág. 220) E vem-me à mente a oração de Santo Agostinho: “Fizeste-nos, Senhor, para ti, e o nosso coração anda inquieto enquanto não descansar em ti”. . “Revelaste estas coisas aos pequeninos (Mt 11,25) - “e digo repetidas vezes para mim mesmo, enquanto inspiro fundo Senhor e enquanto expiro devagar Jesus, enquanto inspiro fundo Cristo e enquanto expiro devagar Tem piedade e enquanto inspiro fundo De mim” (pág.254). Estas são as últimas palavras do livro e quem as escreveu foi um Prémio Nobel da Literatura. (5/6/2024)