O Tanoeiro da Ribeira

quinta-feira, junho 19, 2025

EIS UM VERDADEIRO ISRAELITA, NO QUAL NÃO HÁ FALSIDADE

s É como colega que falo. A nossa amizade nasceu na década de cinquenta, no seminário de Vilar. Aproximou-nos o facto de ele ser natural de Moldes, Arouca, bem perto das minas de volfrâmio de ‘Rio de Frades’ onde foi mineiro o tio Adão Carriço que me deliciou a infância com histórias de lobos que, então, abundavam nessas terras, para mim, longínquas e misteriosas. Um parêntesis - É curioso que, ainda em agosto de 1961, quando, com o Teixeira Coelho, organizámos - apoiados por Monsenhor Miguel Sampaio, reitor do Seminário Maior, e acompanhados pelos nossos professores, Dr. Ângelo e Dr. Armindo - uma colónia de férias para meninos do bairro da Sé, em Albergaria, então, das Cabras, hoje, da Serra, apareceram-nos uns pastores a oferecer-nos dois lobos bem pequeninos que tinham encurralado e apanhado num bueiro do caminho. Terminado o Curso do Seminário, a vida afastou-nos, mas, como gosto de dizer, por mais longe que ande o amigo, nunca está para além das fronteiras do coração. Reaproximou-nos a realização, a partir de 2010, do ‘Dia da Voz Portucalense’ na Sé, quando, em nome da Fundação Voz Portucalense, lhe solicitava, na sua ‘qualidade de Presidente do Cabido da Catedral”, a necessária autorização. Sempre nos respondeu pelo seu próprio punho, em papel timbrado do Cabido, como aconteceu em 27 /12/2012: “Agradeço a comunicação de 17 de Dezembro e mais comunico que tenho todo o gosto em colaborar em nome do Cabido. Arnaldo de Pinho” E, ainda, o Coro Gregoriano do Porto que, em 2015, a seu convite, como ‘Juiz da Real Irmandade da Rainha Santa Mafalda’, iniciou as comemorações dos seus ‘20 Anos’ com um concerto no Mosteiro de Arouca. Segui bem de perto os seus últimos dias quando já estava internado na Casa de Saúde da Boavista, mas a primeira notícia da sua morte chegou-me bem cedo, no dia 15 de maio, - um mês é passado - pelo facebook, onde um intelectual, que se diz agnóstico, escreveu “Faleceu um grande amigo. Era da minha idade. Não sei dizer mais nada. Vão-se os amigos e sentimo-nos mais sós. Os amigos fazem parte da família e da família mais próxima.” O dia do seu funeral coincidiu com a reunião do ‘Curso de Seminário 1951-1963’. Não pudemos participar nas suas exéquias na Catedral, mas, na Eucaristia, presidida pelo P. Avelino e concelebrada pelos padres Loureiro, Damião e Meireles, demos graças a Deus por ele e cantámos o ‘Requiem’, em gregoriano. Porque sou muito pequenino para falar da sua grandeza, como teólogo e homem de cultura, socorro-me da evocação que Nuno Higino, professor e editor, escreveu em 7Margens (19/05/25) sob o título ‘Arnaldo de Pinho, um pensador emancipado’, de que, com vénia, me faço eco: “Arnaldo de Pinho (1942–2025) ocupou um lugar único na teologia portuguesa pós-conciliar. Pensador de fronteiras e nas fronteiras, cultivou uma teologia do diálogo – entre fé e cultura, entre tradição e modernidade, entre razão e estética – marcada por uma abertura invulgar à complexidade do mundo. O seu percurso foi guiado por uma fidelidade crítica à Igreja, mas também por uma liberdade intelectual indagadora, nunca submissa à repetição doutrinal. (…) A teologia de Arnaldo de Pinho não se desenvolveu em moldes dogmáticos, nem se limitou a repetir fórmulas. Antes, procurou ler os sinais do tempo e inscrever neles a gramática do Evangelho. Esta abordagem, que se pode designar como teologia da cultura, faz da própria cultura um lugar hermenêutico da fé: não apenas contexto, mas espaço de revelação, interrogação e fecundação mútua. (…) Arnaldo de Pinho passou o seu ministério a construir pontes: entre o Evangelho e a modernidade, entre a tradição cristã e os questionamentos do mundo contemporâneo, entre o local e o universal..” Para mim, sempre foi o colega, de bom coração, com um humor subtil, servido por um sorriso sem farsa e uma piada sempre oportuna; o amigo que me faz lembrar o que Jesus disse de Natanael: ”Eis um verdadeiro israelita, no qual não há falsidade - Jo 1, 47” (18/6/2025)).